segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

PROCESSO SELETIVO - PROFESSOR COORDENADOR PEDAGÓGICO




PROCESSO SELETIVO
PROFESSOR COORDENADOR











A Dirigente Regional de Ensino da Região de São Bernardo do Campo, nos termos do contido no artigo 11 da Resolução SE nº 88, de 19/12/2007, publicada no DOE de 21/12/2007, alterada pela Resolução SE nº 10, de 31/01/2008, publicada no DOE de 01/02/2008, que dispõe sobre o posto de trabalho com função gratificada de Professor Coordenador, tornam públicas as instruções que regerão o processo de Seleção de Professor Coordenador das quatro séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

I - DOS REQUISITOS DE HABILITAÇÃO PARA PREENCHIMENTO DA FUNÇÃO:

1. ser portador de diploma de licenciatura plena;
2. contar, no mínimo, com 3 (três) anos de experiência como docente da rede estadual de ensino;
3. ser docente efetivo classificado na unidade escolar em que pretende ser professor coordenador ou ser docente com vínculo garantido em lei (Estável ou categoria “F”), com, no mínimo, dez aulas atribuídas, nos termos do art. 4º da Res. SE 88/2007, alterado pela Res. SE 10/2008.

II - DAS INSCRIÇÕES

1. As inscrições serão realizadas no período de 10/03/09 a 17/03/09, das 8h30 às 16h30, na Diretoria de Ensino da Região de São Bernardo do Campo, sito à Rua Princesa Maria da Glória, 176 – Bairro Nova Petrópolis.
2. No ato da inscrição, o candidato:
a) assumirá o compromisso de comprovar, na data da apresentação do Projeto de
trabalho na Unidade Escolar em que pretende exercer a coordenação, o
atendimento ao disposto no inciso I, sem o qual será eliminado do processo;
b) receberá o respectivo protocolo de inscrição.

III - DO CREDENCIAMENTO - PROVA:

1- da data e local
A prova realizar-se-á na E.E. Profª Cynira Pires dos Santos, sito à Rua Ângela Thomé, 134, Rudge Ramos, São Bernardo do Campo, no dia 05 de abril de 2009, com início às 9h00 e terá a duração de 3 (três) horas.
2- das características e referenciais da prova
a. A prova será constituída por 20 (vinte) questões de múltipla escolha, versando sobre as propostas curriculares e as metodologias de todas as áreas e disciplinas do ciclo II do Ensino Fundamental e Ensino Médio, com especial destaque à abordagem de habilidades, competências, interdisciplinaridade e processo de avaliação do rendimento escolar. Cada questão vale 1 ponto cada, passando a ser considerado credenciado o candidato que obtiver no mínimo dez pontos;
a bibliografia encontra-se anexa à presente instrução.


GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
Coordenadoria de Enino da Região Metropolitana da Grande São Paulo
DIRETORIA DE ENSINO REGIÃO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
Rua Princesa Maria da Glória, 176 – Bairro Nova Petrópolis – F. 4122.9700.
3. da realização da prova
a) o candidato deverá comparecer ao local da prova, com antecedência mínima de 30 (trinta) minutos munido de protocolo de inscrição, documento original de identidade (RG Carteira Nacional de Habilitação ou Carteira de Trabalho) e de caneta esferográfica de cor azul ou preta;
b) o candidato não poderá entrar na sala da prova, após o horário estabelecido para seu início e, somente poderá se retirar depois de decorridos, no mínimo 60 (sessenta) minutos, a contar do início da prova;
c) em hipótese alguma haverá substituição da folha de respostas por erro do candidato;
d) não haverá revisão de provas e o candidato deverá devolver ao aplicador o caderno de questões e a folha de respostas.
4. da divulgação dos resultados
a) o gabarito da prova será publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, do dia 07 de abril de 2009;
b) o resultado da prova estará disponível no site da Diretoria de Ensino de São Bernardo do Campo (http://desaobernardo.edunet.sp.gov.br), no dia 10/04/2009;
c. a relação dos candidatos credenciados não será classificatória.

IV. DO PROJETO DE TRABALHO E DA ENTREVISTA

1. Elaboração do Projeto de Trabalho
O Projeto de Trabalho deve conter, as exigências definidas no § 1º do Artigo 5º da Resolução SE nº 88/07.
2. Entrega do Projeto de Trabalho
O Projeto de Trabalho dos professores aprovados na primeira etapa do processo de credenciamento deverá ser entregue para análise, na unidade escolar com posto de trabalho de Professor Coordenador vago, em que o candidato pretende exercer a função de coordenação, acompanhado de currículo resumido e da documentação comprobatória de atendimento ao inciso I desta Instrução.
3. Entrevista e Avaliação do Projeto de Trabalho
O projeto será avaliado por uma Comissão constituída pelo Diretor da escola e pelo Supervisor de Ensino que acompanha a unidade escolar em que o candidato pretende exercer a função de coordenação.

OBSERVAÇÃO: Tratando-se de professor readaptado, há que observar que:
1. o candidato poderá fazer a prova para credenciamento, desde que preencha os requisitos previstos no inciso I desta Instrução; deverá, desde já, providenciar junto à CAAS, por intermédio da Diretoria de Ensino, mediante requerimento anexo no respectivo processo de readaptação do interessado, manifestação prévia que ateste a capacidade de o docente exercer as atribuições de Professor Coordenador, uma vez que o atendimento a esta solicitação demanda, rotineiramente, tempo;
2. a autorização da CAAS para o exercício da função deverá ser apresentada pelo candidato juntamente com o Projeto de Trabalho, na Unidade escolar pretendida.








GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
Coordenadoria de Ensino da Região Metropolitana da Grande São Paulo
DIRETORIA DE ENSINO REGIÃO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
Rua Princesa Maria da Glória, 176 – Bairro Nova Petrópolis – F. 4122.9700.
RESOLUÇÃO SE Nº 88, DE 21 DE AGOSTO DE 2001
Dispõe sobre o processo de cadastramento de alunos, coleta de vagas, compatibilização demanda/vaga e matrícula para o atendimento à demanda escolar do ensino fundamental no ano letivo de 2002 na Rede Pública de Ensino
A Secretária da Educação, considerando:
- o esforço empreendido há três anos pelo Governo do Estado de São Paulo e os municípios paulistas no cumprimento do artigo nº 211 da Constituição Federal, buscando formas de colaboração para assegurar a universalização do ensino obrigatório;
- a formação da Rede Pública de Ensino, constituída pela integração das redes municipais e da rede estadual visando acomodar integralmente a demanda por ensino fundamental;
- o êxito das iniciativas de planejamento antecipado para atendimento adequado na Rede Pública de Ensino, assim constituída,
Resolve:
Artigo 1º - Dar início ao processo de atendimento à demanda escolar do ensino fundamental, para o ano letivo de 2002, segundo os seguintes procedimentos:
I – a matrícula antecipada dos ingressantes na 1ª série e a das crianças e adolescentes que se encontram fora da escola, através de chamada escolar;
II – o atendimento dos alunos já matriculados em continuidade de estudos.
Parágrafo único – No processo referido no "caput" deste artigo, serão observadas as disposições contidas na Resolução SE nº 125 de 23/11/98, alterada pela Resolução SE nº 128 de 02/12/98.
Artigo 2º - O processo de matrícula antecipada para o ensino fundamental será realizado em conjunto com as redes municipais de ensino, por intermédio do Sistema de Cadastro de Alunos do Estado de São Paulo.
Artigo 3º - O processo de matrícula antecipada compreenderá:
I – o cadastramento dos alunos demandantes de vaga no ensino fundamental público;
II – a programação das vagas das escolas estaduais e municipais para o ano letivo de 2002;
III – a compatibilização entre a demanda e as vagas existentes;
IV – a efetivação da matrícula dos alunos.
Artigo 4º - O cadastramento dos alunos demandantes de vaga no ensino fundamental será efetuado em três fases:
I – a primeira fase processar-se-á durante o mês de agosto, quando serão definidos os alunos da educação infantil municipal (já cadastrados no Sistema de Cadastro de Alunos do Estado de São Paulo pelas Secretarias Municipais de Educação), candidatos à matrícula na 1ª série do ensino fundamental, em escola estadual ou municipal;
II - a segunda fase será realizada nas duas últimas semanas de setembro, com a chamada escolar das crianças que não freqüentam escola pública de educação infantil e que já completaram ou completarão 7 anos em 2002, candidatas à matrícula na 1ª série do ensino fundamental, em escola estadual ou municipal.
III - a terceira fase realizar-se-á na primeira semana de outubro com a chamada escolar das crianças e adolescentes que se encontram fora da escola, dentro da faixa etária de 8 anos completos em 2001 a 18 anos a completar no ano de 2002, candidatos à matrícula em qualquer série do ensino fundamental, em escola estadual ou municipal.
Artigo 5º - A programação das vagas de todas as escolas estaduais e municipais será feita através da digitação das classes no Sistema de Cadastro de Alunos do Estado de São Paulo, após planejamento do atendimento escolar para o ano letivo de 2002, assegurando a continuidade de estudos aos alunos já matriculados.
Artigo 6º - A compatibilização entre a demanda e as vagas existentes será realizada regionalmente, obedecidos os critérios definidos conjuntamente pelo Estado e Municípios e em conformidade com o parágrafo único do artigo 1º desta resolução.
Artigo 7º - A efetivação da matrícula no ensino fundamental, regular ou supletivo, será realizada após a compatibilização demanda/vaga, por meio da digitação da formação de classes no Sistema de Cadastro de Alunos do Estado de São Paulo.
Artigo 8º - Para a implementação do processo de matrícula antecipada, caberá:
I - às Diretorias de Ensino:
a) orientar e conduzir o processo de matrícula antecipada em sua área de jurisdição;
b) orientar, esclarecer e estimular a adesão dos Municípios no referido processo;
c) em consonância com as orientações das respectivas Coordenadorias de Ensino, definir critérios e procedimentos locais visando à distribuição dos alunos nas escolas estaduais e municipais, formalizando, quando necessário, protocolos com os órgãos municipais;
d) proceder, em conjunto com os órgãos municipais e escolas, à análise, compatibilização e indicação para a matrícula dos alunos definidos na fase I e para aqueles cadastrados nas fases II e III, na sua área de jurisdição.
II - às Unidades Escolares:
a) disponibilizar seus equipamentos para a digitação da definição dos alunos da fase I;
b) cadastrar os alunos das fases II e III;
c) proceder, em conjunto com as Diretorias de Ensino e os órgãos municipais, o encaminhamento e matrícula dos alunos cadastrados;
d) divulgar o resultado da matrícula para a comunidade.
Artigo 9º - Na fase de compatibilização da demanda escolar, deverão ser observados os critérios de atendimento contidos na Resolução SE nº 125 de 23/11/98, alterados pela Resolução SE nº 128 de 02/12/98.
Artigo 10 - Os procedimentos para o atendimento dos alunos do ensino médio, regular ou supletivo, do curso normal (incluindo CEFAM) e educação profissional serão objeto de resolução específica.
Artigo 11 - O processo de matrícula obedecerá ao cronograma constante do Anexo que integra a presente resolução.
Artigo 12 - Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação.
Publicado em 21/12/2007
Legislação Estadual
Resolução SE Nº 89/2007
Dispõe sobre função gratificada de Professor Coordenador das quatro séries iniciais do ensino fundamental, em escolas da rede estadual de ensino
A Secretária da Educação, considerando as disposições da Resolução SE Nº 88/2007 e as especificidades das quatro séries iniciais do ensino fundamental,
resolve:
Art. 1º - As escolas estaduais que oferecem atendimento às quatro séries iniciais do ensino fundamental contarão, a partir de 2008, com posto de trabalho de Professor Coordenador designado especificamente para exercer a função de coordenação pedagógica nesse segmento de ensino, na seguinte conformidade:
I - 01 (um) posto de trabalho para a escola que mantém de 6 a 30 classes de 1ª a 4ª série;
II - 02 (dois) postos de trabalho para a escola que mantém número de classes superior a 30 classes de 1ª a 4 ª série;
Parágrafo Único - No caso de unidades que mantêm número inferior a 6 classes caberá ao Diretor de Escola e ao Supervisor de Ensino garantirem as condições para melhorar o desempenho escolar.
Art. 2º - São atribuições do Professor Coordenador para o segmento de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, além das fixadas na Resolução SE Nº 88/2007:
I - auxiliar o professor na organização de sua rotina de trabalho, subsidiando-o no planejamento das atividades semanais e mensais;
II - observar a atuação do professor em sala de aula com a finalidade de recolher subsídios para aprimorar o trabalho docente, com vistas ao avanço da aprendizagem dos alunos.
III - orientar os professores com fundamento nos atuais referenciais teóricos, relativos aos processos iniciais de ensino e aprendizagem da leitura e escrita, da matemática e outras áreas do conhecimento, bem como à didática da alfabetização;
IV - conhecer as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa, de Matemática e das demais áreas de conhecimento e outros materiais orientadores da prática pedagógica;
V - estimular os docentes na busca e na utilização de recursos tecnológicos específicos ao processo de ensino da leitura e da escrita, da matemática e de outras áreas do conhecimento.
Art. 3º - O Professor Coordenador que atuar na unidade escolar nas séries iniciais do ensino fundamental cumprirá 8 (oito) horas das 40 semanais obrigatórias, na Diretoria de Ensino para participação em reuniões, grupos de estudos e orientações técnicas.
Art. 4º - No projeto a ser apresentado para seleção do Professor Coordenador, além das exigências definidas na Resolução SE Nº 88/2007, deverão estar relatadas as experiências profissionais em alfabetização e nas séries iniciais do ensino fundamental, demonstrando conhecimento adquirido por práticas em sala de aula ou propostas didáticas apoiadas na leitura e na escrita de textos, com bons resultados de aprendizagem.
Art. 5º - Caberá ao Diretor da unidade escolar valorizar os certificados de participação em cursos promovidos pela Secretaria da Educação, em especial, aqueles que se referem diretamente ao objeto da coordenação, tais como: Letra e Vida/Ler e Escrever.
Art. 6º - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, surtindo efeitos a partir de 01/07/2008.

RESOLUÇÃO SE Nº 90, DE 09 DE DEZEMBRO DE 2005.
Dispõe sobre o processo anual de atribuição de classes e aulas ao pessoal docente do Quadro do Magistério
O Secretário da Educação, tendo em vista o disposto no artigo 45 da Lei Complementar n° 444, de 27 de dezembro de 1985, bem como as diretrizes estabelecidas para a Educação Básica pela Lei nº 9.394/96 (L.D.B.), e considerando a necessidade de estabelecer normas, critérios e procedimentos que assegurem a legalidade e a transparência do processo de atribuição de classes e aulas,
resolve:

SEÇÃO I
Das Disposições Preliminares

Artigo 1º - Compete ao Dirigente Regional de Ensino, em sua área de jurisdição, designar Comissão de Atribuição de Classes e Aulas para execução, coordenação, acompanhamento e supervisão do processo que estará sob sua responsabilidade, em todas as suas fases e etapas.
Artigo 2º - Cumpre ao Diretor de Escola, observadas as normas legais e respeitada a classificação dos docentes, por campo de atuação, atribuir as classes e/ou as aulas da Unidade Escolar, no processo inicial e por todo o ano letivo.
Parágrafo único - O Diretor de Escola, no processo inicial, fará a atribuição aos titulares de cargo compatibilizando as cargas horárias das classes e das disciplinas, bem como os horários e turnos de funcionamento da escola, com as respectivas jornadas de trabalho, inclusive nas situações de acumulação de cargos públicos, desde que com legitimidade e sem detrimentos, de ordem legal, aos demais docentes.
Artigo 3º - Para efeitos do que dispõe a presente resolução, consideram-se campos de atuação referentes às classes ou às aulas a serem atribuídas, de que trata o artigo 45 da Lei Complementar n° 444/85, os seguintes âmbitos da Educação Básica:
I - classes do Ciclo I do Ensino Fundamental - campo de atuação relativo ao cargo docente de Professor Educação Básica I;
II - classes ou salas de recurso de Educação Especial - campo de atuação relativo ao cargo docente de Professor Educação Básica II de Educação Especial, e
III - aulas de disciplinas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio - campo de atuação relativo ao cargo docente de Professor Educação Básica II.
Parágrafo único - Exclusivamente para fins operacionais de aplicação nos processos de atribuição de classes e aulas, em virtude de exigirem procedimentos de seleção e credenciamento específicos e diferenciados, também assumem característica de campos de atuação, distintos dos demais e entre si, as classes, turmas e/ou as aulas dos projetos da Pasta e outras modalidades de ensino.

SEÇÃO II
Da Inscrição

Artigo 4º - O Diretor de Escola deverá convocar os docentes da Unidade Escolar, a fim de proceder suas inscrições, por campo de atuação, referentes ao processo anual de atribuição de classes e de aulas, momento em que irão efetuar opção por alteração ou manutenção de Jornada de Trabalho e por carga suplementar, se titulares de cargo, ou por carga horária de trabalho, indicando a quantidade máxima de aulas que pretendam ministrar, se ocupantes de função-atividade.
§ 1º - A inscrição do docente é única por campo de atuação e, para o processo inicial de atribuição de classes e aulas, deverá se efetuar na jurisdição de uma única Diretoria de Ensino podendo haver mais de uma inscrição somente nos casos de:
1 - titular de cargo de uma unidade escolar que, nos termos do artigo 22 da Lei Complementar n° 444/85, pretenda exercer a docência em unidade diversa;
2 - docente ocupante de função-atividade que tencione acumular funções em campos de atuação distintos;
3 - docente que pretenda ministrar aulas no ensino regular e também em projeto da Pasta, para o qual se imponha processo seletivo específico e diferenciado.
§ 2º - A convocação para a inscrição, de que trata o "caput" deste artigo, abrange os seguintes docentes:
1 - titulares de cargo classificados na unidade;
2 - ocupantes de função-atividade, com sede de controle de freqüência na unidade.
§ 3º - Os docentes que estejam afastados a qualquer título, em especial os licenciados, deverão ser convocados formalmente para efetuar sua inscrição ou se fazer legalmente representar para este fim e também, se necessário, para a atribuição de classe e/ou aulas do processo inicial.
§ 4º - Os titulares de cargo removidos por concurso e os removidos "ex officio" ou transferidos, em decorrência de municipalização da unidade de origem ou por qualquer outro motivo legal, antes do início do processo de atribuição, deverão ter sua inscrição remetida à unidade escolar de destino, da mesma ou de outra Diretoria de Ensino, conforme o caso, para fins de classificação no processo.
§ 5º - O docente readaptado deverá ser convocado através da unidade de classificação de seu cargo, ou da sede de controle de freqüência da função-atividade, apenas para fins de inscrição e classificação, sendo-lhe vedada a atribuição de classe ou de aulas, em todo o processo, enquanto não publicada a cessação da readaptação.
§ 6º - O titular de cargo que pretenda exercer a docência em unidade escolar diversa, sediada em qualquer município, mediante designação nos termos do artigo 22 da Lei Complementar n° 444/85, poderá se inscrever para este fim, indicando qualquer Diretoria de Ensino, no ato de inscrição regular na unidade de origem.
§ 7º - Poderão fazer inscrições, tanto na Unidade Escolar, quanto na Diretoria de Ensino, conforme o caso, não apenas os docentes ou candidatos devidamente habilitados, nos termos do “caput” do artigo 12 desta resolução, mas também os que possuem qualificação nos termos do § 1º do mesmo artigo, quais sejam, os portadores de diploma de licenciatura curta, os alunos do último ano de cursos regulares de licenciatura plena, na disciplina específica dessa licenciatura, e os bacharéis ou tecnólogos de nível superior, observadas, em relação à inscrição na unidade escolar, as condições previstas no § 2º deste artigo.
§ 8º - Estão abrangidos pelo disposto no parágrafo anterior, os docentes e candidatos à admissão habilitados para o campo de atuação referente a classes e salas de recursos da Educação Especial, nos termos do “caput” do artigo 17 desta resolução, e também os que possuam as qualificações previstas no § 1º do mesmo artigo.
§ 9º - As inscrições dos ocupantes de função-atividade, inclusive dos estáveis e celetistas, efetuadas na unidade escolar, deverão ser remetidas à Diretoria de Ensino de jurisdição da unidade, ou àquela de escolha do servidor que pretenda mudar de Diretoria de Ensino, para fins de participação no processo.
§ 10 - Além das inscrições previstas nos parágrafos 7º e 8º deste artigo, também poderão fazer inscrição, exclusivamente em nível de uma única Diretoria de Ensino, para participar do processo inicial de atribuição, os portadores dos requisitos de qualificação previstos no § 2º do artigo 12 e no § 2º do artigo 17, ambos desta resolução.
§ 11 - Os candidatos à admissão, com qualquer habilitação/qualificação, farão inscrição somente na Diretoria de Ensino de sua opção, sendo que os novos, nunca antes admitidos na rede pública estadual, deverão ser previamente inseridos e qualificados no Cadastro de Qualificação de Docentes (PAEF/PAEC) da Secretaria da Educação.
Artigo 5º - O cadastro de qualificação de cada docente deverá ser revisto e atualizado anualmente pelo Diretor de Escola, na seguinte conformidade:
I - em caráter obrigatório, antes da abertura do período de inscrições relativo ao processo informatizado de atribuição de classes e aulas, para conferência regular das habilitações e qualificações registradas, mediante análise criteriosa dos títulos e dos históricos dos cursos que lhes sejam correspondentes, implicando a manutenção, exclusão ou inclusão de disciplinas, à vista das matrizes curriculares em vigor na rede estadual de ensino, ou
II - a qualquer tempo, para registro de novas habilitações, que o professor tenha adquirido durante o ano, ou para acertos, verificação de legitimidade e correções, de modo geral, sob pena de responsabilidade.
Artigo 6º - As opções, a que se reporta o "caput" do artigo 4º desta resolução, serão efetuadas apenas no momento da inscrição, ficando expressamente vedada qualquer alteração durante a atribuição no processo inicial ou no decorrer do ano, em especial se relativa à Jornada de Trabalho Docente, mas sendo facultadas ao titular de cargo, no processo inicial, exclusivamente as possibilidades de:
I - na opção por redução da Jornada Básica - retratar-se da opção, antes de concretizar sua constituição em nível de Unidade Escolar;
II - na opção por manutenção da Jornada Básica - não havendo condições para constituição na própria escola, mas já tendo aulas atribuídas, na quantidade correspondente à da Jornada Inicial, retratar-se definitivamente da opção, a fim de evitar a atribuição em nível de Diretoria de Ensino;
III - na opção por ampliação da Jornada Inicial - não havendo condições para ampliação na Unidade Escolar, retratar-se da opção em nível de Diretoria de Ensino, mas mantendo-a válida na Unidade Escolar, para possível ampliação no decorrer do ano.
Parágrafo único - A opção por ampliação de jornada, que não registre precedente de retratação, terá validade de atendimento até a data-limite de 30 de novembro do ano letivo de referência.

SEÇÃO III
Da Classificação
Artigo 7º - Os docentes inscritos para o processo de atribuição de classes e aulas serão classificados, em nível de Unidade Escolar e/ou de Diretoria de Ensino, com observância ao campo de atuação indicado nas respectivas inscrições, na seguinte ordem de prioridade:
I - titulares de cargo, no próprio campo de atuação;
II - titulares de cargo, em campo de atuação diverso;
III - docentes estáveis;
IV - docentes celetistas;
V - demais ocupantes de função-atividade e candidatos à admissão.
Artigo 8º - Os titulares de cargo serão classificados, na unidade escolar, observado o campo de atuação referente às classes ou às aulas a serem atribuídas, na seguinte conformidade:
I - quanto à situação funcional:
a) titulares de cargo nomeados por concurso público;
b) titulares de cargo destinado;
c) demais titulares de cargo, em outro campo de atuação.
II - quanto à habilitação:
a) na disciplina específica do cargo;
b) nas disciplinas não específicas da licenciatura do cargo,
c) em disciplinas decorrentes de outra(s) licenciatura(s) plena(s).
III - quanto ao tempo de serviço, no campo de atuação da inscrição, com a seguinte pontuação e limites:
a) na Unidade Escolar: 0,001 por dia, até no máximo 10 pontos;
b) no Cargo: 0,005 por dia, até no máximo 50 pontos;
c) no Magistério Público Oficial da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo: 0,001 por dia, até no máximo 20 pontos.
IV - quanto aos títulos, observado o campo de atuação da inscrição, com a seguinte pontuação para:
a) certificado de aprovação em concurso público, relativo ao provimento do cargo de que é titular: 10 pontos;
b) certificado(s) de aprovação em outro(s) concurso(s) de provas e títulos da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, no mesmo campo de atuação da inscrição, ainda que de outra(s) disciplina(s), desde que comprove atendimento à habilitação prevista no Edital do(s) concurso(s) para essa(s) outra(s) disciplina(s): 1 ponto por certificado, até no máximo 5 pontos;
c) diploma de Mestre, correlato e intrínseco à disciplina do cargo de que é titular ou à disciplina Educação, na área de Magistério: 5 pontos, e
d) diploma de Doutor, correlato e intrínseco à disciplina do cargo de que é titular ou à disciplina Educação, na área de Magistério: 10 pontos.
§ 1º - O título de Mestre ou de Doutor correlato à disciplina Educação, na área de Magistério, poderá ser considerado em qualquer campo de atuação docente e mesmo em mais de um, quando em regime de acumulação.
§ 2º - O docente que acumula cargos no mesmo campo de atuação, poderá ter considerado, na pontuação prevista na alínea "b" do inciso IV deste artigo, o certificado de aprovação em concurso de um cargo para fins de classificação no outro, e vice-versa.
§ 3º - A classificação dos titulares de cargo inscritos para designação nos termos do artigo 22 da Lei Complementar nº 444/85 dar-se-á em nível da Diretoria de Ensino indicada na inscrição, entre seus pares da mesma classe docente.
§ 4º - A contagem do tempo de serviço do docente efetivo, na Unidade Escolar e também no Magistério Público Oficial, incluirá os períodos trabalhados em funções-atividade anteriores ao ingresso, desde que exercidos no próprio campo de atuação do docente.
§ 5º - Os titulares de cargo inscritos para carga suplementar de trabalho em outro campo de atuação serão classificados de forma diversa da utilizada na classificação relativa ao cargo, devendo ser considerado, para este fim, apenas o tempo de serviço e os títulos referentes unicamente ao campo de atuação da carga suplementar, sendo excluídas as pontuações referentes às alíneas "b" do inciso III e "a" do inciso IV, ambos deste artigo.
§ 6º - O tempo de serviço do titular de cargo de Professor Educação Básica I ou de Professor Educação Básica II - Educação Especial, quando trabalhado com aulas do Ciclo II do Ensino Fundamental, compondo a respectiva Jornada de Trabalho Docente, ficará caracterizado como tempo de serviço no próprio campo de atuação, não podendo ser considerado na classificação relativa à carga suplementar de trabalho, de que trata o parágrafo anterior.
§ 7º - Para fins de classificação em nível de Diretoria de Ensino, destinada a qualquer etapa do processo inicial, e também às atribuições do decorrer do ano, neste nível, será sempre desconsiderada a pontuação referente ao tempo de serviço prestado na Unidade Escolar.
§ 8º - O tempo de serviço do docente, trabalhado em afastamentos a qualquer título, desde que autorizados sem prejuízo de vencimentos, inclusive o tempo de serviço na condição de readaptado, será computado regularmente para fins de classificação no processo de atribuição de classes e aulas, no cargo, no magistério e mesmo na unidade escolar, quando for o caso.
§ 9º - Para a pontuação de que trata a alínea "a" do inciso III deste artigo, não será considerado o tempo de serviço trabalhado fora da Unidade Escolar, em designações, nomeações, readaptações e outros afastamentos, a qualquer título, exceto o exercido em órgãos centrais da Pasta ou nas Diretorias de Ensino e Oficinas Pedagógicas, ou ainda junto aos convênios do Programa de Parceria Educacional Estado-Município.
§ 10 - Não será considerado, para fins de classificação do docente aposentado, o tempo de serviço, em qualquer campo de atuação, prestado até a data da aposentadoria.
§ 11 - Na contagem de tempo de serviço, de que trata o inciso III deste artigo, que deverá ser refeita integralmente a cada ano, serão utilizados os mesmos critérios e deduções que se aplicam para concessão de Adicional por Tempo de Serviço, sendo que a data-limite da contagem de tempo é sempre 30 de junho do ano precedente ao de referência.
§ 12 - Em casos de empate de pontuação na classificação dos inscritos, o desempate deverá se efetuar na seguinte ordem de prioridade:
1 - pelo maior tempo de Magistério Público Oficial da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo;
2 - por encargos de família (maior número de dependentes);
3 - pela maior idade.
Artigo 9º - A classificação dos docentes estáveis e celetistas, bem como a dos demais ocupantes de função-atividade e dos candidatos à admissão, observado o campo de atuação da inscrição, dar-se-á por situação funcional, em lista única, sem distinção entre as disciplinas decorrentes das respectivas licenciaturas, e também por tempo de serviço e por títulos, conforme segue:
I - quanto à situação funcional:
a) docentes estáveis;
b) docentes celetistas;
c) ocupantes de função-atividade e candidatos à admissão.
II - quanto ao tempo de serviço, no campo de atuação da inscrição, com a seguinte pontuação e limites:
a) na Unidade Escolar: 0,001 por dia, até no máximo 10 pontos;
b) na Função: 0,005 por dia, até no máximo 50 pontos;
c) no Magistério Público Oficial da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo: 0,001 por dia, até no máximo 20 pontos.
III - quanto aos títulos, no campo de atuação da inscrição, com a seguinte pontuação para:
a) certificado(s) de aprovação em concurso(s) de provas e títulos desta Secretaria da Educação, referente(s) ao mesmo campo de atuação da inscrição, desde que comprove atendimento à habilitação exigida no Edital do(s) concurso(s) para o campo de atuação (Ciclo I/EF) ou para a área de necessidade especial (Educação Especial) ou para a disciplina (EF/EM), conforme o caso: 1 ponto por certificado, até 5 pontos;
b) diploma de Mestre, correlato e intrínseco à disciplina para a qual é habilitado/qualificado ou à disciplina Educação, na área de Magistério: 5 pontos, ec) diploma de Doutor, correlato e intrínseco à disciplina para a qual é habilitado/qualificado ou à disciplina Educação, na área de Magistério: 10 pontos.
§ 1º - Com exceção do que dispõem os §§ 2º "usque" 6º do artigo anterior, aplicam-se analogamente, na classificação de que trata este artigo, as mesmas disposições relativas à classificação dos titulares de cargo.
§ 2º - Os tempos de serviço trabalhados pelo docente em campos de atuação distintos, por corresponderem a funções-atividade passíveis de acumulação, deverão ser sempre computados isoladamente, para todos os fins, independentemente de o docente pretender ou não acumular funções.
§ 3º - O tempo de serviço do docente que tenha sido indenizado, através de programas de demissão voluntária (PDV), poderá ser considerado para fins de classificação, observado o campo de atuação.
§ 4º - O tempo de serviço, trabalhado na condição de titular de cargo do qual o docente tenha se exonerado, não poderá ser considerado nos termos da alínea "b" do inciso II deste artigo ou, se for o caso, da alínea "b" do inciso III do artigo anterior.
§ 5º - A classificação dos ocupantes de função-atividade e dos candidatos à admissão, prevista na alínea "c" do inciso I deste artigo, em nível de Diretoria de Ensino, será sempre conjunta.
§ 6º - O disposto no parágrafo anterior abrange também o docente estável ou celetista, quando inscrito para atuar em regime de acumulação de funções, em campo de atuação diverso daquele em que adquiriu sua estabilidade.

SEÇÃO IV
Da Atribuição

Artigo 10 - A atribuição de classes e de aulas, no processo inicial, aos docentes inscritos e classificados nos distintos campos de atuação, consideradas as Fases 1 e 2, de Unidade Escolar e de Diretoria de Ensino, respectivamente, obedecerá a seguinte ordem seqüencial:
I - Fase 1 - de Unidade Escolar - Titulares de cargo para Constituição de Jornada de Trabalho
a) dos classificados na unidade escolar;
b) dos removidos "ex officio" com opção de retorno.
II - Fase 2 - de Diretoria de Ensino - Titulares de cargo para:
a) Constituição de Jornada de Trabalho, na seguinte ordem:
a.1 - a docentes não totalmente atendidos na Fase 1;
a.2 - em caráter obrigatório a docentes adidos e excedentes.
b) Composição de Jornada Inicial de Trabalho, a docentes parcialmente atendidos na constituição e a docentes adidos, nesta ordem, observada a seguinte prioridade de atribuição:
b.1 - em caráter obrigatório, com classe ou aulas em substituição, ou mesmo livres, se em escolas vinculadas ou provisórias, no respectivo campo de atuação e/ou na disciplina específica do cargo, sendo que no caso de adidos, sem descaracterizar esta condição;
b.2 - com aulas, livres ou em substituição, de disciplinas não específicas da licenciatura do cargo, ou de disciplinas decorrentes de outra(s) licenciatura(s) plena(s) que possua, ao titular de cargo de PEB-II, sem descaracterizar a condição de adido, se for o caso;
b.3 - com aulas, livres ou em substituição, de disciplinas nas quais possua licenciatura plena, ao titular de cargo de PEB I ou de PEB II - Educação Especial, sem descaracterizar a condição de adido.
III - Fase 1 - de Unidade Escolar - Titulares de cargo para: Ampliação de Jornada de Trabalho.
IV - Fase 2 - de Diretoria de Ensino - Titulares de cargo para: Ampliação de Jornada de Trabalho, não atendida na Fase 1.
V - Fase 1 - de Unidade Escolar - Titulares de cargo para:
a) Carga Suplementar de Trabalho;
b) Carga Suplementar de Trabalho, em outro campo de atuação.
VI - Fase 2 - de Diretoria de Ensino - Titulares de cargo para:
a) Carga Suplementar de Trabalho, não atendida na Fase 1;
b) Carga Suplementar, em outro campo de atuação, não atendida na Fase 1.
VII - Fase 2 - de Diretoria de Ensino - Titulares de cargo para: Designação, nos termos do artigo 22 da Lei Complementar n° 444/85.
VIII - Fase 2 - de Diretoria de Ensino - Ocupantes de função-atividade e candidatos à admissão para atribuição de carga horária, na seguinte conformidade:
a) docentes estáveis;
b) docentes celetistas;
c) demais ocupantes de função-atividade/candidatos à admissão.
§ 1º - A atribuição de aulas aos candidatos à admissão e aos ocupantes de função-atividade, inclusive aos docentes estáveis e celetistas, deverá se dar, no mínimo, pela carga horária correspondente à da Jornada Inicial de Trabalho, desde que composta integralmente em uma única escola, ou em mais de uma, se houver compatibilidade de horários e de distâncias entre as unidades.
§ 2º - As classes de 1ª e 2ª séries do Ciclo I do Ensino Fundamental, respeitada a classificação dos inscritos, deverão ser atribuídas preferencialmente a docentes que comprovem participação no Programa de Formação para Professores Alfabetizadores promovido por esta Secretaria da Educação (“Letra e Vida”) ou por Secretarias Municipais de Educação do Estado de São Paulo (“PROFA”).
§ 3º - A composição de jornada com classe ou aulas em substituição, prevista na alínea "b" do inciso II deste artigo, somente será efetuada ao docente adido ou com jornada parcialmente constituída, se este for efetivamente assumi-la ou ministrá-las, não podendo se encontrar em afastamento de qualquer espécie.
§ 4º - A atribuição de aulas ao Professor Educação Básica II, em nível de Unidade Escolar ou de Diretoria de Ensino, para completar a constituição da jornada em que se encontre incluído, quando esgotadas as aulas da disciplina específica do cargo, poderá se dar com aulas livres das disciplinas não específicas da mesma licenciatura, porém sempre após atendimento aos titulares de cargo dessas disciplinas, nas respectivas jornadas.
§ 5º - A ampliação da jornada de trabalho do Professor Educação Básica II far-se-á exclusivamente com aulas livres da disciplina específica do cargo ou com as respectivas disciplinas afins, somente podendo ocorrer a ampliação, inclusive para o Professor Educação Básica I e para o Professor Educação Básica II de Educação Especial, com a efetiva assunção do seu exercício em sala de aula, exceto quando o docente se encontrar em afastamento junto ao convênio de Parceria Educacional Estado-Município ou junto aos órgãos centrais da Pasta, Diretorias de Ensino e Oficinas Pedagógicas, situações em que a jornada será ampliada no momento da atribuição.
§ 6º - A jornada de trabalho do docente somente poderá ser ampliada com classe ou aulas do ensino regular, vedada a ampliação com aulas de Educação de Jovens e Adultos - E.J.A., com turmas de Atividades Curriculares Desportivas, com classes ou aulas que se constituam projetos da Pasta e outras modalidades de ensino, ou ainda com classes ou aulas de escolas vinculadas ou provisórias.
§ 7º - As classes ou as aulas atribuídas para constituição das jornadas de trabalho de titulares de cargo, que se encontrem em afastamento já concretizado antes do início do processo, estarão disponíveis para atribuição a partir da etapa de composição de jornada de trabalho, prevista na alínea "b" do inciso II deste artigo, em nível de Diretoria de Ensino (Fase 2), e, na seqüência, para carga suplementar (Fases 1 e 2), designações pelo artigo 22 da Lei Complementar nº 444/85 e para carga horária do ocupante de função-atividade ou do candidato à admissão.
§ 8º - Os titulares de cargo que já se encontrem, ou que estarão, em afastamento nos termos do convênio de Parceria Educacional Estado-Município poderão, no processo inicial e também durante o ano, ter aulas atribuídas a título de carga suplementar de trabalho, na rede pública estadual, somente se forem efetivamente ministrá-las.
§ 9º - As classes e/ou as aulas em substituição a titulares de cargo ou a ocupantes de função-atividade, atribuídas a outro professor, que também se encontre em afastamento, já concretizado antes do início do processo, somente poderão ser atribuídas neste período a docente que venha efetivamente a assumi-las e/ou ministrá-las, ficando expressamente vedada a atribuição de substituições seqüenciais no processo inicial.
§ 10 - As aulas das disciplinas de Educação Física e de Educação Artística do Ciclo I do Ensino Fundamental, a serem ministradas por docente especialista, nos termos da legislação específica, poderão ser atribuídas a docentes titulares de cargo, para constituição e ampliação de jornada, bem como para carga suplementar de trabalho, e também a docentes ocupantes de função-atividade e a candidatos à admissão, para compor carga horária, desde que habilitados/qualificados nessas disciplinas, em conformidade com o disposto nos §§ 4º e 6º do artigo 12 desta resolução.
§ 11 - Para o candidato à admissão, com aulas atribuídas em mais de uma unidade escolar, deverá ser fixada como sede de controle de freqüência (SCF), por todo o ano letivo, a unidade em que tenha obtido a maior quantidade de aulas atribuídas, desde que esta quantidade não consista exclusivamente de aulas de projetos da Pasta e/ou de outras modalidades de ensino, somente podendo ser mudada a sede se o docente, durante o ano, vier a perder a totalidade das aulas anteriormente atribuídas nessa unidade.
§ 12 - O aumento de carga horária, resultante da atribuição no processo inicial, e mesmo durante o ano, ao docente titular de cargo ou ocupante de função-atividade que se encontre ou venha a estar, no dia imediato ao da atribuição, em licença ou afastamento a qualquer título, somente será concretizado, para todos os fins, na efetiva assunção de seu exercício.
§ 13 - A redução da carga horária do docente, inclusive do titular de cargo, mesmo com relação à jornada, resultante da atribuição de carga horária menor, no processo inicial, ou da perda de classe ou de aulas durante o ano, será concretizada de imediato à ocorrência, independentemente de o docente se encontrar, no momento, em exercício ou afastado a qualquer título.
§ 14 – O processo inicial de atribuição de classes e aulas consiste de 3 (três) etapas seqüenciais, quais sejam: a Etapa Preliminar, a Intermediária e a Complementar, que se distinguem, entre si, pelos tipos de atribuição referentes à ordem de prioridade das habilitações e das qualificações profissionais docentes.
§ 15 - As classes do Ciclo I do Ensino Fundamental e as classes/salas de recurso da Educação Especial, bem como as aulas dos Ensinos Fundamental e Médio atribuídas aos titulares de cargo, na Etapa Preliminar do processo inicial, e que tenham sido liberadas neste período, em virtude de readaptações, aposentadorias, falecimento ou exonerações, estarão disponíveis para atribuição apenas na Unidade Escolar de origem (Fase 1), exclusivamente para constituição de jornada dos titulares de cargo da unidade, devendo ocorrer, já caracterizada como atribuição durante o ano, paralela ao processo inicial, no momento da Fase 2 referente ao inciso VIII deste artigo.
§ 16 - As classes, as aulas e as classes/salas de recurso livres que remanescerem da atribuição prevista no parágrafo anterior, assim como as que surgirem em substituição, decorrentes de afastamentos, a qualquer título, iniciados nesse período, ficarão bloqueadas na Unidade Escolar de origem, até a ocasião da atribuição geral que se realizará na Etapa Complementar do processo inicial, em nível de Diretoria de Ensino (Fase 2), após a atribuição referente à Etapa Intermediária, que se fará apenas com as aulas e as classes/salas de recurso remanescentes da Etapa Preliminar, nas respectivas unidades escolares de origem (Fase 1) e também na Diretoria de Ensino (Fase 2).
§ 17 – Com relação à habilitação e à qualificação dos docentes e candidatos à admissão inscritos para o processo inicial de atribuição, nos campos de atuação referentes a aulas dos Ensinos Fundamental e Médio e a classes/salas de recurso da Educação Especial, deverá ser observada a seguinte de ordem de prioridade:
1 - na Etapa Preliminar, Fases 1 e 2, a atribuição dar-se-á exclusivamente nos termos do "caput" do artigo 12 e do “caput” do artigo 17 desta resolução, contemplando os inscritos habilitados, de qualquer situação funcional, em todas as faixas de classificação, apenas com aulas de disciplinas decorrentes das respectivas licenciaturas plenas ou, no caso da Educação Especial, com classe ou sala de recurso da mesma área de necessidade especial da habilitação específica de suas licenciaturas.
2 - na Etapa Intermediária, a atribuição far-se-á, nas Fases 1 e 2, somente com as aulas e as classes/salas de recurso remanescentes da Etapa Preliminar, aos inscritos qualificados nos termos do § 1º do artigo 12 e do § 1º do artigo 17 desta resolução.
3 - na Etapa Complementar, a atribuição será realizada em nível de Diretoria de Ensino (Fase 2), nos termos dos artigos 12 e 17 desta resolução, incluindo-se os §§ 2º dos citados artigos, com as aulas e as classes/salas de recurso remanescentes da Etapa Intermediária e mais as aulas, as classes e as classes/salas de recurso que se encontravam bloqueadas nas unidades escolares de origem, de acordo com o disposto no § 16 deste artigo.
§ 18 – Encerrada a atribuição da Etapa Complementar do processo inicial, a Comissão de Atribuição de classes e aulas divulgará e coordenará a atribuição de vagas para admissões em caráter eventual, aos inscritos no referido processo, que tenham interesse e condições de suprir as unidades escolares com carência de professores para iniciar o ano letivo, atribuição esta, cuja admissão não caracterizará vínculo empregatício e se fará pelos Diretores de Escola, observando o campo de atuação relativo à vaga, a habilitação/qualificação dos inscritos, bem como a ordem de classificação em nível de Diretoria de Ensino.
Artigo 11 - A atribuição de classes ou de aulas ao titular de cargo, nos termos do artigo 22 da Lei Complementar n° 444/85, far-se-á exclusivamente no próprio campo de atuação do docente, sendo que a designação deverá se efetuar por período fechado, com duração mínima de 120 (cento e vinte) dias e no máximo até a data-limite de 30 de dezembro do ano da atribuição, somente podendo haver cessação em data anterior à do término do período se a mesma ocorrer por proposta do Diretor da Unidade Escolar, ouvido o Conselho de Escola e assegurada ao docente a oportunidade de ampla defesa e contraditório.
§ 1º - A carga horária da designação, de que trata o "caput" deste artigo, deverá ser sempre maior ou igual à carga horária total atribuída ao titular de cargo em seu órgão de origem, podendo ser constituída, de acordo com o campo de atuação do designado, por classe ou por aulas, livres ou em substituição a um único docente.
§ 2º - Quando se tratar de aulas livres, a carga horária da designação do Professor Educação Básica II será constituída em uma única unidade escolar e apenas na disciplina específica do cargo, correspondendo, no mínimo, à jornada de trabalho em que esteja incluído.
§ 3º - A carga horária total do titular de cargo substituído, nos termos deste artigo, deverá ser assumida integralmente pelo docente designado, não podendo ser desmembrada, exceto na atribuição de classes do Ciclo I/EF e de classes/salas de recurso, em substituição respectivamente ao Professor Educação Básica I ou ao Professor Educação Básica II de Educação Especial, com aulas atribuídas em outro campo de atuação, a título de carga suplementar de trabalho.
§ 4º - As classes ou as aulas de titulares de cargo, que se encontrem afastados em licença-saúde, somente poderão compor a carga horária de designações em substituição, nos termos deste artigo, se já publicadas as concessões das licenças, por período não inferior a 120 (cento e vinte) dias, vedada a soma de possíveis prorrogações de licença concedida por período menor.
§ 5º - O docente designado nos termos do artigo 22 da Lei Complementar n° 444/85 não poderá participar de atribuições de classes ou aulas durante o ano, na unidade de exercício ou na Diretoria de Ensino, sendo vedado o aumento ou a recomposição da carga horária fixada na designação, enquanto a mesma perdurar.
§ 6º - Na vigência da designação de que trata este artigo, a redução da respectiva carga horária, em razão de perda parcial de aulas, que venha a ocorrer por qualquer motivo, durante o ano, implicará a imediata cessação da designação.
§ 7º - Não poderão integrar a carga horária das designações nos termos do artigo 22 da Lei Complementar nº 444/85:
1 - classes ou aulas de projetos da Pasta e outras modalidades de ensino;
2 – turmas ou aulas de cursos semestrais ou outros de menor duração, e
3 - turmas de Atividades Curriculares Desportivas.
§ 8º - Do ato de designação, além dos dados funcionais e de identificação do docente designado, deverão constar expressamente:
1 - o período fechado da designação;
2 - as unidades escolares, de origem e de destino, citados os respectivos municípios e/ou Diretorias de Ensino;
3 - a carga horária da designação, mencionada a classe atribuída ou a quantidade de aulas, discriminadas por disciplina, e
4 - os dados funcionais do docente substituído, bem como o motivo e o período de seu impedimento, nos casos de designação em substituição.
§ 9º - Poderá ser mantida a designação, nos termos do artigo 22 da Lei Complementar n° 444/85, quando o docente substituído tiver mudado o motivo da substituição, desde que não haja interrupção entre seus afastamentos nem alteração de carga horária, ou quando ocorrer a vacância do cargo, desde que não cause qualquer prejuízo aos demais titulares de cargo da unidade escolar e da Diretoria de Ensino.
§ 10 - A vigência da designação de que trata este artigo terá início no primeiro dia letivo do ano, ficando vedada, portanto, a atribuição de classe ou aulas, para este fim, ao titular de cargo que se encontre afastado, a qualquer título, devendo também ser anulada a atribuição do docente que não comparecer à unidade escolar da designação, no primeiro dia de sua vigência.
§ 11 - O exercício do docente na unidade de destino, com a carga horária da designação de que trata este artigo, no primeiro dia letivo do ano, concretizará, no mesmo momento, a carga horária total que teve atribuída na unidade de origem, para todos os fins e efeitos, exceto para ampliação de jornada.
§ 12 - A carga horária do docente designado nos termos deste artigo não poderá ser atribuída seqüencialmente em outra designação, devendo ficar bloqueada, em sua unidade de origem, de acordo com o disposto no § 15 do artigo 10 desta resolução.
§ 13 - O titular de cargo, designado nos termos do artigo 22 da Lei Complementar n° 444/85, não poderá desistir da designação para reassumir o exercício do cargo de origem, antes do término do prazo de 120 dias, previsto no “caput” deste artigo, e tampouco poderá se afastar, exceto nos casos de licença-prêmio, de licença à gestante ou de licença-saúde.
Artigo 12 - A atribuição de aulas de disciplinas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, em nível de Unidade Escolar e de Diretoria de Ensino, tanto no processo inicial, quanto durante o ano, far-se-á aos inscritos devidamente habilitados, portadores de diploma de licenciatura plena na disciplina a ser atribuída, seja como habilitação específica ou como não específica desta licenciatura.
§ 1º - Esgotadas as possibilidades de atribuição nos termos do "caput" deste artigo, as aulas que remanescerem poderão ser atribuídas conforme segue:
1 - aos portadores de diploma de licenciatura curta, apenas nas disciplinas decorrentes desta licenciatura e exclusivamente no Ensino Fundamental;
2 - a alunos de último ano de curso regular de licenciatura plena, somente na disciplina específica desta licenciatura;
3 - a portadores de diploma de bacharel ou de tecnólogo de nível superior, desde que na área da disciplina a ser atribuída, identificada pelo histórico do curso.
§ 2º - Se ainda comprovada a necessidade, poderá haver, exclusivamente em nível de Diretoria de Ensino, atribuição de aulas na seguinte conformidade:
1 - a portadores de diploma de licenciatura plena em disciplina diversa, desde que da área da disciplina a ser atribuída, identificada pelo histórico do curso;
2 - a alunos de curso regular de licenciatura plena, na disciplina específica da licenciatura, que já tenham cumprido, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento) do curso;
3 - a alunos do último ano de curso de bacharelado ou de tecnologia de nível superior, desde que da área da disciplina a ser atribuída, identificada pelo histórico do curso;
4 - a alunos de curso regular de licenciatura plena, na disciplina específica, ou de cursos de bacharelado/tecnologia de nível superior, na área da disciplina, que se encontrem em qualquer semestre do curso.
§ 3º - Os alunos, a que se referem os parágrafos anteriores, deverão comprovar, no momento da inscrição e de cada atribuição durante o ano, matrícula para o respectivo curso, bem como a efetiva freqüência, no semestre correspondente, mediante documentos (atestado/declaração) expedidos pela instituição de ensino superior que estiver fornecendo o curso.
§ 4º - Na atribuição de aulas da disciplina de Educação Física, dos Ciclos I e II do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, em observância à Lei nº 11.361/2003, não poderão ser aplicadas as disposições dos §§ 1º e 2º deste artigo.
§ 5º - Na atribuição de aulas da disciplina de Educação Artística, poderá ser acrescentada, ao disposto no § 2º deste artigo, a qualificação do portador de diploma de licenciatura plena que comprove possuir requisitos mínimos para a disciplina, como certificados de cursos de artes de qualquer modalidade e/ou experiência profissional e proficiência em atividades artísticas.
§ 6º - Excetuam-se do disposto no parágrafo anterior as aulas de Educação Artística do Ciclo I do Ensino Fundamental, para as quais somente poderá haver atribuição nos termos do "caput" e do § 1º, itens 1 e 2, deste artigo.
§ 7º - O candidato à admissão devidamente inscrito no processo, mas que não possua habilitação para a disciplina cujas aulas estejam sendo atribuídas ou tampouco qualquer das qualificações previstas nos parágrafos 1º e 2º deste artigo, será admitido a título eventual, até que se apresente candidato habilitado ou, no mínimo, qualificado nos termos dos citados parágrafos, para o qual perderá as referidas aulas.
Artigo 13 - A identificação da área da disciplina, a que se condicionam as atribuições de aulas aos não habilitados, ou habilitados em disciplina diversa, previstas nesta resolução, deverá se processar através de análise ao histórico dos cursos, que apresentem, no mínimo, o somatório de 160 (cento e sessenta) horas de estudos de disciplinas afins (conteúdos) da disciplina que será atribuída.
§ 1º - As disciplinas integrantes das atuais matrizes curriculares da Secretaria da Educação, cujas áreas tenham sido identificadas no histórico do curso, conforme estabelece o "caput" deste artigo, deverão ser objeto de registro (inclusão) no cadastro de qualificação do docente (PAEF/PAEC), a título de disciplinas correlatas.
§ 2º - O diploma e o histórico do curso de bacharelado ou de tecnologia de nível superior, cuja apresentação é obrigatória para o registro da habilitação específica, no cadastro de qualificação do portador de certificado de licenciatura plena, obtido nos termos da Resolução CNE nº 02/1997 ou da Portaria Ministerial nº 432/71 (Esquema I), também se prestarão à identificação de disciplinas correlatas, conforme dispõem o "caput" deste artigo e o parágrafo anterior, para fins da atribuição prevista no § 1º, item 3, do artigo 12 desta resolução.
Artigo 14 - A atribuição de aulas dos cursos de Educação de Jovens e Adultos - E.J.A. far-se-á juntamente com as aulas do ensino regular, observados os mesmos critérios de habilitação e de qualificação docentes, e deverá, em razão da semestralidade do curso, realizar-se em dois momentos distintos: um, precedente ao primeiro termo, no processo inicial, e o outro, ao início do segundo termo, caracterizada como atribuição durante o ano, podendo ser atribuídas aulas, em qualquer desses momentos e em quaisquer quantidades, para constituição de jornada de trabalho dos titulares de cargo.
Parágrafo único - Para fins de reconhecimento de vínculo junto à unidade escolar, em termos de classificação, assim como para efeitos de dispensa ou de redução de carga horária do docente com aulas atribuídas no curso de Educação de Jovens e Adultos, considera-se como término do primeiro termo do curso, o primeiro dia letivo do segundo termo.
Artigo 15 - As aulas do Ensino Religioso serão atribuídas exclusivamente aos inscritos habilitados, portadores de diploma de licenciatura plena em Filosofia, ou em História, ou em Ciências Sociais, caracterizadas como de disciplina não específica destas licenciaturas, para carga suplementar do titular de cargo e para carga horária do ocupante de função-atividade ou do candidato à admissão, o que poderá ocorrer a partir do processo inicial, se essas aulas já se encontrarem devidamente homologadas pela Diretoria de Ensino a essa ocasião.
Artigo 16 - As turmas de Atividades Curriculares Desportivas, com carga horária semanal de, no mínimo, 2 (duas) e no máximo 3 (três) horas de duração por turma, deverão ser atribuídas a docentes devidamente habilitados, portadores de diploma de licenciatura plena em Educação Física, observando-se que, tanto no processo inicial, se já homologadas pela Diretoria de Ensino, quanto durante o ano, após homologação, a atribuição far-se-á preferencialmente aos titulares de cargo da Unidade Escolar, a título de carga suplementar de trabalho.
§ 1º - As turmas de Atividades Curriculares Desportivas poderão também, se necessário, completar a constituição da jornada de trabalho do titular de cargo da disciplina de Educação Física, na proporção de 2 (duas) turmas para a Jornada Inicial e de 3 (três) turmas para a Jornada Básica.
§ 2º - Esgotadas as possibilidades de atribuição aos titulares de cargo, em nível de Unidade Escolar e também de Diretoria de Ensino, as turmas de Atividades Curriculares Desportivas, que remanescerem, poderão ser atribuídas, regularmente, aos demais docentes devidamente habilitados.
§ 3º – Observada a situação peculiar de cada região, à vista da restrição contida no § 4º do artigo 12 desta resolução, a homologação, a atribuição e mesmo a manutenção de turmas de Atividades Curriculares Desportivas estarão condicionadas à atribuição de aulas da disciplina de Educação Física, do ensino regular, que deverão ser esgotadas, em nível de unidade escolar e também de Diretoria de Ensino, prioritariamente, em face de sua obrigatoriedade.
Artigo 17 - As aulas do Serviço de Apoio Pedagógico Especializado - SAPE, desenvolvidas em salas de recurso e classes especiais, deverão ser atribuídas aos inscritos devidamente habilitados, portadores de diploma de licenciatura plena em Pedagogia com habilitação específica na área de necessidade especial das referidas aulas.
§ 1º - Constatada a ausência de portadores da habilitação prevista no "caput" deste artigo, as aulas do SAPE poderão ser atribuídas, na seguinte ordem de prioridade de qualificações:
1 - a alunos de último ano de curso regular da licenciatura de que trata o "caput" deste artigo, observada a habilitação específica que esteja sendo cursada;
2 - a portadores de diploma de licenciatura plena, com curso de pós-graduação "strictu senso" na área de necessidade especial das aulas;
3 - a portadores de diploma de licenciatura plena em Pedagogia, com certificado de curso de especialização, aperfeiçoamento ou extensão cultural, específico na área de necessidade das aulas, de no mínimo 120 (cento e vinte) horas;
4 - a portadores de diploma de licenciatura plena, com certificado de curso de especialização, aperfeiçoamento ou extensão cultural, específico na área de necessidade das aulas, de no mínimo 120 (cento e vinte) horas;
5 - a portadores de diploma de nível médio com habilitação em Magistério e de certificado de curso de especialização, aperfeiçoamento ou extensão cultural específico na área de necessidade das aulas, de no mínimo 120 (cento e vinte) horas.
§ 2º - Esgotadas as possibilidades de atribuição nos termos do "caput" deste artigo e também do parágrafo anterior, as aulas do SAPE poderão ainda ser atribuídas, na seguinte conformidade:
1 - a alunos de curso regular da licenciatura de que trata o "caput" deste artigo, que já tenham cumprido, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento) do curso, observada a habilitação específica que esteja sendo cursada;
2 - a portadores de diploma de licenciatura plena em Pedagogia, com certificado de curso de treinamento fornecido por órgão especializado, de notória idoneidade, específico na área de necessidade das aulas;
3 - a portadores de diploma de licenciatura plena, com certificado de curso de treinamento fornecido por órgão especializado, de notória idoneidade, específico na área de necessidade das aulas;
4 - a portadores de diploma de nível médio com habilitação em Magistério e certificado de curso de treinamento fornecido por órgão especializado, de notória idoneidade, específico na área de necessidade das aulas;
5 - a portadores de diploma de licenciatura ou de diploma de nível médio com habilitação em Magistério, prioritariamente nessa ordem, que comprovem experiência docente de, no mínimo, 3 (três) anos em instituições especializadas, de notória idoneidade, com atuação exclusiva em educação especial, na área de necessidade das aulas.
§ 3º - Em qualquer um dos níveis de habilitação/qualificação previstos neste artigo, inclusive para fins de composição de jornada de titulares de cargo, fica expressamente vedada a atribuição de aulas do SAPE em área de necessidade especial diversa daquela que caracterize a formação do professor.
§ 4º - As aulas do SAPE, estruturadas nos termos da legislação própria, poderão ser atribuídas regularmente para constituição de jornada de trabalho dos titulares de cargo, observadas as respectivas áreas de educação especial e a habilitação específica do docente.
§ 5º - Não poderá ser considerada, para fins da atribuição de que trata este artigo, a formação profissional decorrente de cursos de qualquer espécie e/ou nível, que se caracterizem como "latu senso" ou que versem sobre múltiplas áreas de necessidade especial, sem o devido aprofundamento em habilitação ou qualificação específica, assim definida em registro no respectivo diploma ou certificado.
§ 6º - Na Etapa Preliminar do processo inicial (Fases 1 e 2), as aulas do SAPE deverão ser atribuídas exclusivamente aos inscritos devidamente habilitados, nos termos do "caput" deste artigo, sendo que a atribuição nos termos do § 1º somente poderá ocorrer a partir da Etapa Intermediária (Fases 1 e 2), observado o disposto nos §§ 15 e 16 do artigo 10 deste resolução, devendo se realizar a atribuição nos termos do § 2º somente a partir da Etapa Complementar, em nível de Diretoria de Ensino (Fase 2), e sempre neste nível.
Artigo 18 - Para a atribuição de classes, turmas ou aulas de projetos da Pasta ou de outras modalidades de ensino, que exigem perfil diferenciado e/ou processo seletivo específico, deverão ser observadas as disposições contidas na legislação que trata especialmente dessa atribuição.
Parágrafo único - O vínculo do docente, quando constituído exclusivamente com classe, com turmas ou com aulas de que trata este artigo, não será considerado para fins de classificação no processo regular de atribuição de classes e aulas.

SEÇÃO V
Do Cadastramento

Artigo 19 - Encerradas as etapas de atribuição de classes e aulas do processo inicial, o Dirigente Regional de Ensino dará início ao cadastramento de docentes e candidatos à admissão, que terá prazo de 3 (três) dias úteis consecutivos, a serem fixados por Portaria do Departamento de Recursos Humanos, e terá validade por todo o ano letivo.
§ 1º - O ocupante de função-atividade, estável ou não, e o candidato à admissão poderão se cadastrar, por campo de atuação, em diferentes Diretorias de Ensino.
§ 2º - O docente titular de cargo poderá se cadastrar em outra Diretoria de Ensino, apenas para atribuição de carga suplementar de trabalho.
§ 3º - A Diretoria de Ensino, com base nas peculiaridades de sua região, poderá suprimir o cadastramento para determinada disciplina, ou para tipo(s) de qualificação, nos termos do § 2º dos artigos 12 e 17 desta resolução, ou ainda para campo de atuação, que já se encontre com número excessivo de inscritos em reserva.
§ 4º - Ao término do período de três dias, estará encerrado o cadastramento de docentes e candidatos à admissão, que poderá ser reaberto, no decorrer do ano, pelo Dirigente Regional de Ensino, em situação de necessidade.
Artigo 20 - Os docentes, inclusive os titulares de cargo e os estáveis, assim como os candidatos à admissão, regularmente cadastrados, serão classificados em nível de Diretoria de Ensino, de acordo com o campo de atuação dos respectivos cadastramentos e na conformidade do disposto nos artigos 7º, 8º e 9º da presente resolução.
§ 1º - A classificação dos ocupantes de função-atividade e dos candidatos à admissão, discriminada apenas por campos de atuação, dar-se-á em lista única, sem distinção de vínculo funcional, conforme estabelece o disposto no § 5º do artigo 9º desta resolução, e deverá estar sendo publicada no Diário Oficial do Estado, impreterivelmente até o último dia útil do mês de março, do ano letivo de referência.
§ 2º - A publicação da classificação, de que trata o parágrafo anterior, deverá se efetuar com numeração ordinal, por organização decrescente das pontuações dos cadastrados, vedada a publicação em ordem alfabética.
§ 3º - A classificação de todos os cadastrados será referência básica e determinante em qualquer sessão de atribuição de classes e/ou de aulas, submetendo-se, no entanto, ao disposto nos artigos 12 e 17 desta resolução, que sempre serão prevalecentes.
§ 4º - Quando houver necessidade de reabertura de cadastramento, prevista no § 4º do artigo anterior, a classificação dos novos cadastrados será inserida, intercalando-se as pontuações, na classificação do cadastramento original, observando-se o campo de atuação e a correspondência das faixas de situação funcional, devendo ter, os novos cadastrados, sua classificação, com o número de ordem e respectiva pontuação, também publicada no Diário Oficial do Estado.
Artigo 21 - A primeira atribuição geral do decorrer do ano, que se fará a todos os cadastrados, devidamente classificados nos distintos campos de atuação, será realizada em nível de Diretoria de Ensino, oferecendo-se as classes e as aulas ainda remanescentes do processo inicial, assim como as que tenham surgido posteriormente e venham a remanescer de possíveis atribuições realizadas, neste período, pelas unidades escolares.
Parágrafo único - Com base na avaliação das necessidades das escolas de sua jurisdição, o Dirigente Regional de Ensino estabelecerá a data em que será realizada a atribuição geral, de que trata o "caput" deste artigo, que não deverá ultrapassar o final do mês de fevereiro do ano letivo de referência.
Artigo 22 - A atribuição de que trata o artigo anterior e também as demais atribuições que vierem a ocorrer durante o ano, em nível de Diretoria de Ensino, deverão observar a ordem de classificação dos cadastrados, por campo de atuação e por faixas de situação funcional, previstas no artigo 7º desta resolução, sempre com simultânea aplicação da ordem de prioridade dos níveis de habilitação e qualificação docentes, a serem seqüencialmente esgotados, na seguinte conformidade:
I - por habilitação, decorrente das respectivas licenciaturas plenas, em todas as faixas de situação funcional, de acordo com o disposto no "caput" dos artigos 12 e 17 desta resolução, conforme o caso.
II - por níveis de qualificação, na ordem estabelecida pelo § 1º dos referidos artigos, aplicando-se cada nível, um a um, na seqüência contínua de todas as faixas de situação funcional.
III - por níveis de qualificação, na ordem estabelecida pelo § 2º dos referidos artigos, aplicando-se cada nível, um a um, na seqüência contínua de todas as faixas de situação funcional.

SEÇÃO VI
Da Atribuição Durante o Ano

Artigo 23 - A atribuição de classes e aulas durante o ano far-se-á, em nível de Unidade Escolar, na seguinte conformidade:
I - Titulares de cargo da U.E. para:
a) constituição de jornada, ao titular que esteja com horas de permanência;
b) constituição de jornada ao adido da própria U.E.;
c) constituição de jornada, ao removido "ex officio" com opção de retorno;
d) constituição de jornada, que esteja sendo completada em outra U.E.;
e) ampliação de jornada;
f) composição obrigatória de jornada, com classe ou aulas em substituição.
II - Remessa à Diretoria de Ensino, de classe e/ou aulas, livres ou em substituição, para constituição ou composição de jornada dos titulares de cargo que estejam com horas de permanência ou adidos e mesmo para ampliação de jornada aos inscritos que tenham efetuado essa opção.
III - Titulares de cargo da U.E. para carga suplementar de trabalho.
IV - Titulares de cargo de outra unidade, em exercício na U.E., para carga suplementar de trabalho.
V - Ocupantes de função-atividade da U.E.:
a) docentes estáveis;
b) docentes celetistas;
c) demais ocupantes de função-atividade.
VI - Ocupantes de função-atividade de outra unidade, em exercício na U.E.:
a) docentes estáveis;
b) docentes celetistas;
c) demais ocupantes de função-atividade.
VII - Docentes e candidatos cadastrados:
a) titulares de cargo de outra unidade, para carga suplementar;
b) docentes estáveis;
c) docentes celetistas;
d) ocupantes de função atividade/candidatos à admissão.
§ 1º - Para os docentes e candidatos cadastrados, a que se refere o inciso VII deste artigo, a atribuição observará a ordem de classificação da Diretoria de Ensino, e para os demais docentes, a classificação incluirá o tempo de serviço na Unidade Escolar, previsto no inciso III, alínea "a", do artigo 8º e também no inciso II, alínea "a", do artigo 9º, ambos desta resolução.
§ 2º - Esgotadas as possibilidades de atribuição aos docentes relacionados nas faixas correspondentes aos incisos I a VI deste artigo, o Diretor de Escola comunicará a existência da classe ou das aulas disponíveis, em quantidade, horário, turno e disciplina, se for o caso, à Comissão de Atribuição de classes e aulas da Diretoria de Ensino, que divulgará amplamente, no prazo de 2 (dois) dias úteis, a todos os cadastrados em sua jurisdição, a atribuição que se dará naquela Unidade Escolar, nos termos do inciso VII deste artigo.
§ 3º - A atribuição de classes ou de aulas na Unidade Escolar, com relação aos níveis de habilitação e qualificação docentes, deverá se efetuar em conformidade com o disposto nos incisos I e II do artigo 22 desta resolução, vedada a atribuição nos termos do inciso III do referido artigo, que se dará em nível de Diretoria de Ensino, exclusivamente.
§ 4º - O docente que se encontre em licenças ou afastamentos, a qualquer título, não poderá concorrer à atribuição de classes e/ou aulas durante o ano, exceto o ocupante de função-atividade, não estável, quando designado Vice-Diretor de Escola ou Professor Coordenador, ou ainda quando em situação de licença-gestante, e o titular de cargo, exclusivamente para constituição obrigatória de jornada ou quando afastado junto ao convênio de Parceria Educacional Estado-Município, de acordo com o disposto no § 8º do artigo 10 desta resolução.
§ 5º - O ocupante de função-atividade de um determinado campo de atuação, inclusive o admitido exclusivamente com aulas de projeto ou de outras modalidades de ensino, poderá concorrer à atribuição relativa a campo de atuação diverso, desde que se encontre devidamente cadastrado e classificado, em nível de Diretoria de Ensino, para este campo, não sendo considerado para essa atribuição o vínculo precedente.
§ 6º - O docente declarado adido ou que esteja cumprindo horas de permanência na unidade escolar deverá participar, obrigatoriamente, das atribuições em nível de Diretoria de Ensino, para descaracterizar esta situação, assim como deverá também assumir toda e qualquer substituição, para a qual seja habilitado, na própria unidade escolar ou em outras unidades do mesmo município.
§ 7º - Aplica-se o disposto no parágrafo anterior também ao docente estável ou celetista que se encontre cumprindo horas de permanência, com carga horária inferior à da Jornada Inicial de Trabalho, observando que, no caso de estar exclusivamente com horas de permanência, a situação deverá se descaracterizar, quando surgir oportunidade, em qualquer unidade escolar do âmbito da Diretoria de Ensino.
§ 8º - Sempre que houver necessidade de atendimento ao titular de cargo, na constituição da jornada de trabalho, ou ao docente estável, na composição da carga horária mínima de 20 (vinte) horas semanais, deverá ser aplicada a ordem inversa à da classificação dos ocupantes de função-atividade, para retirada de classe ou de aulas, que implicará a redução da carga horária ou a dispensa do servidor, em nível de Unidade Escolar e também de Diretoria de Ensino, se necessário.
§ 9º - Não tendo sido possível o atendimento à jornada do titular de cargo nos termos do parágrafo anterior, deverá ser aplicada a retirada de aulas, em nível de Unidade Escolar, também relativamente à carga horária dos designados nos termos do artigo 22 da Lei Complementar n° 444/85 e, se necessário, até à carga suplementar de outro(s) titular(es) de cargo.
§ 10 - Esgotadas as possibilidades de atendimento, com classes ou aulas livres, previstas nos parágrafos anteriores, deverá ser aplicada em nível de Unidade Escolar e, se o titular de cargo desejar, também na Diretoria de Ensino, a ordem inversa à da classificação dos ocupantes de função-atividade, com a retirada de classe ou aulas em substituição, para composição da jornada do titular de cargo, desde que este não se encontre em licença ou afastamento, a qualquer título.
§ 11 - Nas atribuições de classes e de aulas durante o ano, tanto em nível de unidade escolar, quanto de Diretoria de Ensino, deverão também ser observadas, no que concernentes, as disposições relativas à atribuição do processo inicial, previstas no artigo 10 desta resolução.
§ 12 - Para toda e qualquer atribuição de classes e aulas durante o ano, em qualquer nível (Fases 1 e 2), o docente deverá comparecer munido de declaração atualizada de seu horário de trabalho, expedida pela Direção da(s) escola(s) em que se encontre em exercício, a fim de viabilizar a nova atribuição, com observância à compatibilidade de horários e distâncias entre as unidades.
Artigo 24 - Compete ao Diretor da Unidade Escolar, ouvido previamente o Conselho de Escola, decidir pela permanência do docente substituto, quando ocorrer novo afastamento do substituído ou na liberação da classe ou das aulas em substituição, desde que:
I - não implique detrimento aos titulares de cargo ou aos estáveis;
II - o intervalo entre os afastamentos seja inferior a 15 (quinze) dias, ou
III - a interrupção tenha ocorrido no período de recesso do mês de julho.
Parágrafo único -Aplica-se o disposto neste artigo ao docente que perder classe ou aulas livres, em virtude do atendimento previsto no § 8º do artigo anterior, no caso de o titular de cargo encontrar-se em licença ou afastamento a qualquer título.

SEÇÃO VII
Das Disposições Finais

Artigo 25 - O docente, inclusive o titular de cargo, com relação à carga suplementar, que não comparecer ou não se comunicar com a unidade escolar, no primeiro dia útil subseqüente à atribuição, perderá a classe ou as aulas e ficará impedido de concorrer à nova atribuição no decorrer do ano.
Artigo 26 - Poderá haver desistência de aulas anteriormente atribuídas, na carga suplementar do titular de cargo ou na carga horária do ocupante de função-atividade, nas situações de:
I - o docente vir a prover novo cargo público, de qualquer alçada, em regime de acumulação;
II - atribuição, com aumento ou manutenção da carga horária, em uma das unidades em que se encontre em exercício, a fim de reduzir o número de escolas.
Parágrafo único – O docente que pretender desistir de parte das aulas que lhe tenham sido atribuídas, na carga suplementar, se titular de cargo, ou na carga horária, se ocupante de função-atividade, em situação diversa das previstas nos incisos deste artigo, deverá apresentar ao superior imediato declaração expressa, de próprio punho, datada e assinada, informando sua decisão.
Artigo 27 - O docente admitido com classe ou aulas para as quais não possua licenciatura plena perderá, a qualquer tempo, a classe ou as aulas anteriormente atribuídas, na existência de candidato portador de licenciatura plena correspondente, excetuados os casos de portadores de diploma de licenciatura curta com aulas atribuídas no ensino fundamental.
Parágrafo único - A Diretoria de Ensino, nas sessões periódicas de atribuição durante o ano, deverá freqüentemente colocar em edital e oferecer todas as classes e aulas da jurisdição, que se encontrem atribuídas a docentes não habilitados ou habilitados em disciplina diversa, a fim de atender o disposto no "caput" deste artigo.
Artigo 28 - Fica expressamente vedada a atribuição de classes ou aulas:
I - a partir de 1º de dezembro do ano letivo em curso, exceto se em caráter eventual ou para constituição obrigatória de jornada do titular de cargo, ou ainda para atendimento em jornada ou carga horária, previsto no § 8º do artigo 23 desta resolução;
II - ao docente que tenha sido demitido, mediante processo administrativo disciplinar, ou dispensado pelo titular da Pasta, nos últimos cinco anos ou nos últimos dez anos, quando a bem do serviço público;
III - para fins de admissão em situação de acúmulo, ao funcionário/servidor público estadual que se encontre em licença para tratar de interesses particulares, na conformidade da legislação em vigor;
IV - ao docente que tenha desistido de parte de suas aulas ou pedido dispensa da função, durante o ano letivo em curso.
Artigo 29 - A acumulação de dois cargos ou de duas funções docentes, ou ainda de um cargo de suporte pedagógico com cargo/função docente, poderá ser exercida, desde que:
I - o somatório das cargas horárias dos cargos/funções não exceda o limite de 64 (sessenta e quatro) horas, quando ambos integrarem os Quadros desta Secretaria de Estado da Educação;
II - haja compatibilidade de horários, consideradas, no cargo/função docente, também as Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), integrantes de sua carga horária;
III - seja previamente publicado Ato Decisório favorável ao acúmulo, nos termos da legislação específica.
§ 1º - A responsabilidade pela legitimidade da situação do docente, em regime de acumulação, é do Diretor de Escola que autorizar o exercício do segundo cargo/função.
§ 2º - A atribuição de classe ou aulas, em cargo ou função docente, ao titular de cargo de suporte pedagógico, da rede estadual de ensino, em regime de acumulação, far-se-á sempre fora de sua área de atuação funcional.
§ 3º - Ao docente titular de cargo, designado para exercer função de suporte pedagógico ou em posto de trabalho de Vice-Diretor de Escola ou de Professor Coordenador, é vedado o exercício de função docente em regime de acumulação.
§ 4º - A vedação prevista no parágrafo anterior não se aplica ao ocupante de função-atividade designado Vice-Diretor de Escola ou Professor Coordenador, desde que as funções sejam relativas a campos de atuação diversos e tenham classificação em unidades escolares distintas.
§ 5º - Ao titular de cargo docente é vedada a atribuição de classe ou de aulas na situação de ocupante de função-atividade, por se tratar de carga suplementar de trabalho, inexistindo legalmente a situação de acumulação de cargo e função docentes.
§ 6º - O superior imediato que permitir o exercício do docente, em situação de ingresso ou de admissão, no segundo cargo/função-atividade, sem a prévia publicação de ato decisório favorável à acumulação, arcará com as responsabilidades decorrentes deste ilícito, inclusive as relativas a pagamento pelo exercício irregular.
Artigo 30 - Compete ao Diretor de Escola autorizar o exercício, bem como providenciar a admissão, do candidato a quem se tenha atribuído classe ou aulas em sua Unidade Escolar, desde que este apresente:
I - certificado de sanidade e capacidade física (laudo médico oficial, declarando-o apto ao exercício da docência);
II - declaração de próprio punho de que estará, ou não, em regime de acumulação de cargos/funções; em caso positivo, devendo ser previamente publicado o ato decisório de acumulação legal, se assim caracterizada;
III - declaração de próprio punho de que possui ou não antecedentes de processo administrativo disciplinar no qual tenha sofrido penalidades;
IV - documentos pessoais comprovando:
a) ser brasileiro nato ou naturalizado;
b) ser maior de 18 anos (apresentação de R.G. original);
c) estar em dia com as obrigações militares (apresentação de certificado de reservista);
d) estar em dia com a Justiça Eleitoral (apresentação de título de eleitor e últimos comprovantes de votação/justificação);
e) estar cadastrado como pessoa física (apresentação de CPF).
Artigo 31 - Os recursos referentes ao processo de atribuição de classes e aulas não terão efeito suspensivo nem retroativo e deverão ser interpostos no prazo de 2 (dois) dias úteis após a ocorrência do fato motivador, dispondo a autoridade recorrida de igual prazo para decisão.
Artigo 32 - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário, em especial as Resoluções SE-134/2003 e SE-112/2004.


A SUPERVISÃO ESCOLAR PAULISTA E O PROFESSOR COORDENADOR PEDAGÓGICO
Resumo
A partir da aprovação da Lei 5 692/71, os serviços de supervisão, que tiveram como marco inicial a inspeção, foram reestruturados segundo os princípios da supervisão dita “esclarecida”. A Resolução N o 28, de 04/04/96, dispôs sobre o processo de escolha para designação de professor para exercer as funções de coordenação pedagógica nas escolas da rede pública estadual. O professor coordenador pedagógico representa um profissional do sistema de supervisão escolar paulista. O pessoal do magistério tem uma certa expectativa em relação a sua atuação. A função do professor coordenador pedagógico é o que pretendo comentar.

Palavras – chave
Professor coordenador pedagógico; Sistema de supervisão escolar paulista; Supervisão escolar desejável; Participação e comunicação entre agentes da supervisão.
1. O sistema de supervisão escolar paulista
A partir da aprovação da Lei da Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus (Lei nº 5692/71-Federal) o Governo do Estado de São Paulo tomou uma série de medidas com o fim de propiciar as condições para sua implantação e implementação. Dentro de uma visão tecnoburocrática, a Secretaria Estadual da Educação foi reorganizada (Decreto nº 7510/76 - Estadual) e os serviços de supervisão que tiveram como marco inicial a inspeção foram estruturados segundo os princípios da supervisão “esclarecida”, sendo a obra principal de orientação “Novos Padrões de Supervisão Escolar”, de Thomas J. Sergiovani e Robert J. S. Starrat, traduzida pôr Loyde Amália Faustini, na época responsável pela Divisão de Supervisão da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, CENP, órgão central responsável pelos serviços de Supervisão da Secretaria Estadual da Educação.
A CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas) estruturada para que a ação pedagógica nas escolas estaduais, municipais e particulares fosse eficiente e eficaz, além de ter suas atribuições legais gerais bem especificadas, contava com uma Divisão de Supervisão que, por sua vez, contava com um Serviço de Ensino de 1º Grau, um Serviço de Ensino de 2º Grau, um Serviço de Ensino Supletivo, um Serviço de Educação Especial e uma Equipe Técnica de Avaliação e Controle da Educação Pré-Escolar, todos com atribuições legais específicas bem determinadas.
Os responsáveis pelo funcionamento da CENP, nos anos que vão de 1976 a 1982, em termos de fundamentação teórica, inspiraram-se na supervisão dita “esclarecida”. A supervisão passou a ser encarada como um processo e não como função de papel específico e, conseqüentemente, todos que fizessem parte da organização escolar no seu sentido restrito, isto é, da Escola, bem como no seu sentido amplo, isto é, dos vários órgãos da Secretaria da Educação, desempenhariam ações de supervisão que, sistematizadas, constituíram o Sistema de Supervisão Escolar Paulista.
A CENP pretendendo ter como ponto de referência básica o aproveitamento ótimo dos recursos empregados e a melhoria da produtividade do ensino, teve entre as suas várias atribuições, a de elaborar diretrizes para o apoio da ação supervisora do Sistema de Supervisão Escolar Paulista. Ela esperava que a supervisão fosse o conjunto das ações e atividades desempenhadas pôr indivíduos ou grupos de indivíduos, visando a melhoria da produtividade do ensino nos seus aspectos quantitativos e qualitativos. Dentro das tarefas e papéis da supervisão, ela dava grande importância às habilidades técnicas que permitissem o comportamento necessário à ação supervisora, buscando o alcance dos objetivos não diretamente, mas através do envolvimento de indivíduos ou grupos de indivíduos.
Na reorganização administrativa da Secretaria Estadual da Educação de 1976, os 572 municípios do Estado de São Paulo foram agrupados a nível de Coordenadoria de Ensino, em duas grandes regiões: a Coordenadoria de Ensino da Região Metropolitana (COGSP) e a Coordenadoria de Ensino do Interior (CEI). Às Coordenadorias ficaram pertencendo as dezoito Divisões Regionais de Ensino em que o Estado de São Paulo foi dividido. À COGSP pertenciam sete DREs e à CEI as onze restantes. Às dezoito DREs foram subordinadas as 140 Delegacias de Ensino (DEs), que respondiam por Escolas Estaduais, Municipais e Particulares, existentes nas suas áreas de jurisdição.
Papel importante na disseminação e implementação das diretrizes elaboradas pelos órgãos centrais da Secretaria Estadual da Educação foi atribuído às Divisões Regionais de Ensino em suas áreas territoriais de atuação. Cabia a elas executar a política educacional básica da Secretaria,.... supervisionar e prestar assistência técnica e administrativa às Delegacias de Ensino,... promover o bem estar mental e social do escolar,... acompanhar o desenvolvimento do ensino”(artigo 71 do Decreto nº 7510 - Estadual).
Ao lado dos diretores das DREs, a Equipe Técnica de Supervisão Pedagógica (E.T.S.P.) teve uma responsabilidade fundamental. Coube a ela “supervisionar atividades pedagógicas e de orientação educacional;... colaborar na implementação das normas pedagógicas emanadas dos órgãos superiores;... avaliar os resultados do processo ensino-aprendizagem;...analisar dados relativos à Divisão e elaborar alternativas de solução para os problemas específicos de cada nível e modalidade de ensino;...assegurar a retro-informação ao planejamento curricular;... opinar quanto a necessidade e oportunidade de treinamento para os recursos humanos específicos da Divisão;...dar parecer, realizar estudos e desenvolver outras atividades relacionadas com a supervisão pedagógica e orientação educacional” (Artigo 73 do Decreto 7510/76-Estadual).
O trabalho da Equipe Técnica de Supervisão Pedagógica foi de grande importância não só no auxílio aos diretores das DREs, mas, principalmente no reforço ao estabelecimento dos elos de ligação não só entre os órgãos centrais da Secretaria da Educação e as DREs, como também entre as DREs e as Delegacias de Ensino. Para tanto, a E.T.S.P. localizada na DRE, deveria ser constituída de especialistas nas respectivas áreas de atuação: ensino de 1º grau, ensino de 2º grau, ensino supletivo, educação especial, educação pré escolar, orientação educacional, que deveriam trabalhar integradamente para uma ação conjunta do grupo, bem como separadamente, num trabalho de especialistas em áreas específicas.
O Decreto nº 39.902, de 1º de janeiro de 1995, extinguiu as Divisões Regionais de Ensino e, conseqüentemente, as Equipes Técnicas de Supervisão Pedagógica (E.T.S.P.s). As 146 Delegacias de Ensino então existentes, que foram extintas posteriormente, sendo criadas as Diretorias Regionais de Ensino em número bem menor, ficaram subordinadas diretamente à Coordenadoria de Ensino da Região Metropolitana da Grande São Paulo (COGSP) e à Coordenadoria do Ensino do Interior (CEI). As justificativas para tal medida do Senhor Governador do Estado de São Paulo foram: “...extinguir-se a duplicidade na execução das tarefas, que gera superposição de atribuições e competências entre os órgãos administrativos regionais;... necessidade de reorganizar a Secretaria da Educação, objetivando à descentralização da execução das suas ações, buscando agilidade nas decisões a fim de que possa imprimir uma nova política educacional; e... encurtar distâncias decisórias, para a melhoria da política educacional”(Considerandos do Decreto nº 39.902, de 01/01/1995).
Em nível sub-regional, as Delegacias de Ensino existentes na época, com a adequação administrativa da Secretaria Estadual da Educação às exigências da Reforma do Ensino de 1971, seriam de muita importância. Caberia a elas “coordenar e supervisionar o planejamento e a execução das atividades administrativo-pedagógicas nas unidades escolares estaduais de 1º e 2º graus, educação pré escolar, educação especial e de ensino supletivo... supervisionar, prestar assistência técnica e fiscalizar escolas municipais e particulares, nas áreas de 1º e 2º graus, educação pré escolar, educação especial e ensino supletivo” (Artigo 77 do Decreto 7510/76-Estadual).
A adequação das Delegacias de Ensino existentes na época às exigências da Reforma do Ensino de 1971, acabou por estabelecer grande concentração de funções bastante diversificadas. Isto porque, por mais diversificados que fossem os órgãos superiores da Secretaria Estadual da Educação e por mais distribuídos que estivessem as atividades dos órgãos de estudos, de treinamento, de execução, era para as Delegacias de Ensino que convergiam as diretrizes e normas gerais de apoio para chegarem até as Unidades Escolares. Também eram as Delegacias de Ensino que receberiam as primeiras solicitações das necessidades específicas de cada escola, as quais deveriam exercer a atenção imediata para a solução ou encaminhamento aos órgãos competentes.
Coordenando as ações administrativas e pedagógicas, diagnosticando as necessidades, problemas e tomando decisões que iniciariam ou implementariam ações, os Delegados de Ensino estariam sendo os principais coordenadores de todas as ações das Delegacias de Ensino existentes no Estado de São Paulo. Seriam de responsabilidade deles o desenvolvimento, a coordenação, o acompanhamento e o aperfeiçoamento dos planos e programas escolares que, por sua vez, seriam tarefas importantes ligadas à ação supervisora, exigindo dos Delegados de Ensino liderança com relação ao Grupo de Supervisão e a necessidade de incentivo ao crescimento profissional de seus membros.
No Grupo de Supervisão das Delegacias de Ensino, embora fosse conveniente que o trabalho fosse realizado em equipe, individualmente os Supervisores de Ensino, deveriam estar preparados para exercer uma dupla função nas áreas administrativas e pedagógica. Em relação às Escolas do Setor de usa responsabilidade, os Supervisores de Ensino seriam “especialistas polivalentes”. Em relação aos companheiros do Grupo de Supervisão e ao Delegado de Ensino, os Supervisores de Ensino seriam especialistas em determinada área, para que pudessem assessorar e cooperar com os colegas supervisores e com o Delegado de Ensino.
As funções desempenhadas pelos Supervisores de Ensino, deveriam ter em vista a melhoria do ensino-aprendizagem. Para que isso acontecesse haveria necessidade de uma organização do trabalho administrativo e pedagógico nas Delegacias de Ensino. Como as Delegacias eram diferentes uma das outras em área geográfica, número de escolas, distribuição de matrículas, distância entre as escolas, quantidade de pessoal disponível, etc., e como todos os Supervisores de Ensino deveriam trabalhar em função da melhoria ensino-aprendizagem, os membros do Grupo de Supervisão das Delegacias de Ensino deveriam procurar a melhor forma de ajustamento e de organização no trabalho diário, a fim de assegurar uma maior eficiência e eficácia, não só do órgão onde estavam lotados seus cargos, isto é, Delegacias de Ensino, bem como de todas as Escolas que estavam vinculadas às Delegacias de Ensino, especialmente àquelas pertencentes ao Setor de Supervisão de sua responsabilidade.
Os diretores das quase seis mil escolas estaduais do Sistema Escolar Paulista seriam os responsáveis pelo desempenho de diferentes tarefas nas suas Unidades Escolares, mas as ligadas ao ensino-aprendizagem deveriam merecer prioridade, pois elas seriam a razão de ser das escolas. Essas tarefas que os diretores deveriam desempenhar variariam principalmente tendo em vista o número de profissionais que teria à sua disposição, o tamanho e a complexidade das escolas.
O corpo de profissionais poderia ser constituído pelo Assistente do Diretor, Orientador Educacional, Coordenador Pedagógico, Professores e outros funcionários. A habilidade dos diretores das Escolas Estaduais seria julgada com base na capacidade que teriam de criar condições de trabalho, bem como trabalhar com sua equipe de Especialistas. A Coordenação Pedagógica como parte do Apoio Técnico Pedagógico, representaria em nível local, isto é, em nível de Escola ou de Unidade Escolar, os Serviços de Supervisão Estadual Paulista.
Os diretores das Unidades Escolares, que cada dia que passava tinham seu papel transformado, exigindo uma redefinição do mesmo, desempenhariam funções de planejamento, coordenação e decisão sobre as atividades de suas unidades administrativas. Seriam os Diretores de Escola os responsáveis pelas decisões finais e por seus resultados. As tarefas ligadas ao ensino-aprendizagem deveriam ser as prioritárias. Para que isso acontecesse os Diretores de Escola responderiam pela criação de um clima no qual professores e especialistas seriam estimulados a compartilharem idéias e oferecer sugestões. O apoio técnico pedagógico dado pelo Coordenador Pedagógico seria indispensável na utilização das habilidades, talentos, etc., dos professores e dos outros membros da equipe de trabalho das unidades escolares.
O trabalho do Coordenador Pedagógico seria melhor executado quando houvesse nas escolas estaduais o que preceitua a lei que trata do Estatuto do Magistério Oficial do Estado de São Paulo. Assim: “Além dos cargos e funções - atividades do Quadro do Magistério (...) poderá haver, na unidade escolar, posto de trabalho de Professor Coordenador” (Artigo 6º da Lei Complementar nº 444/85-Estadual).
O Decreto nº 24.974 (Estadual), de 14 de abril de 1986, dispôs sobre a designação de Professor Coordenador para cada uma das seguintes hipóteses: “I - de componentes curriculares da parte comum do currículo; II - de componentes da parte diversificada do currículo; III - de conjunto de componentes curriculares afins da parte comum e da parte diversificada; IV - das séries iniciais até a 4ª série; V - dos cursos de 2º grau e/ou habilitações profissionais; VI - de projetos”.
O Decreto Estadual que estabeleceu a Jornada Única Discente e Docente no Ciclo Básico das Escolas Estaduais estipulava: “ Artigo 6º O Ciclo Básico deverá contar com um Professor Coordenador, eleito à época do planejamento escolar, pelos Professores do Ciclo Básico dentre os docentes da Unidade Escolar com experiência nas séries iniciais do 1º Grau, referendado pelo Conselho de Escola. (Artigo 6º do Decreto nº 24.974/86 - Estadual).
Quer o Coordenador Pedagógico trabalhasse com os professores diretamente ou através de Professores Coordenadores, devido ao seu papel específico de dinamizador das atividades pedagógicas da Escola, o seu trabalho na Unidade Escolar resultaria em importância. Utilizando as habilidades e talentos especiais dos professores em favor do ensino-aprendizagem, ambos, Coordenador Pedagógico e Professores Coordenadores, trabalhariam em áreas que incluem problemas curriculares e de assistência técnica específica. Ambos trabalhariam em áreas que contribuem para a eficiência e eficácia do ensino aprendizagem na escola.
A Resolução SE nº 28, de 04/04/96, dispôs sobre o processo de escolha para designação de Professor para exercer as funções de coordenação pedagógica nas escolas da rede pública estadual. A instrução Anexa à Resolução baixou regulamentação complementar. O artigo 8º da referida Resolução especifica “A escola que contar com cargo provido de Coordenador Pedagógico poderá designar, ainda, um professor para exercer as funções de coordenação no período noturno, observado o disposto nos artigos 1º, inciso II e 7º desta resolução”.
Para prover o cargo de Coordenador Pedagógico a Lei Complementar nº 444/85 exige que o professor tenha habilitação em Supervisão Escolar do Curso de Pedagogia. Para designação de Professor Coordenador Pedagógico a Resolução SE 28/96, embora exija prova escrita e proposta de trabalho, não exige Habilitação em Supervisão Escolar. Assim sendo, pouquíssimas Escolas têm Coordenador Pedagógico, a maioria conta com o Professor Coordenador Pedagógico que, às vezes, nem o Curso de Pedagogia possui, portanto, com carência de fundamentação teórica, com falta de clareza sobre o papel a ser desempenhado, causando entraves que dificultam o exercício da função.
A Supervisão das Escolas de Educação Básica é o meu objeto de estudo e preocupação. Fui Supervisor de Ensino da Rede Pública Estadual Paulista. Fiz o mestrado em Supervisão e Currículo, defendendo a Dissertação “Comunicação e Supervisão Inovadora: Uma Proposta de Ação”. Fiz Doutorado em Administração Escolar, defendendo a Tese “O Papel dos Agentes de Supervisão: Da Teoria à Prática.” Fiz a Livre Docência defendendo a Tese: “Princípios e Métodos de Supervisão: Uma Proposta de Ação.” Fui professor da Disciplina Princípios e Métodos de Supervisão Escolar do Curso de Pedagogia. Sou responsável pela Disciplina Supervisão Escolar: Uma proposta de Ação, na Pós – Graduação em Educação. Ministro uma Disciplina Optativa para o Curso de Pedagogia, cuja denominação é: Tópicos de Supervisão Escolar e o Professor Reflexivo.


2 O professor coordenador pedagógico
O Professor Coordenador Pedagógico (PCP) representa um profissional do Sistema de Supervisão Escolar Paulista. O pessoal do magistério tem uma certa expectativa em relação a sua atuação. O professor que passou por um processo de seleção e capacitação corresponde às exigências da função? A rede pública de ensino do Estado de São Paulo tinha um total aproximado de 8150 Professores Coordenadores Pedagógicos. A falta de experiência na função, a carência de fundamentação teórica, a falta de clareza sobre o papel a ser desempenhado, o número reduzido de horas de trabalho pedagógico coletivo, a dificuldade de relacionamento com os diferentes elementos da escola e a resistência dos professores em relação à mudança dos paradigmas que orientam a prática educativa podem ser entraves que dificultam o exercício da função.
Observa-se a escassez de estudos e publicações que tratam e discutem a atuação do Professor Coordenador Pedagógico. Uma vertente bibliográfica é a que trata sobre Supervisão Escolar e que não é exigida na seleção para a função de Professor Coordenador Pedagógico.
Discutir a função ou a atuação do Professor Coordenador Pedagógico no interior da escola, aprofundar e esclarecer a questão, foi uma tarefa que uma pesquisa realizada por mim, pretendeu investigar, discutir e analisar. A Resolução SE nº 28, de 04/04/96, estipula: “Ao docente designado para exercer as funções de coordenação pedagógica caberá assessorar a direção da escola na articulação das ações pedagógicas e didáticas e subsidiar o professor no desenvolvimento de seu trabalho”. (Artigo 2º da Resolução SE 28/96).
O Professor Coordenador Pedagógico deve ter sua atuação voltada prioritariamente para os professores, significando, porém, que cada um deve manter a sua especialidade e o professor deve sempre ser motivado a resolver as questões de sua prática educativa.
As ações supervisoras de cada Unidade Administrativa da Secretaria Estadual da Educação, com enfoque nas escolas e suas necessidades, onde os Professores Coordenadores Pedagógicos atuam, formam o Sistema de Supervisão Escolar Paulista no momento em que há integração das atividades de Supervisão nas Unidades Escolares com as ações correspondentes dos Grupos de Supervisão das Diretorias Regionais de Ensino, que por sua vez, terão de integrar - se com as ações das Equipes da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria Estadual da Educação.
Para tanto, para que eu pudesse verificar, investigar, analisar a atuação do Professor Coordenador Pedagógico, dentro do Sistema de Supervisão Escolar Paulista é que fiz a minha pesquisa, seguindo o seguinte Cronograma:
De 01/01/200 à 31/07/2001 - Atualização da Pesquisa Bibliográfica sobre Supervisão. Elaboração de uma Ficha de Caracterização do Professor Coordenador. Elaboração de um Instrumento, tipo Questionário, sobre a função dos Professores Coordenadores.
De 01/08/2001 a 31/12/2001 - Preenchimento da Ficha de Caracterização e aplicação do Instrumento tipo Questionário.
De 01/01/2002 a 31/05/2002 – Organização dos dados coletados para análise. Organização dos resultados analisados. Elaboração do Relatório Conclusivo.
A Lei 9 394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece diretrizes e bases da Educação Nacional, em seu Artigo 67, dispõe que os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação. A Lei Complementar 836, de 30 de dezembro de 1 997, que institui Plano de Carreira, Vencimentos e Salários para os integrantes do Quadro do Magistério da Secretaria da Educação, dispõe que haverá na unidade escolar posto de trabalho destinado às funções de Professor Coordenador, na forma estabelecida em regulamento.
Considerando a complexidade na organização e funcionamento das escolas da rede estadual de ensino paulista, pois nessa rede há escolas que ministram ensino fundamental e médio para alunos considerados normais e para alunos com necessidades especiais. Considerando a importância do trabalho do professor designado para as funções de coordenação pedagógica, que no momento atual é em grande número, procurei primeiramente caracterizá–los Para tanto, elaborei um instrumento, isto é, uma Ficha de Caracterização.
A primeira parte do meu instrumento para a caracterização focalizou os seguintes aspectos: dados pessoais para identificação, formação, tempo de serviço, situação funcional. A segunda parte focalizou dados sobre a escola onde é professor coordenador pedagógico.
A Ficha de Caracterização foi encaminhada aos Coordenadores através de um ofício em que identifiquei - me como pesquisador da UNESP/Marília e que havia realizado trabalhos em supervisão. Esclareci também que “Atualmente está em transformação a supervisão escolar paulista, e assim sendo, é de meu interesse pesquisar sobre o Professor designado para exercer as funções de coordenação pedagógica, visando contribuir para a busca da sua função”
O total de Fichas preenchidas foi de 27, sendo que 3 coordenadoras preencheram a mesma Ficha duas vezes, mas em datas diferentes. Verifica-se que somente 3 são do sexo masculino, que a maioria é casada, que todos têm curso superior, que o tempo de serviço na coordenação vai de meses a 5 anos, que a maioria é Professor de Educação Básica II Efetivo, tendo 7 Ocupantes de Função Atividade (OFA).
Cabe aos agentes da ação supervisora, em especial aos professores designados para exercer as funções de coordenação pedagógica, como “intelectuais organizadores e orgânicos”, o papel de possibilitar aos professores a consciência da função de educadores, mediando a prática social para que ela se oriente na direção necessária e desejável. Assim sendo, a função social dos professores em seu trabalho como educadores passa a ser a de “intelectuais transformadores”, isto é, que trabalham com grupos diversos no sentido de desenvolver as culturas e tradições emancipatórias, tornando o pedagógico mais político e o político mais pedagógico. O meu instrumento, tipo Questionário, forneceu - me dados, possibilitando assim, saber a opinião dos coordenadores da minha amostra sobre o seu trabalho.

Considerações finais
A supervisão escolar, numa primeira fase do seu desenvolvimento, era entendida como inspeção no sentido de fiscalização, relacionando-se mais aos aspectos administrativos, como por exemplo, condições do prédio escolar, freqüência dos alunos e dos professores. Numa segunda fase, a supervisão escolar ficou sendo entendida como orientação imposta aos professores para que se tornassem mais eficientes no exercício da sua profissão. Numa terceira fase, a supervisão escolar começou a ser entendida como treinamento e como guia, de acordo com as necessidades das pessoas implicadas.
A supervisão escolar moderna passou a ser entendida como orientação profissional e assistência, dadas por pessoas competentes em matéria de educação, quando e onde necessárias, visando ao aperfeiçoamento da situação total ensino - aprendizagem. Esse conceito de supervisão escolar pode ser aplicado a todos os níveis e fases do processo educacional. Ele tanto se aplica a técnicos em educação, supervisores e dirigentes, como a professores coordenadores pedagógicos.
Na pedagogia tecnicista, predominante nos sistemas escolares ainda hoje, uma forma alternativa é a "supervisão escolar desejável", onde supervisores e professores são igualmente trabalhadores técnico- científicos, cabendo à supervisão escolar a tarefa relevante de organizar os educadores para a intervenção transformadora da prática social.
A intervenção transformadora na prática social já se processa há muito tempo, mas o seu sentido habitual tem sido o da conservação da prática social existente. A "supervisão escolar desejável" é aquela que integra no plano do sistema escolar os educadores que agem de forma integrada no plano político e social. É a supervisão escolar que orienta a prática educacional de sujeitos politicamente orientados.
Sendo várias as dificuldades e os problemas enfrentados pelos agentes da supervisão escolar paulista, ao transformar na prática diária as propostas teóricas e legais, principalmente no momento em que todas as posições mais recentes em educação ressaltam a necessidade da revisão do papel da escola, as pessoas que determinam as mudanças e que nem sempre são as mesmas que irão realizá – las em ações concretas, não podem contribuir para uma divisão de forças entre os que elaboram o referencial teórico que embasa as mudanças necessárias e a grande maioria de pessoas que está em contato diário com os problemas educacionais. Daí o papel do professor coordenador pedagógico e a possível contribuição que a minha pesquisa procurou dar na definição da sua função.
Pensar em um trabalho mais atual de ação supervisora, envolvendo o professor designado para a coordenação pedagógica como elemento do sistema de supervisão escolar paulista, é acreditar na possibilidade de uma ação supervisora mais eficiente que se apoiará, basicamente, na participação e na comunicação efetiva e bilateral entre agentes de supervisão ( supervisores de ensino, professores coordenadores ), oficina pedagógica ( como assessora dos supervisores de ensino), pessoal escolar e comunidade. Quero me referir aqui àquela ação que fruto de um trabalho persistente de participação em seu mais alto nível numa sociedade, que consiste essencialmente no desenvolvimento de um clima positivo de trabalho resultante da confiança mútua e do desejo firme de vencer.
O trabalho dos agentes de supervisão, principalmente do professor coordenador, passa ir além do puro treinamento técnico, pois supõe a compreensão crítica das implicações da própria técnica, transformando – se os professores coordenadores em intelectuais transformadores do pessoal escolar. Dessa forma, em vez de serem somente funcionários do Estado, cuja principal função tem sido mediar as diferenças de ponto de vista existentes entre os níveis hierárquicos do sistema e o pessoal escolar de base, eles tornam – se agentes mediadores efetivos, que têm papel ativo no processo de transformação educacional.
Há necessidade de agentes de supervisão, isto é, supervisores de ensino, professores coordenadores pedagógicos, com visão ampla e profunda sobre os problemas educacionais, que implica necessariamente vivência, principalmente em docência. São necessários profissionais comprometidos com a causa educacional, que além de sólidos conhecimentos sobre supervisão, estejam abertos para as descobertas, isto é, longe de se apresentarem prontos e acabados, tenham uma atitude de busca permanente.


O Professor Coordenador Pedagógico
Vivemos hoje uma sociedade onde a escola ocupa um lugar não muito nobre na escala de valores e de opções de perspectivas de vida da maioria dos indivíduos que nela transitam.
Por um lado temos alunos que não se "encaixam" nos projetos pedagógicos das escolas, e projetos pedagógicos que não se "encaixam" na realidade dos alunos. À parte dessa colocação, tenho uma outra não menos inquietante: A má formação dos professores, que é apontada como uma das causas dos problemas da educação no Brasil.
O receio da inovação, a segurança das metodologias tradicionais, a inexperiência didática, a formação na área pedagógica dos cursos de licenciatura com disciplinas fragmentadas e que são vistas pela maioria dos alunos apenas para "cumprir tabela" são algumas das dificuldades da formação docente.
Entretanto a formação inicial é um processo fundamental na construção da identidade do professor, mas é na formação continuada que esta identidade vai se consolidando.
Segundo Nóvoa (1992), concluir o magistério ou a licenciatura é apenas uma das etapas do longo processo de capacitação que não pode ser interrompido enquanto houver jovens querendo aprender.
É através da formação continuada enquanto processo que o professor vai construindo seus saberes e rompendo com as resistências impostas pelo sistema de ensino. O professor vai desconstruindo a rede das "seguranças metodológicas" que o levam a negar a mudança e a construir casulos de resistência nas escolas.
Casulos estes que geram uma enorme dificuldade de se pensar no conhecimento como algo dialético e não estático que dificulta a distribuição de conhecimento socialmente gerado, de maneira que o aluno perceba que o está recebendo.
Como Ressalta Demo (2000, p.20) "parece inaceitável que alguém que se dedica a fazer crianças aprender, seja criticado exatamente pela incompetência de fazê-lo".
Mas é assim que acontece. E a escola não escapa da crítica, pois sofre do mesmo paradigma cristalizado da onipotência do saber, com limitações para aprender, com dificuldades para transformar.
Mas o que se busca não é uma transformação imediata, sem reflexão, mas uma transformação que seja baseada na autonomia, no conhecimento visto como algo dialético, prático e ao mesmo tempo social, pois o conhecimento estabelece relações de homens com outros homens e destes homens com objetos.
Como ressalta Alves et alii (1992, p.75).
"Homens que através de sua ação transformadora se transformam. É neste processo que os homens produzem conhecimentos, sejam os mais singelos, sejam os mais sofisticados, sejam aqueles que resolvem um problema cotidiano, sejam os que criam teorias explicativas".
Diante dessa realidade, e do imenso e diversificado universo escolar, dentre os muitos atores que nele atuam, temos a figura do Professor Coordenador Pedagógico que é o profissional que atua na gestão da escola e que tem como uma de suas funções construir um ambiente democrático e participativo. O que não é uma tarefa fácil.
O Professor Coordenador Pedagógico precisa se despir de sua imagem de "chefe" para tornar-se igual, para criar um clima em que todos participem coletivamente.
Pois administrar, assim como educar, não é uma ação individual, feita de um só sujeito, mas sim uma atividade coletiva que infere em discussões, em administrar conflitos, ceder a idéias dos outros, fazer com que as pessoas participem com suas idéias, façam e recebam críticas e aceitem os consensos.
Por isto, creio que o Professor Coordenador Pedagógico seja o profissional que atuando democraticamente (e internamente), leve o professor à reflexão da sua prática, gerando assim, questões para o debate constante a que podemos chamar de formação continuada docente.
Pois efetivamente, não existe educação sem a reflexão da própria prática.
Cria-se assim, segundo Nóvoa (1992) o paradigma do professor reflexivo, ou seja, do professor que pensa e elabora em cima da prática.
Para atender tal demanda o Professor Coordenador Pedagógico deve manter-se atualizado, realizando leituras especificas da sua área de atuação bem como a respeito de assuntos da contemporaneidade social.
Ou seja, o Professor Coordenador Pedagógico também está inserido no processo de formação continuada, formando e sendo formado numa relação dialética.
Concluindo, reforço ainda a importância e a atualidade desse assunto e a constatação que a figura do Professor Coordenador Pedagógico é indispensável na escola, mantendo-se uma postura democrática, para efetivamente contribuir no campo da formação docente.

COORDENADORIA DE ESTUDOS E NORMAS PEDAGÓGICAS --- Instrução CENP - 1, de 10-1-2008 --- Procedimentos relativos ao processo de credenciamento de docentes para a função de Professor Coordenador do Ciclo II do Ensino Fundamental e ou do Ensino Médio, das escolas estaduais --- O Coordenador de Estudos e Normas Pedagógicas , em atendimento ao contido no artigo 11 da Res. SE nº 88, de 19, publicada a 21/12/2007, que dispõe sobre a função gratificada de Professor Coordenador, expede as instruções que orientam as Diretorias de Ensino, na organização desse processo.--- 1. Do universo a ser atingido * A prova de credenciamento a ser realizada se aplica, exclusivamente, aos professores que, atendidos os requisitos de habilitação para o exercício da função de Professor Coordenador relacionados no artigo 4º da referida resolução, visam a exercer a função de Professor Coordenador no Ciclo II do Ensino Fundamental ou no Ensino Médio.--- * Aplicam-se aos Centros Estaduais de Educação Supletiva –- CEEs– os procedimentos contidos na presente instrução.--- 2. Das etapas do processo de seleção:--- 2.1. Do período de inscrição: O docente candidato deverá se inscrever no período de 07 a 15 de fevereiro de 2008, na Diretoria de Ensino da unidade escolar em que pretende exercer a função de Professor Coordenador do Ciclo II do Ensino Fundamental e ou do Ensino Médio, por meio de formulário eletrônico a ser disponibilizado on line.--- 2.2. Da prova de credenciamento 2.2.1. da data e local de realização da prova: A prova do credenciamento será realizada no dia 01/03/2008, às 8h30 em local a ser indicado pela Diretoria de Ensino e terá a duração de 02 (duas) horas. 2.2.2. das características da prova A prova será elaborada pela SEE e será constituída por 20 (vinte) questões de múltipla escolha, versando sobre as propostas curriculares e as metodologias de todas as áreas e disciplinas do ciclo II do Ensino Fundamental e Ensino Médio, com especial destaque à abordagem de habilidades, competências, interdisciplinaridade e processo de avaliação do rendimento escolar, na conformidade dos referenciais da prova constantes do item 2.2.4 . Cada questão valerá 05 (cinco) décimos, passando a ser considerado credenciado o candidato que tiver obtido, em uma escala de zero a dez, no mínimo, 5(cinco) pontos. 2.2.3. das condições de realização da prova O candidato deverá comparecer ao local de realização da prova, 30 (trinta) minutos antes de seu início, munido de documento original de identidade e de caneta esferográfica azul ou preta. O candidato não poderá entrar na sala de prova, após o horário estabelecido para seu início, podendo dela sair após decorridos sessenta minutos do tempo de duração previsto. Não haverá revisão de provas. 2.2.4. dos referenciais da prova Os documentos/textos que servirão de base para a elaboração das questões que integrarão a prova escrita, –vide Anexo– estarão disponibilizados no site da Secretaria da Educação – www.educação.sp.gov.br - link “São Paulo faz Escola”. 2.2.5. da correção, avaliação e divulgação dos resultados A correção da prova será feita eletronicamente e os resultados estarão disponibilizados no site da Secretaria da Educação, no dia 04/03/2008. A lista dos candidatos credenciados não será classificatória. 2.3. Da Apresentação do Projeto de Trabalho e da Entrevista: Fundamentados nos textos indicados para a prova de credenciamento, os professores devidamente credenciados deverão, no período de 04 a 14/03/2008, entregar na unidade escolar em que pretendem exercer a função, o projeto de trabalho a ser avaliado pela comissão constituída pelo Diretor da Unidade Escolar e pelo Supervisor de Ensino. 2.3.1. da análise e avaliação do Projeto de Trabalho e da entrevista Respeitados os procedimentos definidos no artigo 5º da referida resolução, a Comissão, constituída a nível da Unidade Escolar, deverá concluir a análise e a avaliação dos Projetos de Trabalho e proceder às entrevistas necessárias, no período compreendido entre 17 e 20/03/2007. 2.4. Da divulgação do resultado final e publicação do ato de designação A Comissão constituída, a nível da unidade escolar, deverá, em 24/03/2008, apresentar o resultado final do processo seletivo, cabendo ao Dirigente Regional de Ensino, mediante Portaria de designação editada pelo Diretor da unidade escolar, publicar no D.O E., entre 24 a 26/03/20088, os atos designatórios. 3. Da Capacitação dos Professores Coordenadores designados Entre os dias 26 e 28/03/2008 haverá videoconferência destinada aos professores coordenadores designados, ocasião em que serão apresentadas as idéias, os conceitos e os materiais que fundamentam as novas propostas curriculares das áreas e disciplinas que integram as matrizes curriculares das diferentes séries dos ensinos fundamental e médio. 4. Do Planejamento Escolar de 2008 Para o Planejamento Escolar, a ocorrer nos dias 31/03/2008 e 01/04/2008, na conformidade dos eixos estruturantes das novas propostas curriculares, a Secretaria disponibilizará, aos novos Professores Coordenadores, materiais de apoio, com vídeos gravados pelos autores das propostas curriculares, contendo sugestão de atividades a serem desenvolvidas pelos professores, ao longo dos bimestres.
Instrução cenp - 1, de 10-1-2008
Procedimentos relativos ao processo de credenciamento de docentes para a função de professor coordenador do ciclo ii do ensino fundamental e ou do ensino médio, das escolas estaduais o coordenador de estudos e normas pedagógicas , entendimento ao contido no artigo 11 da res. se nº 88, de 19, publicada a 21/12/2007, que dispõe sobre a função gratificada de professor coordenador, expede as instruções que orientam as diretorias de ensino, na organização desse processo.
1. do universo a ser atingido
* a prova de credenciamento a ser realizada se aplica, exclusivamente, aos professores que, atendidos os requisitos de habilitação para o exercício da função de professor coordenador relacionados no artigo 4º da referida resolução, visam a exercer a função de professor coordenador no ciclo ii do ensino fundamental ou no ensino médio.
* aplicam-se aos centros estaduais de educação supletiva –- cees– os procedimentos contidos na presente instrução.
2. das etapas do processo de seleção:
2.1. do período de inscrição:
o docente candidato deverá se inscrever no período de 07 a 15 de fevereiro de 2008, na diretoria de ensino da unidade escolar em que pretende exercer a função de professor coordenador do ciclo ii do ensino fundamental e ou do ensino médio, por meio de formulário eletrônico a ser disponibilizado on line.
2.2. da prova de credenciamento
2.2.1. da data e local de realização da prova:
a prova do credenciamento será realizada no dia 01/03/2008, às 8h30 em local a ser indicado pela diretoria de ensino e terá a duração de 02 (duas) horas.
2.2.2. das características da prova
a prova será elaborada pela see e será constituída por 20 (vinte) questões de múltipla escolha, versando sobre as propostas curriculares e as metodologias de todas as áreas e disciplinas do ciclo ii do ensino fundamental e ensino médio, com especial destaque à abordagem de habilidades, competências, interdisciplinaridade e processo de avaliação do rendimento escolar, na conformidade dos referenciais da prova constantes
do item 2.2.4 .
cada questão valerá 05 (cinco) décimos, passando a ser considerado credenciado o candidato que tiver obtido, em uma escala de zero a dez, no mínimo, 5(cinco) pontos.
2.2.3. das condições de realização da prova o candidato deverá comparecer ao local de realização da prova, 30 (trinta) minutos antes de seu início, munido de documento original de identidade e de caneta esferográfica azul ou preta.
o candidato não poderá entrar na sala de prova, após o horário estabelecido para seu início, podendo dela sair após decorridos sessenta minutos do tempo de duração previsto.
não haverá revisão de provas.
2.2.4. dos referenciais da prova
os documentos/textos que servirão de base para a elaboração das questões que integrarão a prova escrita, –vide anexo– estarão disponibilizados no site da secretaria da educação – www.educação.sp.gov.br - link “são paulo faz escola”.
2.2.5. da correção, avaliação e divulgação dos resultados
a correção da prova será feita eletronicamente e os resultados estarão disponibilizados no site da secretaria da educação, no dia 04/03/2008.
a lista dos candidatos credenciados não será classificatória.
2.3. da apresentação do projeto de trabalho e da
entrevista: fundamentados nos textos indicados para a prova de credenciamento, os professores devidamente credenciados deverão, no período de 04 a 14/03/2008, entregar na unidade escolar em que pretendem exercer a função, o projeto de trabalho a ser avaliado pela comissão constituída pelo diretor da unidade escolar e pelo supervisor de ensino.
2.3.1. da análise e avaliação do projeto de trabalho e da entrevista
respeitados os procedimentos definidos no artigo 5º da referida resolução, a comissão, constituída a nível da unidade escolar, deverá concluir a análise e a avaliação dos projetos de trabalho e proceder às entrevistas necessárias, no período compreendido entre 17 e 20/03/2007.
2.4. da divulgação do resultado final e publicação do ato de designação
a comissão constituída, a nível da unidade escolar, deverá, em 24/03/2008, apresentar o resultado final do processo seletivo, cabendo ao dirigente regional de ensino, mediante portaria de designação editada pelo diretor da unidade escolar, publicar no d.o e., entre 24 a 26/03/20088, os atos designatórios.
3. da capacitação dos professores coordenadores designados entre os dias 26 e 28/03/2008 haverá videoconferência destinada aos professores coordenadores designados, ocasião em que serão apresentadas as idéias, os conceitos e os materiais que fundamentam as novas propostas curriculares das áreas e disciplinas que integram as matrizes curriculares das diferentes séries dos ensinos fundamental e médio.
4. do planejamento escolar de 2008
para o planejamento escolar, a ocorrer nos dias 31/03/2008 e 01/04/2008, na conformidade dos eixos estruturantes das novas propostas curriculares, a secretaria disponibilizará, aos novos professores coordenadores, materiais de apoio, com vídeos gravados pelos autores das propostas curriculares,
contendo sugestão de atividades a serem desenvolvidas pelos professores, ao longo dos bimestres.

lição bem-feita
Um novo ranking revela escolas estaduais de ótimo ensino. elas serão premiadas por isso a educação brasileira costuma chamar atenção no cenário internacional por dois motivos – um bom e outro ruim. o negativo diz respeito ao nível do ensino. entra ranking, sai ranking, e o brasil aparece invariavelmente nas últimas posições. o outro motivo para o país sobressair diante dos demais é positivo e merece destaque. poucos países possuem um sistema para aferir a qualidade do ensino tão abrangente e eficaz. ele permite rastrear com precisão as dificuldades em sala de aula e chegar, enfim, a um diagnóstico dos problemas. até então, no entanto, os dados serviram basicamente para subsidiar os teóricos – e quase nenhum uso se fez deles no campo prático. o ministério da educação (mec) deu um notável passo adiante ao criar um sistema segundo o qual as escolas públicas passarão a ter metas de desempenho e serão cobradas por isso, justamente com base nas avaliações. algo semelhante acaba de ser anunciado pela secretaria estadual de educação em são paulo – e surpreendeu os observadores por ser ainda mais radical nas medidas. neste caso, as escolas não só terão objetivos concretos a atingir como, ainda, uma expressiva melhora no nível das aulas será premiada com bônus de até três salários a mais por ano para cada funcionário. diz a secretária de educação, maria helena guimarães: "só com um sistema capaz de reconhecer o talento das pessoas é possível sonhar com um bom ensino. funciona assim em outros países".
Uma das bases para o novo monitoramento das escolas em são paulo será o saresp, uma prova de matemática e leitura aplicada a 2 milhões de estudantes. ela existe desde 1996, mas pela primeira vez o governo decidiu divulgar as notas das escolas (veja as campeãs no ranking). esse novo levantamento – a partir do qual o progresso dos colégios será medido – primeiro reforça a idéia de decadência do ensino. o pior resultado foi em matemática. ao final do ensino fundamental, os estudantes tiraram nota 3,3. isso numa escala de zero a 10. além de ter dado números às notórias deficiências, outro mérito do saresp foi jogar luz sobre um raro conjunto de escolas públicas em que o ensino é de ótimo nível. com isso, propagam-se exemplos como o da escola theresa de arruda bailão, de serra negra, município de 25.000 habitantes no interior do estado. ela é a melhor do ranking. os alunos de lá, na maioria filhos de agricultores sem quase nenhum estudo, têm seus horizontes ampliados com a ajuda da diretora ivone pereira, há 25 anos em escolas públicas. com um ônibus cedido pela prefeitura e dinheiro arrecadado em festas na escola, ela passou a levar as crianças para exposições de arte e bibliotecas. foi a chance de jonas carra, 8 anos, e de alguns de seus amigos de pisar pela primeira vez num cinema. "essa escola é o máximo", diz o menino.
Um levantamento nos dez colégios do topo da lista revela a aplicação disciplinada de uma fórmula simples e eficiente. além de diretores dispostos a encontrar soluções caseiras para a crônica falta de dinheiro, eles contam com professores bem treinados, prédios sem luxos mas bem-cuidados, incentivos variados à leitura e pais participantes da vida escolar. no colégio marechal mallet, em campinas, outro dos campeões, a diretora, maria emília gasparetti, é sempre a primeira a chegar e a última a sair. ela traduz o clima predominante nas escolas em destaque no ranking: "todo mundo aqui sabe que está fornecendo às crianças um serviço, e, como qualquer outro, ele deve ser o mais personalizado possível". É algo raríssimo de ver no cenário das escolas brasileiras.
Em comparação com a média, os professores nesses oásis de bom ensino são visivelmente mais animados – e preparados – para o exercício da profissão, mas não ganham um centavo a mais por isso. no geral, eles dizem sentir-se "reconhecidos" e "incentivados" por iniciativas cuja maior qualidade é a simplicidade. em serra negra, a diretora corre atrás de cursos de treinamento para os professores e organiza pessoalmente, para cada um, pastas nas quais inclui novos estudos sobre práticas pedagógicas e rankings de ensino. com o programa de premiação às melhores escolas, eles passarão, enfim, a receber um incentivo concreto pelos resultados alcançados na sala de aula. tem funcionado em outros países. o estudo mais abrangente sobre o assunto foi feito pelo americano eric hanushek, doutor em economia da universidade stanford. ele calculou o efeito das várias medidas para melhorar o nível de ensino, entre elas o aumento do salário dos professores. concluiu que nenhuma outra produz tanto impacto positivo quanto um sistema de cobrança de resultados e premiação ao mérito. mais uma razão para prestar atenção na experiência de São Paulo.

PROPOSTA PEDAGÓGICA E AUTONOMIA DA
ESCOLA
José Mário Pires Azanha
Notas preliminares
Em 1932, foi dado a público um documento que se tornou famoso e ficou conhecido como "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova`. É um texto longo, dirigido ao povo e ao governo, que contém não apenas uma discussão de alguns aspectos da educação em
geral, mas que também pretende estabelecer um roteiro para "a reconstrução educacional no Brasil". O redator foi Fernando de Azevedo, mas os signatários foram, além do autor, mais 25 homens e mulheres de alta expressão na vida nacional, dentre os quais vale destacar os grandes educadores Anísio Teixeira, Sampaio Dória, Lourenço Filho e Almeida Jr. Esse documento teve uma continuada repercussão na educação brasileira em geral e na educação paulista em particular, durante pelo menos 30 anos. Se percorrermos suas dezenas de páginas ainda será possível encontrar algumas análises que não perderam valor e, até mesmo, a indicação de algumas soluções interessantes de problemas educacionais que permanecem até hoje. Contudo, outros eram os tempos e outra a mentalidade. No longo documento, a palavra "autonomia" aparece duas ou três vezes e apenas para indicar a conveniência de que, além das verbas orçamentárias, fosse constituído um fundo especial destinado exclusivamente a atender empreendimentos educacionais que assim ficariam a salvo de injunções estranhas à questão educacional.
Em 1933, o mesmo Fernando de Azevedo redigiu um outro documento, o "Código de Educação do Estado de São Paulo" (Decreto n°- 5.884 de 21 de abril de 1933) que reorganizava todo o sistema de ensino do Estado. Na sua abrangência incluía desde a organização administrativa e pedagógica das escolas rurais isoladas até a das escolas de
formação do professor primário e do professor secundário. Além disso, o Código também
dispôs sobre a organização administrativa e técnica do antigo Departamento de Educação, único órgão a cuidar das questões educacionais do Estado na epoca. Contudo, nos seus quase mil artigos (992), o Código, em uma única vez, disse que o professor deveria ter "autonomia didática dentro das normas técnicas gerais indicadas pela pedagogia contemporânea" (art. 239). Sobre a autonomia da própria escola nenhuma referência.
Em tempos mais recentes, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n°-
4.024/61 e lei n°- 5.692/71), embora sem usarem a palavra "autonomia", fixaram. A norma de que cada estabelecimento, público ou particular, deveria organizar-se por meio de regimento próprio. Na Lei n' 4.024 essa norma estava no art. 43, que foi revogado pela Lei n°- 5.692/71 mas que manteve no seu corpo a norma do regimento próprio. Neste rápido esboço pode-se perceber que, desde o "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova" até a Lei n°- 5.692/71, o uso da palavra "autonomia" foi escasso nos documentos educacionais e, em nenhum momento, teve um significado que fosse mobilizador do magistério e indicativo de uma direção na solução de problemas educacionais. Até mesmo a norma do regimento próprio de cada escola que a Lei n°- 5.692/71 manteve no parágrafo único do seu art. 22 foi, na prática, cancelada nos arts. 7(l e 81, nos quais se permitiu a adoção de regimento comum pelas administrações de sistemas de 18 ensino. E esse cancelamento efetivamente ocorreu em São Paulo, tanto no nível do Município como no do Estado, onde foram instituídos regimentos comuns para as respectivas redes escolares. Ainda em São Paulo, em 1983, um texto oficial da Secretaria de Estado da Educação' focalizou, pela primeira vez, a questão da autonomia de maneira direta e com muita ênfase. Nesse documento, que foi sobretudo uma convocação do magistério do Estado para uma ampla discussão de alguns problemas educacionais, a questão da autonomia da escola apareceu entrelaçada com a do regimento próprio, mas não se confundindo com ele. Aliás, este é um ponto muito importante que, quando é perdido de vista, dá ao problema da autonomia uma solução simplista que esvazia de interesse educativo a própria exigência da autonomia. A partir de então, o problema da autonomia tem aparecido cada vez com maior freqüência nos documentos oficiais sem, contudo, significativas conseqüências práticas. Como se pode ver, o tema da autonomia, desde o Manifesto dos Pioneiros, sempre mereceu escassa atenção e quando havia alguma, ela não ultrapassava o nível de uma reivindicação de maior liberdade regimental. No máximo, reivindicava-se maior liberdade dos professores com relação ao diretor e da escola com relação a outras instâncias administrativas. Mas, afinal de contas, liberdade para quê? Esta, que é a questão essencial, não tem sido suficientemente examinada nem respondida. No entanto, só a resposta clara a essa questão poderá situá-la nos seus devidos termos, já que a autonomia da escola apenas ganha importância se significar autonomia da tarefa educativa. Se não for assim, o assunto se reduz a uma mera questão regimental. É claro que regimentos escolares são importantes para organização e disciplina de rotinas escolares, mas não podemos confundir autonomia da escola com a existência de um regimento próprio. Aliás, regimento escolar é apenas uma condição administrativa para as tarefas essenciais da escola entendidas como a elaboração e a execução de um projeto pedagógico. E um projeto, como disse Castoriadis, é a "intenção de uma transformação do real guiada por uma representação do sentido dessa transformação e levando em conta as condições dessa realidade".


A questão da autonomia na nova LDB
Com relação a esse tema, a Lei ri,, 9.394/96 representa um extraordinário progresso, já
que pela primeira vez autonomia escolar e projeto pedagógico aparecem vinculados num
texto legal. O Artigo 12 (inciso I) estabelece como incumbência primordial da escola a elaboração e execução de seu projeto pedagógico e os Artigos 13 (inciso I) e 14 (incisos I e II) estabelecem que esse projeto é uma tarefa coletiva, na qual devem colaborar professores, outros profissionais da educação e as comunidades escolar e local.
Além dessas referências explicitas sobre a necessidade de que cada escola elabore e execute o seu próprio projeto pedagógico, a nova lei retomou no Art. 32 (inciso III), como princípio de toda educação nacional, a exigência de "pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas" que, embora já figure na Constituição Federal (Art. 205, inciso
III), nem sempre é lembrado e obedecido. A relevância desse princípio está justamente o
fato de que ele é a tradução no nível escolar do próprio fundamento da convivência democrática que é a aceitação das diferenças. Porque o simples fato de que cada escola,
no exercício de sua autonomia, elabore e execute o seu próprio projeto escolar não elimina o risco de supressão das divergências e nem mesmo a possibilidade de que existam práticas escolares continuamente frustradoras de uma autêntica educação para
a cidadania. Na verdade, a autonomia escolar desligada dos pressupostos éticos da tarefa educativa poderá até favorecer a emergência e o reforço de sentimentos e atitudes
contrários à convivência democrática.
A autonomia da escola numa sociedade que se pretenda democrática é, sobretudo, a possibilidade de ter uma compreensão própria das metas da tarefa educativa numa democracia. Sem essa possibilidade, não há como falar em ética do professor e em ética da escola, e sem isso, a autonomia deixa de ser uma condição de liberdade e pode até ser facilitadora da opressão. Sem liberdade de escolha, professores e escolas são simples executores de ordens e ficam despojados de uma responsabilidade ética pelo trabalho educativo. Nesse caso, professores e escolas seriam meros prestadores de serviços de ensino, de quem até se pode exigir e obter eficiência mas não que respondam eticamente pelos resultados de suas atividades. Como se vê, o tema de autonomia escolar é extremamente complexo já que, em seu nome, é possível também criar condições para edificação de um ambiente autoritário e opressivo resguardado por um regimento próprio. É claro que essa possibilidade é maior em estabelecimentos isolados do que naqueles que integram uma rede pública, pois neste caso, mesmo quando há regimentos próprios, sempre há um mínimo de diretrizes e de normas externas de acompanhamento, garantidoras de que a autonomia não favoreça um isolamento eventualmente indesejável do ponto de vista dos valores mais amplos de uma sociedade democrática. É a partir desse quadro, em que se mesclam possibilidades negativas e positivas, que pretendemos adiantar algumas considerações sobre a questão da autonomia escolar no que diz respeito ao projeto pedagógico.


O projeto pedagógico na escola pública
A questão da autonomia escolar e de seu desdobramento num projeto pedagógico é, como problema, típico da escola pública que, a não ser em raríssimas exceções, integra uma rede de escolas e, por isso, está sempre sujeita a interferências de órgãos externos responsáveis pela organização, administração e controle da rede escolar. Essa situação não é, em si mesma, negativa, mas freqüentemente acaba sendo, porque órgãos centrais, com maior ou menor amplitude, tendem a desconhecer a peculiaridade de distintas situações escolares e decidem e orientam como se todas as unidades fossem idênticas ou muito semelhantes. A conseqüência mais óbvia e indesejável de tentativas de homogeneização daquilo que é substantivamente heterogêneo é o fato de que as escolas ficam ou sentem-se desoneradas da responsabilidade pelo êxito de seu próprio trabalho, já que ele é continuamente objeto de interferências externas, pois ainda que essas interferências sejam bem intencionadas não levam em conta que a instituição "escola pública" é uma diversidade e não uma unidade. É aí que reside um grave problema da escola pública e é para resolvê-lo que se reivindica a autonomia do estabelecimento na elaboração e execução do projeto escolar próprio.
Hoje, a própria lei reconhece o problema e indica a solução genérica, mas na sua implementação o problema pode reviver e até se agravar pelo risco de que órgãos da administração entendam que convém estabelecer normas, prazos e especificações para que as escolas cumpram uma nova exigência legal: a do projeto pedagógico. Se isso acontecer - e o risco sempre existe - aquilo que poderia ser um caminho para a melhoria
do ensino público transforma-se em mais uma inútil exigência burocrática de papelada ser preenchida. O projeto pedagógico da escola é apenas uma oportunidade para que algumas coisas aconteçam e dentre elas o seguinte: tomada de consciência dos principais problemas da escola, das possibilidades de solução e definição das responsabilidades coletivas e pessoais para eliminar ou atenuar as falhas detectadas. Nada mais, porém isso é muito e muito difícil. Não obstante a insistente e cansativa retórica sobre a necessidade do trabalho participativo e a imposição de órgãos escolares que reúnem professores, pais e alunos, não há geralmente, a tradição de um esforço coletivo para discutir, analisar e buscar soluções no âmbito das escolas. Cada vez há mais reuniões e cada vez mais elas são menos produtivas. Sem querer simplificar o problema, temos a convicção que uma das variáveis mais relevantes para compreender as razões das dificuldades de um trabalho escolar coletivo, na nossa tradição, está na própria formação do professor, especialmente, tal como é feita nos cursos de licenciatura, desde a sua criação. Esses cursos foram organizados a partir de uma concepção do trabalho docente, como se este consistisse simplesmente em ensinar alguma coisa para alguém. Para realizar com êxito essa tarefa, o futuro professor - um meio especialista em alguma disciplina - aprende algumas noções de didática geral e especial, de psicologia da aprendizagem e de legislação. A parte prática da formação é, supostamente, completada por estágios junto a um professor da disciplina em questão. No fundo, essa formação pressupõe que o professor será um preceptor que deverá ensinar algo a alguém numa relação individualizada. Não se trata de fazer uma caricatura, mas de propor uma hipótese, a de que nossos cursos de licenciatura ainda não conseguiram focalizar a relação educativa no ambiente em que ela realmente ocorre, isto é, na sala de aula que, por sua vez, integra-se numa escola. O chamado "processo ensino/ aprendizagem", por exemplo, é uma abstração. O professor individual que ensina e o aluno individual que aprende são ficções. Seres tão imaginários como aqueles a que se referem expressões como "homo oeconomicus" ou "aluno médio" ou "sujeito epistêmico" e outras semelhantes. Não se trata de por em dúvida a necessidade teórica e prática de expressões estatísticas ou abstratas, mas da utilidade que elas possam ter para orientar práticas de ensino muito pouco conhecidas que ocorrem em situações escolares muito diferentes. Por exemplo, é muito freqüente ouvir-se que houve uma deterioração da escola pública a partir de sua maciça expansão nos últimos trinta anos. Essa alegação aparentemente banal e simples, tem contudo uma pressuposição altamente discutível e provavelmente falsa. Trata-se da idéia de que havia uma instituição social chamada "escola pública" que cumpria a contento certas funções sociais e que, agora, essa mesma instituição está malogrando com relação a essas mesmas funções. Em resumo: pressupõe-se que as entidades "escola pública de trinta anos atrás" e "escola pública de hoje" sejam a mesma instituição, que antes cumpria bem as suas funções e agora não.
Foucault aconselhava a desconfiar das continuidades históricas. Seguindo esse conselho, poderíamos perguntar: de que critérios dispomos para afirmar a identidade institucional entre a escola de ontem e a escola de hoje? Nenhum, a não ser que inconscientemente comparemos uma instituição social com um organismo que, com o tempo, envelhece ou degenera. De um vegetal ou de um animal, podemos dizer que com o tempo eles envelhecem ou degeneram e que esse processo pode ser acelerado ou retardado por condições internas ou externas. Mas instituições sociais não são organismos e é muito discutível considerá-las, metaforicamente, como tais. Sem nenhuma dúvida, a instituição escolar de ontem é diferente da instituição escolar de hoje, mudou a clientela, mudaram os professores, mudaram práticas escolares, etc.
Mudaram também valores, condições sociais, políticas, econômicas, etc. Quando ignoramos esse quadro amplo de mudanças e afirmamos que a escola se deteriorou e que a causa foi a expansão de matrículas, estamos apenas fazendo um lance retórico que não avança nem um pouco na compreensão das mudanças ocorridas. Na escola de ontem, o professor e seus poucos alunos tinham a mesma extração social e partilhavam
valores e maneiras de viver. Cabia aí, talvez, entender, até certo ponto, a função docente à semelhança de uma preceptoria. Aliás, numa perspectiva histórica, pode-se dizer que o preceptorado foi a atividade fundadora da docência escolar tal como ela se consolidou. Na antiga Grécia, os sofistas foram na verdade os primeiros professores, no sentido em que até hoje entendemos a profissão'. Eles não eram investigadores da verdade, mas antes "homens de ofício, cujo êxito comercial comprovava o valor intrínseco e a eficácia social"4 de seu ensino. Mediante um pagamento, por vezes elevado, eles ensinavam grupos de jovens numa relação de "preceptorado coletivo", conforme a expressão de Marrou. Essa relação pedagógic i preceptoral desde sua origem foi uma relação educativa de elite, refluindo a cada expansão da escola onde a relação era outra. Ao longo dos séculos, cada vez mais, a presença do preceptor foi sendo distintiva de casas reais, nobreza, grande burguesia e outros afortunados. Já no fim do século passado, H. Durand dizia que o preceptorado é "um assunto mais vasto do que parece, ele diz respeito inteiramente ao problema da escolha entre a educação particular e a educação pública", isto é, entre educação de elite e educação popular. Hoje, a própria instituição da preceptoria desapareceu como instituição educativa, mas não sem deixar vestígios na pedagogia, nas teorias da aprendizagem e na própria concepção do professor. De qualquer modo seria ocioso comparar em termos de eficiência, práticas preceptoriais com práticas escolares. Tratam-se de elementos próprios de relações pedagógicas que tiveram origem em situações sociais distintas nas quais prevaleciam concepções de educação diferentes'. No entanto, até hoje a concepção do professor, principalmente do licenciado, é tributária dos ideais educativos associados à figura e ao papel do preceptor. Por isso, talvez, é que continuamos a insistir numa formação docente preceptorial na qual além do domínio da disciplina a ensinar, prevalece uma visão psicológica do educando. Mesmo os elementos didáticos que se associam a essa formação são condicionados por essa visão. Contudo, sabemos que nisso reside, talvez, uma dificuldade séria, para que esse professor, supostamente preparado para um trabalho de ensino individualizado, compreenda que a tarefa educativa da escola tem desafio que ultrapassa os limites do ensino e aprendizagem de disciplinas.
Voltando ao ponto de partida: a escola pública é uma instituição social muito específica
com uma tarefa de ensino eminentemente social que, por isso mesmo, exigiria um esforço coletivo para enfrentar com êxito as suas dificuldades porque essas dificuldades
são antes institucionais que de cada professor. Mas, de fato o que se tem é um conjunto
de professores preparados bem ou mal, para um desempenho individualizado e que, por
isso, resistem à idéia de que os próprios objetivos escolares são sócioculturais e que até
mesmo o êxito no ensino de uma disciplina isolada deve ser aferido em termos da função social da escola. Esse impasse foi claramente sintetizado por Gusdorf quando disse que o professor de latim precisa compreender que antes de ser professor de latim ele precisa ser professor, isto é, ele é membro de uma comunidade escolar com objetivos e um alcance social que vão além do ensino de qualquer disciplina.
Tentamos mostrar que, em geral, a formação do licenciado se faz a partir da idéia de que o bom professor é aquele capaz de ensinar bem a disciplina de sua escolha. Como vimos, isso porém não basta. Não é raro encontrar-se um bom corpo docente numa escola ruim. Contudo, para melhorar as escolas consideradas ruins a Administração Pública, em todos os níveis tem investido substancialmente no aperfeiçoamento do pessoal docente.
a) É claro que essas iniciativas são interessantes porque traduzem uma preocupação com o aperfeiçoamento do magistério e com a melhoria da qualidade do ensino. Contudo, há pontos que merecem alguns reparos. Tentaremos fazer esses reparos pela proposição de algumas perguntas. Será que o aperfeiçoamento do pessoal docente, em exercício, deve ser feito pela freqüência a cursos? Na verdade, a resposta a essa questão exige uma qualificação prévia. Se os objetivos desses cursos forem a modificação da própria prática docente, a resposta mais adequada será, provavelmente, não. Por algumas razões. A eventual melhoria das práticas docentes exigiria um adequado conhecimento dessas próprias práticas e das condições em que elas ocorrem. E esse conhecimento raramente é disponível para os especialistas que ministram os cursos, simplesmente porque o assunto não tem sido objeto de pesquisas sistemáticas e continuadas. Como melhorar práticas que são desconhecidas? É claro que, em alguns casos, o longo tirocínio do especialista, que ministra o curso, poderá permitir suprir precariamente um inexistente conhecimento sistemático. Mas, uma política de aperfeiçoamento de pessoal não pode depender de tais eventualidades'.
b) Outra pergunta, outro reparo. O que há de comum entre os professores de uma mesma disciplina, mas de diferentes escolas, que são reunidos em dezenas ou centenas para serem aperfeiçoados? O simples fato de que lecionam a mesma disciplina não significa que tenham as mesmas dificuldades e que enfrentem os mesmos problemas. Na verdade, os esforços de aperfeiçoamento do magistério usualmente repetem e eventualmente agravam os equívocos já presentes na formação acadêmica, ignorando que a entidade que deve ser visada é a escola e não o professor isolado. Voltemos brevemente a esse ponto. O professor que ensina numa escola é um profissional sui-generis3. Diferentemente de outras situações profissionais o exercício da profissão de ensinar só é possível no quadro institucional da escola. O fato eventual de que se ensine particularmente fora da escola não é relevante para caracterizar o professor. Qualquer especialista numa disciplina poderia fazer isso. No caso do médico ou do advogado, por exemplo, a situação é diferente. Esses profissionais podem exercer a sua profissão tanto particularmente como num quadro institucional, e essas diferentes perspectivas profissionais são levadas em conta na respectiva informação. É possível que um professor isolado se aperfeiçoe no conhecimento de sua disciplina mas não enquanto professor de uma dada escola. Neste último caso, o aperfeiçoamento do professor precisa ocorrer no quadro institucional em que ele trabalha, já que as dificuldades de seu trabalho de ensino, apenas eventualmente serão metodológicas ou didáticas. Não fosse assim, não se compreenderia que o bom professor em uma escola seja mau numa outra ou vice-versa. No entanto, isso é freqüente.
Enfim, a melhoria do ensino é sempre uma questão institucional e uma instituição social, como é a escola, é mais do que a simples reunião de professores, diretor e outros
profissionais. A escola, ou melhor, o mundo escolar é uma entidade coletiva situada um
certo contexto, com práticas, convicções, saberes que se entrelaçam numa história própria em permanente mudança. Esse mundo é um conjunto de vínculos sociais fruto
da adesão ou da rejeição de uma multiplicidade de valores pessoais e sociais. A idéia de um projeto pedagógico, visando a melhoria desse mundo com relação às suas práticas específicas, será uma ficção burocrática se não for fruto da consciência e do esforço da coletividade escolar. Por isso, é ela, a escola, que precisa ser assistida e orientada sistematicamente e seus membros temporários, que são os professores, não devem ser aperfeiçoados abstratamente para o ensino de sua disciplina, mas para a tarefa coletiva do projeto escolar.


Considerações finais
Berger e Luckmann disseram, no livro "A construção social da realidade", que a integração interna de uma instituição social depende em grande parte do "conhecimento
primário" que os seus membros têm a respeito da própria instituição. Por "conhecimento primário" eles se referem às práticas, num sentido amplo, que se traduzem nas rotinas, nos saberes, nas crenças e nos valores que impregnam as relações sociais e definem papéis e expectativas no quadro institucional'.
Essas idéias são importantes para o que nos interessa neste trabalho porque o projeto pedagógico é no fundo, um esforço de integração da escola num propósito educativo comum, a partir da identificação das práticas vigentes na situação institucional. Não apenas as práticas estritamente de ensino, mas também todas aquelas que permeiam a convivência escolar e comunitária. É de todo esse universo de "práticas discursivas" e "não discursivas" que é preciso tomar consciência para compatibiliza-as com os valores de uma educação democrática.
Num projeto pedagógico tudo é relevante na teia das relações escolares, porque todas elas são potencialmente educativas ou deseducativas. Ensinar bem, por exemplo, não é
apenas ensinar eficientemente uma disciplina, mas é também o êxito em integrar esse ensino aos ideais educativos da escola. Enfim, o importante é a motivação e o empenho comum numa reflexão institucionalmente abrangente e o firme propósito de alterar práticas nos sentidos indicados por essa reflexão. Para isso, não há fórmulas prontas e convém não esperar auxílio de uma inexistente "ciência dos projetos" ou de roteiros burocratizados. Elaborar o projeto pedagógico é um exercício de autonomia.


Autonomia da Escola, um Reexame(2)
" ‘A democracia não é o reino do número, é o reino do direito.'(..) não há tirania legítima; e a força do número não pode criar o mais elementar direito. O direito está na igualdade."
(ALAIN - POLITIQUE)

Segundo Arthur LOVEJOY - um eminente historiador da Filosofia -, a mentalidade de uma época é apreensível a partir de diversos caminhos. Um desses caminhos possíveis poderia iniciar-se pela identificação daquelas palavras que num determinado período aparecem como indispensáveis na discussão de certos problemas. Essas palavras tornam-se "sagradas", no dizer de LOVEJOY. Isso ocorre porque a palavra, por um ou mais de seus significados, "está de acordo com as crenças prevalecentes, com a escala de valores e com os gostos de uma determinada época"(3). Nessas condições, a análise dos usos das palavras sagradas de um determinado período permitiria a captação dos sentimentos e dos valores que se associaram a esses usos e que, por isso mesmo, impregnaram a mentalidade da época.
Transpondo essas idéias para o campo da Educação brasileira atual, acreditamos que será possível apreender grande parte da mentalidade pedagógica recente se a atenção for focalizada nos usos de algumas palavras como "autonomia", "gestão democrática", "participação" e outras correlatas. Porque essas palavras se tornaram "sagradas" e, como tais, portadoras, nos seus usos, das crenças, dos valores e dos modismos intelectuais que condicionam as discussões e a proposição de soluções dos problemas educacionais atuais.
Quem, no Brasil de hoje, teria a ousadia de colocar-se contra a autonomia da Escola ou de pôr em dúvida a conveniência de sua gestão democrática? Quem teria a temeridade de afirmar que a insistência na participação comunitária na vida da Escola pode ser, em 1 Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo - USP, e Professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo -FEUSP.
Tomemos para exemplo a palavra "autonomia" aplicada à situação escolar e examinemos a trajetória de suas variações de significado em alguns documentos importantes na história da Educação brasileira, particularmente em São Paulo. '
Em 1932, veio a público um documento que se tornou famoso, ficando conhecido como "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova"(4). É um texto longo, dirigido ao povo e ao Governo, que não apenas contém uma discussão de alguns aspectos da Educação em geral, mas também pretende estabelecer um roteiro para "a reconstrução educacional no Brasil". O redator foi Fernando de AZEVEDO, mas os signatários foram, além do autor, mais 25 homens e mulheres de alta expressão na vida nacional, dentre os quais vale destacar os grandes educadores Anísio TEIXEIRA, Sampaio DÓRIA, Lourenço FILHO e ALMEIDA JR.
Esse documento teve, durante pelo menos trinta anos, uma continuada repercussão na Educação brasileira em geral e na Educação paulista em particular. Se percorrermos suas dezenas de páginas, será possível encontrar algumas análises que não perderam valor e até mesmo a indicação de algumas soluções interessantes de problemas educacionais que ainda permanecem. Contudo, outros eram os tempos e outra a mentalidade. No longo documento, a palavra "autonomia" aparece duas ou três vezes e apenas para indicar a conveniência de que, além das verbas orçamentárias, fosse constituído um fundo especial destinado exclusivamente a atender empreendimentos educacionais que assim ficariam a salvo de injunções estranhas à questão educacional.
Em 1933, o mesmo Fernando de AZEVEDO redigiu outro documento - o "Código de Educação do Estado de São Paulo" (Decreto n(o) 5.884, de 21 de abril de 1933) – que reorganizava todo o Sistema de Ensino do Estado. Na sua abrangência incluía desde a organização administrativa e pedagógica das escolas rurais isoladas até a das escolas de formação do professor primário e secundário. Além disso, o Código também dispôs sobre a organização administrativa e técnica do antigo Departamento de Educação, único órgão a cuidar das questões educacionais do Estado na época. Contudo, em seus quase mil artigos (992), o Código, numa única vez, cita que o professor deveria ter "autonomia didática dentro das normas técnicas gerais indicadas pela pedagogia Contemporânea" (art. 239). Nenhuma referência foi feita à autonomia da própria Escola. Em tempos mais recentes, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n(o) 5.692/71), embora sem usarem a palavra "autonomia", fixaram a norma de que cada estabelecimento, público ou particular, deveria organizar-se por meio de regimento próprio. Na Lei n(o) 4.024 essa norma estava expressa no art. 43, revogado pela Lei n(o) 5.692/71 mas que manteve em seu corpo a norma do regimento próprio.
Neste rápido esboço, pode-se perceber que desde o "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova" até a Lei N(o) 5.692/71 o uso da palavra "autonomia" foi escasso nos documentos educacionais, não tendo em nenhum momento um significado que fosse mobilizador do 4 Na verdade, esse é o subtítulo do documento A reconstrução educacional no Brasil, publicado em
1932 pele Companhia Editora Nacional.
Magistério e indicativo de uma direção na solução de problemas educacionais. Até mesmo a norma do regimento próprio de cada Escola que a Lei n2 5.692 manteve no parágrafo único do seu art. 2° foi, na prática, cancelada nos arts. 70 e 81, nos quais-se permite a adoção de regimento comum pelas administrações de sistemas de ensino. E esse cancelamento efetivamente ocorreu em São Paulo, ao nível tanto do Município como do Estado, onde foram instituídos regimentos comuns para as respectivas redes escolares.


A Autonomia Escolar no Âmbito do Município de São Paulo
No final do ano passado, tivemos a oportunidade de elaborar um parecer que, acolhido pelo Conselho Estadual de Educação, aprovou o regimento comum das escolas municipais de São Paulo. Desse parecer, convém transcrever aqui a parte em que se discute a idéia de autonomia da Escola em face de um regimento unificado:
"Um ponto preliminar é o próprio fato desta proposta pretender instituir um regimento comum a toda rede de escolas municipais. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n(o) 5.692, art. 2o.) dispõe que cada estabelecimento fixará em regimento próprio a sua organização didática e administrativa. A eventual adoção de regimento único para estabelecimentos oficiais de ensino foi permitida (art. 81), mas apenas em caráter provisório, porque o princípio é o do regimento próprio, pois é este que fixa a fisionomia e a identidade da escola. Porém, ao pretender o regimento comum, a
Administração do Ensino não se afastou da norma 'legal; porque essa pretensão tem fundamento na Deliberação CEE n(o) 33/72, que, ao fixar normas para a elaboração de regimentos dos estabelecimentos de ensino de 1o. e 2o. Graus, permitiu no seu art. 8o. que o regimento comum fosse estabelecido. Ilegal é esse art. 8o. que fica como um elemento estranho e dissonante no corpo da referida deliberação. Haja vista que, a própria Indicação CEE n° 511/72 que justificou à deliberação os seus propositores defenderam a doutrina da LDB e disseram que a 'intenção do legislador [foi] garantir-lhes [às escolas] a individualidade e a originalidade".
Na teoria, a posição doutrinária e, na prática, a permissão exigida por razões de conveniência política ou administrativa. Outra coisa não fez a Administração Municipal no discurso ("Exposição de Motivos"), senão a defesa da autonomia: "Sem democracia interna e autonomia, a escola abandona o seu papel básico de produção de conhecimento e criatividade, reproduzindo repetitivamente procedimentos, a partir de decisões tomadas de cima para baixo.".
Na prática, a proposta do regimento comum. Parafraseando o poeta que disse "a meia coragem é meia covardia", poderíamos dizer que a meia-ousadia é meia-timidez ou, ainda, que a meia-democracia é meio-autoritarismo.
O discurso da autonomia da Escola colide frontalmente com a instituição do regimento comum. Não porque a autonomia escolar tenha no regimento próprio a sua única expressão legítima, mas porque o regimento comum exonera a Escola de refletir sobre a sua própria organização. E, assim, exonerada dessa obrigação fundamental, a própria Escola, pela força da inércia, se autolibera de buscar, nos vazios do regimento comum, as oportunidades de iniciativas e de inovações que lhe restaram. Na verdade, hoje, o princípio da autonomia escolar transformou-se numa expressão vazia.
A adesão verbal de todos - políticos, administradores e professores - ao princípio retirou-lhe qualquer força operativa. A preocupação é estabelecê-lo na letra das normas. Nada mais. Nada se faz para desenvolver em cada Escola, em cada professor, a percepção de que o exercício da autonomia escolar é a única defesa contra os pacotes "orientadores" de órgãos centrais. O magistério como um todo precisa ser educado para esse exercício. É claro que a autonomia de cada Escola de uma Rede não exime a Administração do Sistema de Ensino da responsabilidade de fixar as diretrizes e as metas de uma política educacional. Mas, quando as escolas não têm sua autonomia e responsabilidades claramente definidas, a tendência da Administração é a de regulamentar em excesso e a das escolas, a de ficarem imobilizadas aguardando as ordens. No caso do projeto de regimento em exame, esse excesso fica ilustrado pelo fato de que em mais de uma dezena de pontos a ação dos órgãos ou agentes escolares fica na dependência de diretrizes, normas ou critérios da Secretaria Municipal de Educação(5).
Esse trecho do parecer que aprovou o regimento comum das escolas do Município de São Paulo aponta para um uso da expressão sagrada "autonomia da Escola" que a esvazia deseu significado pedagógico e a transforma num slogan. A autonomia deixa de significar uma condição de trabalho que as próprias escolas estabelecem, para ser algo outorgado por normas regimentais comuns a toda a Rede. A "Exposição de Motivos" que encaminhou a proposta regimental definiu a autonomia escolar como o ponto de partida de uma renovação educacional, mas situou fora da Escola a competência para tomar decisões que são básicas na própria rotina da vida escolar. Há aqui contradições que convém serem examinadas. Tome-se como exemplo a introdução de uma nova organização que substitui as tradicionais séries anuais por ciclos (inicial, intermediário e final), que abrangem períodos
mais amplos. Essa nova ordenação da vida escolar é uma diretriz e inspira-se numa visão política de graves problemas da Educação popular. Mas a inovação deve ter efeitos basicamente pedagógicos e, desse ponto de vista, é altamente defensável no seu propósito de ruptura de rotinas escolares que são insensíveis aos problemas das diferenças individuais e sociais nos ritmos de aprendizagem. Contudo, proposta a inovação, talvez se devesse deixar a cada Escola as discussões sobre o assunto e a decisão de aceitar ou não a idéia. Sem essa possibilidade de discutir e de optar, a alegação feita
na "Exposição de Motivos" - de que "Adotamos o principio da gestão democrática. Nela as principais decisões são tomadas pelo conjunto de pessoas envolvidas no processo educativo"(6) Parecer CEE n° 1.911/91, DO de 20/12/91. SECRETARIA Municipal de Educação, Regimento comum das escolas municipais de São Paulo ("Exposição de motivos"), texto mimeografado, nov. 1991, p. 2.
- soa como retórica vazia, pois a introdução de ciclos, no lugar de séries anuais, afeta profundamente a vida escolar em seus mais relevantes aspectos pedagógicos e deveria ser decidida no âmbito da Escola. A própria "Exposição de Motivos" afirmou que "a concepção de ciclo é uma noção pedagógica". Ora, divergências em matéria de noções pedagógicas são freqüentes e até devem ser estimuladas, pois essas noções são sempre questionáveis nas suas alegadas fundamentações científicas. Nessas condições, a atuação da Administração do Ensino, nesse caso e em outros semelhantes, deveria ser de esclarecimento e de orientação sobre as vantagens e desvantagens da substituição das séries anuais por ciclos mais alongados. No âmbito de cada Escola, os professores e pais - esclarecidos e orientados -discutiriam o assunto e tomariam a decisão final. E qualquer que fosse a decisão, ela refletiria compromissos pessoais e profissionais assumidos pela comunidade. Mas o que se fez foi a imposição de uma orientação pedagógica que é interessante, mas não inquestionável. Mais ainda, a orientação foi estabelecida juntamente com uma declaração de adesão da Administração do Ensino a uma particular concepção pedagógica. Disse a "Exposição de Motivos":
“A proposta de ciclos tem, além disso, como objetivo o enfrentamento do fracasso escolar, dentro de uma concepção construtivista (...)”(7).
Ora, à Administração Pública do Ensino, em qualquer nível, não cabe fazer opções em matéria de concepções pedagógicas, mas, sim, esclarecer, orientar e até mesmo impedir, caso a concepção pedagógica que se pretenda adotar possa, eventualmente, representar prejuízo à personalidade do educando ou afrontar valores sociais predominantes. Não convém, porém, que a Administração Pública desqualifique o seu papel essencialmente político fazendo opções pedagógicas. A opção construtivista pode e deve ser difundida, discutida e até mesmo defendida, mas não ser objeto de uma adesão por parte de uma Administração Pública de Ensino. Nem se deve alegar, no caso da Prefeitura de São Paulo, que houve discussões prévias sobre o assunto. Há questões que devem sempre permanecerem aberto para não abafar e eliminar divergências. A orientação pedagógica do ensino está dentre essas questões. Nunca se deve estabelecê-la por decreto ou por norma geral ainda que, num determinado momento, haja consenso quanto ao interesse de sua adoção, uma vez que esses consensos, com freqüência, são meramente circunstanciais. Cabe ainda observar que, no caso, a Administração Municipal não apenas ignorou aspectos relevantes do significado da autonomia escolar, como também infringiu o disposto no art. 206 da Constituição Federal, que, com sabedoria, estabeleceu "o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas" como um dos princípios obrigatórios do ensino.


A Autonomia Escolar na Rede de Escolas Estaduais
A primeira tomada de posição oficial com relação à autonomia da Escola, no âmbito da Secretaria Estadual da Educação, foi até certo ponto uma retomada daquela que apareceu no Documento n(o) 1 (Documento Preliminar para Reorientação das Atividades da Secretaria, 1983), discutido por todas as escolas do Estado e no qual se afirmava:
7 Ibidem, p. 9.
"Desde a Lei M 4.024/61 até a Lei n2 5.692/71 e também através de inúmeros pareceres e resoluções
dos Conselhos de Educação, vem se insistindo na autonomia da escola enquanto instituição educativa. Nem poderia ser de outro modo, porque atarefa educativa tem como pressuposto ético a autonomia de quem educa. Sonegada esta condição, a escola perde a sua autêntica feição educativa e transforma-se em instrumento de doutrinação. No entanto, infelizmente e não obstante as alegações
em contrário, as nossas escolas de 12 e 22 graus jamais tiveram a autonomia que a lei lhes conferiu.
Amordaçadas nos provisórios' regimentos únicos, as escolas foram castradas na sua autêntica função
educativa, porque os diretores e professores são simples funcionários burocráticos dos quais não se
exige que eduquem, mas que cumpram ordens. Em nome de uma alegada necessidade de disciplinar
'enquanto' as escolas não estiverem em condições de se organizar, o que temos não é a sadia diversidade do que é mesmo desigual, mas a apiastante uniformidade que pretende eliminar a possibilidade do erro, e que de fato elimina a responsabilidade. Não pode ser responsável perante o seu próprio trabalho quem não tem nenhuma autonomia de decisão. É preciso que as escolas públicas tenham a autonomia que a lei lhes confere. Não mais é possível que, nesse ponto, as escolas públicas sejam discriminadas das escolas particulares, cuja autonomia legal é respeitada. Já dizia Bacon que a verdade brotará mais facilmente do erro do que da confusão. É isso o que esperamos. As escolas públicas encontrarão o seu verdadeiro caminho, apesar dos eventuais erros, se eliminarmos a imensa e confusa interferência tecnocrática e administrativa que até agora vem tolhendo a sua ação e o seu relacionamento com as comunidades a que pertencem. Cabe à Administração, nesse particular, a ação orientadora e não a emasculação das potencialidades criativas. Não nos iludamos, porém, com a simples conquista da autonomia administrativa e didática fixada num regimento próprio. Este é apenas um momento de um projeto pedagógico mais amplo, que é a verdadeira razão de ser de uma escola democrática. Como dissemos anteriormente, a tarefa educativa tem como pressuposto ético a autonomia de quem educa. Esta autonomia do educador tem na autonomia regimental da escola apenas uma das condições de seu exercício, e não pode ser com ela confundida. A autonomia do educador - por paradoxal que possa parecer- é, hoje, num momento histórico de busca democrática, um comprometimento total com o ideal democrático de educação. Nessas condições, quando se insiste na autonomia da escola como uma das condições de melhoria do ensino, não podemos reduzir essa melhoria a um ensino simplesmente mais eficiente no seu conteúdo estritamente escolar. Para isso, não seria preciso reivindicar uma escola autônoma, até mesmo uma escola fortemente presa à regulamentos rígidos e impostos seria capaz de ser uma boa' escola. O fundamental é que a autonomia de nossas escolas públicas esteja impregnada de um ideal pedagógico que constitua a base de uma tarefa educativa, cuja excelência há de ser medida pela sua capacidade de instalar uma autêntica convivência democrática, e, por isso mesmo, de formar homens críticos, livres e criativos até mesmo a partir de condições sociais, políticas e econômicas adversas. Por isso, é preciso não perder de vista que a busca da autonomia da escola não se alcança com a mera definição de uma nova ordenação administrativa, mas, essencialmente, pela explicitação de um ideal de educação que permita uma nova e democrática ordenação pedagógica das relações escolares." Nesse documento, que foi sobretudo uma convocação do magistério do Estado para uma ampla discussão de alguns problemas educacionais, a questão da autonomia da Escola aparecia entrelaçada com a do regimento próprio, mas não se confundia com ele. Este é um ponto muito importante que, quando é perdido de vista, dá ao problema da autonomia uma solução mecânica que esvazia a exigência pedagógica da autonomia de todo o seu significado educativo. Aliás, esse é o ponto-chave da questão e merece, por isso mesmo, um exame mais cuidadoso neste momento em que a Secretaria da Educação do Estado inicia a Reforma do Ensino Público Estadual. No principal documento relativo a essa reforma dá-se relevo especial à questão da autonomia da Escola, focalizando-a nas suas dimensões pedagógica, administrativa e financeira. Documentos e medidas complementares procuram estabelecer as condições necessárias para que a opção pela autonomia torne-se realmente operativa. O problema do regimento comum é enfrentado quando se reconhece quê:
"O processo de implantação da Escola-padrão deverá ser precedido de revisão da legislação, no sentido de remover os obstáculos institucionais existentes à maior autonomia da escola, em especial do Regimento Comum das Escolas Estaduais e de resoluções da Secretaria da Educação que normatizam a vida escolar. ".

SECRETARIA de Estado da Educação, Programa de reforma do ensino público do Estado de São Pauto, 1991, p. 5.
Esse trecho do documento da Reforma merece uma leitura atenta, pois toca num ponto nevrálgico, que é o problema dos "obstáculos institucionais" à autonomia da Escola que estão não apenas no regimento comum, mas também e até principalmente em "resoluções da Secretaria da Educação que normatizam a vida escolar". Na verdade, o regimento comum é um obstáculo à autonomia, mas é um obstáculo relativamente imóvel porque estável. Nessas condições, ao longo do tempo, as escolas acabam conseguindo conviver com as normas regimentais e, muitas vezes, encontrando em suas lacunas veredas que permitem iniciativas autônomas. Contudo, ao poder emissor de normas dos órgãos centrais da Secretaria da Educação as escolas nada podem opor.
Embora a atual Administração Estadual tenha consciência de que a implantação das escolas-padrão deva ser complementada por uma reestruturação da própria Secretaria, a estratégia estabelecida para isso merece reparos, porque se quer aguardar a mudança da Escola para iniciar-se a mudança dos órgãos centrais. É de temer, contudo, que essa estratégia venha a ser um fator de perturbação e de resistência. Já em 1983 dizíamos que:
“A atual estrutura básica da Secretaria da Educação foi concebida e implantada para funcionar autocraticamente. Essa apreciação não é mera retórica. Para que se avalie a sua objetividade é suficiente assinalar o excesso de órgãos centrais e o pletórico elenco de suas atribuições. (..) A permanência dessa estrutura é obstáculo intransponível a um autêntico esforço democratizante. Há uma contradição entre a ação possível a partir da estrutura existente e a verdadeira autonomia da escola.”.
Estamos convencidos de que essa contradição existe de fato e todos sabemos que o desmonte de uma estrutura de poder não é fácil e também não é tarefa a ser adiada, porque este adiamento pode favorecer um aumento do poder de resistência. Nesse quadro, em face das providências já tomadas na área da Educação, embora não seja razoável pôr em dúvida a seriedade da atual Administração do Ensino, pode-se legitimamente temer que os propósitos de assegurar condições que garantam a autonomia da Escola sejam frustrados até mesmo pela força da inércia da máquina técnico-administrativa, invariavelmente desinteressada de um efetivo processo de descentralização. Há ainda outro ponto que merece comentários quanto aos atuais esforços em benefício da autonomia escolar. Trata-se do risco que há na transformação da autonomia da Escola num complicado processo de burocratização da vida escolar. Esse risco existirá se não houver um preparo adequado do magistério para conviver, sem novas aflições, com os novos procedimentos que visam à modernização das rotinas da vida escolar. "Plano Diretor", "Contrato de Gestão", "Caixa de Custeio" e um Conselho de Escola com amplas atribuições deliberativas poderão, eventualmente, transformar-se num pesadelo para a direção das escolas, se todo o magistério não for preparado para as novas responsabilidades que se quer introduzir. É preciso uma clara consciência, por parte da Administração Estadual, de que a autonomia não é algo a ser implantados(10), mas, sim, 9 Obstáculos Institucionais ã Democratização do Ensino em São Paulo, in: J. M. P. AZANHA, Educação, alguns escritos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1987, p. 138-9. A palavra "implantação" é usada várias vezes no documento oficial da Retoma.
“..a ser assumido pela própria Escola. Não se pode confundir, ou permitir que se confunda, a autonomia da Escola com apenas a criação de determinadas condições administrativas e financeiras. A autonomia escolar não será uma situação efetiva se a própria Escola não assumir compromissos com a tarefa educativa; com' relação a esse ponto é preciso lembrar, insistentemente, que o destino das reformas de ensino é decidido no interior das salas de aula. Modernizar as escolas é uma meta importante e cujo alcance é urgente, mas não podemos esquecer que a Escola não é uma empresa, portanto eventuais analogias e paralelismos apressados poderão induzir a erros. A Escola é uma instituição social que possui uma mentalidade própria, historicamente assentada, e que, por isso mesmo, desconfia da inovação e resiste à mudança. Conforme afirmamos numa outra ocasião:
“A nossa idéia de escola tem sido, muitas vezes, excessivamente simplificada”. Isso se revela, por exemplo, na própria noção de crise educacional que circula amplamente. É comum apontar-se como evidências da crise alguns resultados escolares como a reprovação e a evasão maciças no 1o. grau (...). Se
realmente esses 'fatos' são evidências da crise, a nossa concepção da escola é, inegavelmente, fabril, taylorista, porque apenas leva em conta os 'resultados' da empresa escolar. (...) Mas, indiscutivelmente, essa visão é muito parcial e muito simplista porque se atém aos `resultados' da instituição escolar. Ora, (...) esses resultados não têm a objetividade que se pretende, isto
é, eles são simples correlatos das maneiras como a vida escolar é praticada”". E a mudança das práticas escolares não é uma simples questão de levar novas tecnologias ao magistério. As práticas da vida escolar estão ligadas a uma mentalidade vigente. Por isso, dissemos que a questão da autonomia não se esgota num conjunto de condições. É preciso que a busca da autonomia seja, em cada Escola, uma oportunidade de revisão dos compromissos do magistério com a tarefa educativa.
Para finalizar, voltemos ao ponto inicial desta exposição, quando afirmamos que "autonomia" é uma palavra sagrada na discussão e na proposição de soluções para os problemas educacionais do momento. Vimos que desde o "Manifesto dos Pioneiros" a palavra "autonomia" passou a sofrer um alargamento de significados. Esse alargamento foi positivo em alguns pontos, mas de outra parte conferiu uma grande ambigüidade ao termo. Nem sempre é um mal que as palavras sejam ambíguas. LOVEJOY, no texto já citado, disse que "a capacidade que as palavras têm de atuar sobre a história como forças independentes se deve em boa parte à sua ambigüidade"'.
Contudo, hoje, a palavra "autonomia", que etimologicamente quer dizer o governo de si próprio, corre o risco de abrigar significados incompatíveis com esse núcleo de significação 11 J. M. P. AZANHA. Cultura escolar brasileira, in: Revista USP, n. 8, p. 87, dez./jan./fev. 1991, Universidade de São Paulo. "A. LOVEJOY. Op. ch., p. 22.
“...original. No Documento n(o) 1, conforme vimos, a palavra foi usada como uma bandeira, ligada à reivindicação de restabelecer predicamentos éticos da tarefa educativa.” Naquele momento, a própria dignidade do professor estava em jogo em face das condições políticas vigentes. Por isso, foi quase inevitável que o valor ético da autonomia da tarefa educativa se ligasse fortemente aos valores democráticos. No entanto, o próprio Arthur LOVEJOY chama a atenção para o fato de que, muitas vezes, "palavras sagradas" podem dar origem a "confusas associações de idéias" e até mesmo acabar abrigando significados contrários. É preciso que consideremos esse risco. Ele não está tão distante se levarmos em conta que a palavra "autonomia", por conta de sua associação com valores democráticos, pode reduzir-se a uma busca de consenso no âmbito das escolas. No entanto, consenso é apenas uma forma de decisão e nem sempre a mais racional, nem a mais justa. Principalmente quando a maioria, pelo simples fato de ser maioria, se julgar no direito de suprimir as divergências, ainda que estas sejam legítimas.


QUAL A IDENTIDADE DO PROFESSOR COORDENADOR PEDAGÓGICO?
Cecília Hanna Mate
Professora pesquisadora da USP
Doutoranda pela UNESP
Essa tem sido a questão mais recorrente nas discussões junto aos PCPs (Professores Coordenadores Pedagógicos). De modo geral, para aqueles que se preocupam em encontrar alternativas para os espaços escolares, a atuação do PCP nas escolas públicas de São Paulo tem suscitado vários debates, propostas e reflexões, cujas inspirações vêm marcadas por experiência adquiridas anteriormente. Queiramos ou não essas marcas acabam por consubstanciar os referenciais subjacentes a tais discussões. Por isso acredito que os diferentes discursos produzidos sobre o tema revelam direta ou indiretamente, as tensões pertinentes ao lugar social de quem o produziu. Assim se a função do PCP é nova, os debates em torno do tema “educação” não o são: carregam concepções e referenciais articulados a práticas sociais vividas. Desse modo, discutir a identidade do PCP pode significar rever posições, resgatar experiências, retomar conflitos, fazer opções, entrar em embates, enfrentar diferenças. Assim, gostaria de refletir sobre o tema em questão problematizando-o a partir de dois aspectos que se imbricam: os riscos de definir a função do PCP e o significado histórico da hierarquia de funções na instituição escolar. Em relação ao primeiro aspecto, penso que começa a se explicitar para muitos dos envolvidos com a atuação dos PCPs que vários estilos de coordenar os trabalhos nas escolas estão em construção. Torna-se claro também que uma certa angústia acompanha essas experiências singulares e às vezes isoladas. Sente-se, por um lado, a necessidade de “definir a identidade do PCP” cujo espaço parece não estar assegurado e, portanto, é ameaçado por outras formas de poder e necessidades. Por outro, é possível aprender um movimento criativo e inventivo, em que a despeito da não “ institucionalização” da função, ou talvez por isso mesmo, existe um processo de conquista de uma “territorialidade própria.” Neste último sentido é preciso decorrer um tempo para a acomodação de conquistas pois não há, felizmente, uma tradição ou modelos que condicionem tais práticas. Elas estão se fazendo mediante um aprendizado local, com indagações e buscas de respostas a problemas gerados no cotidiano das escolas. Essas indagações e buscas começam a se explicitar nos encontros de PCPs (oficiais ou não), em que troca de experiências passa a ter um significado especial, em que a escuta do outro também adquire um sentido de aprendizado. Enfim o falar e ouvir sobre as experiências passam a fazer parte constitutiva dos projetos em (re) construção, de modo que a busca , o contato e o diálogo com diferentes referenciais teóricos brotam do desejo de compreensão e de respostas para as perguntas para as perguntas e angústias geradas nos espaços de trabalho. Visto sob o ponto de vista do alcance político-pedagógico, pode -se dizer que há uma oportunidade histórica se construindo em relação ao trabalho do PCP, uma vêz que permite criar condições e/ou potencializar e dinamizar experiências de professores e alunos que muitas vezes ocorrem solitariamente e sem interlocução. Portanto, a busca de definição da função do PCP nesse momento talvez se faça a partir e no interior das relações travadas no dia-a-dia da escola caminhos e atalhos a serem construídos/seguidos. Dessa maneira é difícil imaginar um projeto e um modo de geri-lo uniformes mas sim modos próprios de fazê-los, tendo em vista suas especificidades culturais, profissionais, enfim situações singulares que demandam encaminhamentos também singulares. Podem-se imaginar alguns pontos comuns a serem discutidos e trocados, mas que não sejam determinados a priori e sim ao longo da produção de um saber no espaço da escola: a conquista de uma “territorialidade própria”.
O segundo aspecto do tema se refere ao significado histórico da hierarquia de funções na instituição escolar. Trata-se de um aspecto que merece ser tratado com bastante atenção, não só complexidade que carrega, mas porque historicamente tem
marcado com tal intensidade os modos de fazer e pensar educação que suas práticas acabaram por “naturalizar-se”. Refiro-me aos códigos e normas regulamentadoras e produtoras das relações pedagógicas entre técnico, diretor, professor, aluno, chegando até as famílias. Instauradas desde as décadas de 20 a 30, durante processo de institucionalização do sistema escolar, essas regras foram lentamente se incorporando às práticas pedagógicas, criando hábitos e reestruturando mentalidades. Assim, perderam-se de vista os fios históricos, artífices dessa “lógica administrativa” que passou a ser percebida, em seus dispositivos de funcionamento, como “natural” e intrínseca aos espaços escolares.
Penso que quando tomamos consciência desses fios históricos como contingência que permitiu a trama da fabricação de discursos, de modo de pensar, de hábitos e atitudes, não estaríamos concebendo nosso eterno enredamento numa teia histórica sem saídas. Pelo contrário, ao compreendermos que certas regras e normas que delimitam e burocratizam nosso fazer pedagógico foram produzidas sob contingências determinadas e por sujeitos em luta disputando projetos sociais bastante concretos, entendemos que nosso olhar pode ser mais livre do que pensamos, ou seja, ao descobrirmos que tal condição pertence a contingências históricas entendemos que é possível ensaiar novas formas de ver e fazer.
A complexidade desta reflexão está no fato de que sintetiza um longo e polêmico movimento histórico, em que as memórias registradas pela história da educação nem
sempre nos esclarecem sobre o processo pelo qual certos projetos foram vitoriosos. Nem se quer tivemos registrada a memória de outras experiências em confronto. Homogeneizaram-se as interpretações retirando-lhes os conflitos, resistências e contradições. Assim, fomos formados e nos profissionalizamos a partir de um discurso uniformizante e consensual, atuando numa estrutura na qual a lógica administrativa e racionalizadora, tomada como medida de eficiência, tem extrapolado nossas possibilidades de pensar e fazer. Quando nos deparamos com dúvidas, conflitos, dificuldades e diferenças em nosso cotidiano pedagógico, o mal-estar se instala como se isso fosse uma anomalia a ser debelada e/ou ignorada. Porém, é justamente em meio a esses impasses que, em princípio, reunimos o potencial e o desafio para criar. Como a inventividade não rima com burocracia nem com racionalização técnica que apagam e invalidam a singularidade, talvez fosse preciso recusar algumas intervenções e/ou sugestões que venham a ser feitas formalmente e que não respondam aos projetos que estejam sendo criados. Com essas reflexões, cujo objetivo foi pensar o trabalho do PCP, pretendi concentrar a análise no que considero essencial: a importância das experiências que estão sendo geradas a partir das diferenças culturais de cada escola/região, em meio a enfrentamentos, lutas, discussões e também a diálogos e solidariedade. Momento rico de construção de uma territorialidade que deve ser vista e trabalhada com muita perspicácia uma vez que a retórica da autonomia, presente em muitos textos oficiais ou não, surge junto a regulamentações burocráticas difíceis de serem separadas, e que, por isso mesmo, podem dificultar e até desequilibrar projetos autênticos.


FUNÇÃO ESSENCIAL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO
Luiza Helena da Silva Christov
Professora pesquisadora da UNESP
Doutoranda pela PUC de São Paulo
A atribuição essencial do coordenador pedagógico está, sem dúvida alguma, associada ao processo de formação em serviço dos professores. Esse processo tem sido denominado de Educação Continuada, tanto nos textos oficiais de secretarias municipais e estaduais de educação, como na literatura recente sobre formação em serviço. A expressão “Educação Continuada” traz uma crítica a termos anteriormente
utilizados tais como: treinamento, capacitação, reciclagem, que não privilegiavam a construção da autonomia intelectual do professor, uma vez que se baseavam em propostas previamente elaboradas a ser apresentadas aos professores para que as implementassem em sala de aula. Nos anos noventa já podemos contar com diversas reflexões publicadas a respeito de formação de professores que criticam a concepção acima e sugerem novos encaminhamentos.
A Educação Continuada se faz necessária pela própria natureza do saber e do fazer humanos, como práticas que se transformam constantemente. A realidade muda e o
saber que construímos sobre ela precisa ser revisto e ampliado sempre. Dessa forma, um programa de educação continuada se faz necessário para atualizarmos nossos conhecimentos, principalmente para analisarmos as mudanças que ocorrem em nossa prática, bem como para atribuirmos direções esperadas a essas mudanças.
Educação Continuada é um programa composto por diferentes ações como cursos, congressos, seminários, HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo), orientações técnicas, estudos individuais.
Um programa de Educação Continuada pressupõe:
-um contexto de atuação: uma escola, um município, um país, uma sociedade ...
-a compreensão de que ela não será a responsável exclusiva pelas transformações necessárias à escola, uma vez que isso depende de um conjunto de relações, mas poderá ser um elemento de grande contribuição para essas transformações; -condições para a viabilização de suas ações, que podem ser resumidas em três grandes aspectos: vontade política por parte de educadores e governantes, recursos financeiros e organização do trabalho escolar com o tempo privilegiado para estudos coletivos e individuais por parte dos professores. As avaliações e pesquisas realizadas até hoje sobre programas de Educação Continuada têm mostrado que seu sucesso requer como eixo fundamental a reflexão sobre a prática dos educadores envolvidos, tendo em vista as transformações desejadas para a sala de aula e para a construção da autonomia intelectual dos participantes.
Em artigo publicado no Caderno CEDES n. 36, dedicado integralmente ao tema “ Educação Continuada”, Alda Junqueira Marin diz: “A atividade profissional dos educadores é algo que, continuamente, se refaz mediante processos educacionais formais e informais variados, amalgamados sem dicotomia entre vida e trabalho, entre trabalho e lazer. Com as contradições certamente, mas, afinal, mantendo as interrelações múltiplas no mesmo homem. O uso do termo educação continuada tem a significação fundamental do conceito de que a educação consiste em auxiliar profissionais a participar ativamente do mundo que os cerca, incorporando tal vivência no conjunto dos saberes de sua profissão”.
Angel Perez Goméz, em artigo publicado no livro Os professores e sua formação,
coordenado por Antonio Nóvoa e editado pela Publicações Dom Quixote, em 1995, afirma que para se superar a racionalidade técnica, ou seja, uma utilização linear e mecânica do conhecimento científico, é preciso partir da “análise das práticas dos professores quando enfrentam problemas complexos da vida escolar, para compreensão do modo como utilizam o conhecimento científico, como resolvem situações incertas e desconhecidas, como elaboram e modificam rotinas, como experimentam hipóteses de trabalho, como utilizam técnicas e instrumentos conhecidos e como recriam estratégias e inventam procedimentos e recursos”.
Esse mesmo autor citando Kemmis, no mesmo artigo, apresenta sobre a natureza da reflexão:
“ A reflexão não é um processo mecânico, nem simplesmente um exercício criativo de construção de novas idéias, antes é uma prática que exprime o nosso poder para
reconstruir a vida social, ao participar na comunicação, na tomada de decisões e na ação social”.
Esta mos cientes de que precisamos construir novas bases para pensarmos e para intervimos nas escolas. Essa construção tem no professor coordenador um agente fundamental para garantir que os momentos de encontro na escola sejam proveitosos. É fundamental, ainda, a reorganização do tempo/espaço escolar, para reflexões coletivas. Para concluir, trazemos a contribuição de Schön, também citado por Gomez no artigo acima mencionado:
“Se o modelo da racionalidade técnica é incompleto, uma vez que, ignora as competências práticas requeridas em situações divergentes, tanto pior para ele. Procuremos, em troca, uma nova epistemologia da prática, implícita nos processos intuitivos e artísticos que alguns profissionais, de fato, levam a cabo em situações de
incerteza, instabilidade, singularidade e conflito de valores.”
Em outras palavras, as formas antigas de estudarmos nossa realidade, a partir de categorias previamente postuladas e de modelos de análise que enquadraram e silenciaram possibilidades de compreensão, devem ser substituídas por análises que
contemplem a complexidade e a dinâmica surpreendente de um cotidiano denso de relações e trajetórias de múltiplas significações.


O TRABALHO COLETIVO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO
Eliane Bambini Gorgueira Bruno
Professora de 3º grau
Mestranda pela PUC de São Paulo

Uma das grandes expectativas, declaradas atualmente por parte de educadores em geral e por parte de pessoas que atuam em secretarias municipais e estaduais de educação, diz respeito ao planejamento e à organização de um trabalho pedagógico coletivo nas escolas de primeiro e segundo graus.
Por trás dessa expectativa, encontra-se a idéia de que uma nova escola, mais eficiente e capaz de ensinar, deva ser construída com os esforços de todos os sujeitos envolvidos com esse ensinar: alunos, pais, funcionários, professores, coordenadores, direção.
Essa idéia de uma escola feita por todos vem sendo reforçada nos últimos anos dentro de uma perspectiva descentralizadora dos serviços públicos que tem pregado a importância da autonomia a ser conquistada nos diferentes espaços de atuação do
cidadão. Em termos teóricos, sabemos que uma escola organizada por todos que nela atuam tem maiores chances de ser uma escola adequada aos interesses de seus organizadores. Ninguém que tenha a chance de criar algo que o favoreça, seria louco de fazer o contrário. E, teoricamente, a preposição de um projeto pedagógico coletivo parece ser algo a que ninguém se opõe. Afinal, a cooperação e a noção de que “a união faz a força” são idéias contra as quais nada se tem a dizer.
Em termos práticos, porém, sabemos que tal projeto coletivo é uma conquista muito difícil de ser realizada. Entraves pessoais e institucionais não faltam. Uma das dificuldades do trabalho coletivo está no confronto de expectativas e desejos dos sujeitos envolvidos. Dificuldade que precisa de condições especiais para ser superada. Uma dessas condições está na compreensão de que uma visão comum sobre a escola, um eixo aglutinador dos seus sujeitos, só pode ser construído a partir das visões particulares, das expectativas de cada um sobre a escola que se pretende organizar. Como a escola apresenta um papel social já definido – espaço de construção e transmissão de cultura, seus sujeitos deixam de se perguntar que tipo de escola desejam para si, seus alunos e filhos. Mas sobre construção e transmissão de cultura muito há por se dizer, desejar e esperar. Principalmente no que diz respeito aos temas, objetivos, métodos e recursos a serem assumidos. Sem esquecermos da pergunta básica sobre os valores a serem cultivados junto aos alunos, pais e professores...
O exercício de confrontar as expectativas de cada um dos organizadores do projeto coletivo de escola exige compreensão de que a explicitação do que se espera implica na publicação de um desejo, de um princípio, de uma convicção. Publicar significa tornar público, exigindo um despreendimento com relação ao próprio desejo. A publicação traz em si a idéia de que algo que era de uma pessoa agora é também de muitos e poderá ser transformada. Portanto, o exercício de se publicar o que se espera sobre a escola exige, também, a consciência de que é possível um aprofundamento, uma revisão, enfim, uma mudança em nossa convicção inicialmente apresentada. Mais do que tal consciência é importante o interesse nessa mudança e a garantia de que o mesmo procedimento ocorra em relação a todas as expectativas apresentadas. Despreendimento com relação às próprias convicções, atenção para com as convicções do outro e interesse para aprimorar ou alterar profundamente umas e outras, são exigências da organização que se pretende coletiva.
Qual seria o papel do coordenador pedagógico nesse movimento de elaboração do
projeto de escola? Podemos pensar em três visões possíveis para o papel do coordenador: uma, como representante dos objetivos e princípios da rede escolar a que pertence (estadual, municipal ou privada); outra, como educador que tem obrigação de favorecer a formação dos professores, colocando-os em contato com diversos autores e experiências para que elaborem suas próprias críticas e visões de escola (ainda que sob as diretrizes da rede em que atuam) e, finalmente, como alguém que tenta fazer valer suas convicções, impondo seu modelo para o projeto pedagógico. São comuns, e de mais fácil realização, a primeira e última possibilidades citadas. Quanto ao papel do coordenador como educador, tendo em vista o trabalho pedagógico coletivo, podemos reconhecer que apresenta a complexidade própria de qualquer ação que pretenda o crescimento real e autônomo de pessoas. Essa complexidade traz sinais que precisam ser interpretados para que se tenha uma compreensão de diversos movimentos do indivíduo em relação ao grupo e do grupo em relação aos indivíduos. São sinais da cultura dos grupos com valores comuns aos indivíduos, sinais das relações interpessoais, sinais de cada subjetividade produzida em diferentes contextos de relações.
O educador é um intérprete que precisa contribuir para a formação de leitores desses sinais. O enfrentamento da complexidade dessa formação exige, em primeiro lugar, tempo para se estar junto. Tempo para a construção da confiança que permite a coragem de expressar os próprios desejos, as próprias dúvidas e os próprios medos. Tempo para a revisão e a crítica de cada convicção publicada. Tempo para se tomar nas mãos as manifestações de cada um, “olhando devagar para elas”( Fernando Pessoa). Tempo para se compreender que:
“ ... cada instante é diferente, e cada homem é diferente, e somos todos iguais”
(Carlos Drumond de Andrade).


TEORIA E PRÁTICA:
O ENRIQUECIMENTO DA PRÓPRIA EXPERIÊNCIA
Luiza Helena da Silva Christov
Professora pesquisadora da UNESP
Doutora pela PUC de São Paulo

Uma reflexão importante em qualquer processo de Educação Continuada diz respeito à relação entre a teoria e prática, uma vez que uma das características da educação em serviço é possibilitar o contato com experiências e reflexões que possam ser úteis à compreensão e à solução dos problemas presentes nas práticas profissionais, no caso tratado neste artigo, na prática dos professores junto aos seus alunos. Muitas são as queixas que cercam a relação entre a teoria e a prática.
Destacamos algumas:
– Por parte dos professores:
-“não queremos tanta teoria... precisamos é de prática...”
-“chega de blá-blá-blá... o que precisamos é de menos filosofia e mais ação...”
-“estamos cansados de tanta teorização... queremos um pouco mais de prática...”
-“não consigo entender esses autores... Emília Ferreiro nada tem a ver com minha prática...”
-“compreendo a teoria, mas, na hora de fazer, não consigo...”
2.Por parte dos Capacitadores/Coordenadores:
-“os professores não gostam de ler”
-“os professores querem respostas prontas para seus problemas de sala de aula, não querem ficar estudando...”
-“os professores não compreendem as teorias sobre ensino, ou sobre alfabetização, ou não entendem de psicologia”
-“os professores compreendem a teoria, mas não sabem aplicá-la na prática...” Essas queixas revelam, no mínimo, que se torna importante uma conversa tranqüila sobre o que entendemos por prática e por teoria.
As respostas às queixas acima podem ser agrupadas, no meu entender, em comentários, que passo a desenvolver a partir de duas afirmações elaboradas no contato com diferentes grupos de professores e coordenadores pedagógicos nos últimos dez anos. São elas:
“teoria e prática são diferentes, mas andam juntas: às vezes de forma desapercebida, às vezes de forma refletida”.
Importante é sabermos que teoria e prática sempre andam juntas, mesmo que não tenhamos muita clareza sobre as teorias que estão influenciando nossa prática. Toda
ação humana é marcada por uma intenção, consciente ou inconsciente. Sempre poderemos encontrar aspectos teóricos em nossas ações, ou seja, aspectos de vontade, de desejo, de imaginação e finalidades. Sempre poderemos analisar nossas ações perguntando-nos pelas intenções que as cercam. Para que haja, porém, uma relação refletida, consciente entre a teoria e prática precisamos de um esforço intelectual, um esforço do pensamento e da reflexão, para planejarmos as etapas previstas nas teorias ou na teoria que desejamos assumir e para avaliarmos se as práticas por nós implementadas estão adequadas às nossas intenções teóricas. Assim, deixa de ter sentido a expressão “quero mais prática e menos teoria”, já que toda prática possui aspectos teóricos e toda teoria é referenciada em alguma prática. Talvez o que esteja por trás dessa queixa é a dificuldade de se identificarem as intenções e os problemas de determinada ação ou as possíveis relações entre as reflexões de certos autores e a nossa experiência. Trata-se de adotarmos um caminho, um método adequado para superarmos essas dificuldades e não de negarmos a teoria.
A relação refletida entre teoria e prática, portanto é alguma coisa que resulta de um trabalho, de um esforço, de um método. A segunda afirmação que desejo comentar neste artigo é a seguinte:
“entre a teoria de um autor que queremos assumir e a prática, que pretendemos transformar com esta teoria, existe a nossa teoria”.
Com o esforço intelectual e o método necessários à explicitação das teorias presentes em certa prática, na verdade, estaremos tentando construir uma teoria nossa para favorecer o diálogo entre nossa experiência e os autores. Construímos nossa teoria ao aprendermos a ler nossa experiência propriamente dita e experiências em geral.
Construímos nossa teoria quando fazemos perguntas às experiências, aos autores; quando não nos satisfazemos com as primeiras respostas e com as aparências e começamos a nos perguntar sobre as relações, os motivos, as conseqüências, às dúvidas os problemas de cada ação ou de cada contribuição teórica. A construção de nossa teoria exige que coloquemos perguntas à nossa prática. Quanto maior for nossa habilidade para ler nossa experiência, maior será nossa habilidade para compreender autores. Assim, conhecimento e experiência auxiliam nossa compreensão sobre nossa própria prática. Essas duas afirmações parecem muito simples e muito fáceis de ser colocadas em prática. Na verdade não o são. Do contrário não teríamos as queixas tão freqüentes sobre o tema. O fato é que não vivemos em um ambiente educacional no Brasil que nos prepare para construirmos boas relações com teorias, nossas ou alheias.
Longos períodos ditatoriais – 15 anos de Vargas e 21 de governos militares – seriam suficientes para justificar políticas educacionais e culturais silenciadoras e bloqueadoras de um aprendizado adequado à elaboração de teorias particulares ou coletivas sobre a realidade. Afinal, quem tem teoria tem crítica, tem conhecimento. Ditadura nenhuma admite isso. Porém, as ditaduras não respondem sozinhas por nossas dificuldades relativas à construção da relação entre teoria e prática. Nosso ambiente escolar e cultural, mesmo em espaços e momentos democráticos padecem de um problema a ser solucionado. Trata-se da imposição sub-reptícia de algumas teorias, de alguns autores.Trata-se da valorização de uma postura que impõe tradições, pensamentos, teorias, modelos, autores e impede a construção pessoal de cada aluno. Este deve incorporar e repetir teorias, sem ousar elaborar suas questões e suas afirmações.
Assim, o desenvolvimento da habilidade de se ler a própria experiência, a experiência alheia, o mundo e autores não é privilegiada no Brasil. Leitores do mundo, como bem caracteriza Paulo Freire, não aprendemos a ser. Quando lemos o mundo é por acaso, por sorte, por situações casuísticas. Nunca por uma ação da escola que esteja aliada a uma teoria criadora de leitores e autores.
Quando insistimos para que os processos de formação de professores, em mínimas
para que se relacione teoria e prática estamos sugerindo o sentido da construção do
leitor/autor da própria experiência. Experiência que se percebe a si mesma como teórica porque refletida, avaliada, recriada.

O Enriquecimento da própria experiência
TEORIA E PRÁTICA
1- “ Teoria e prática são diferentes, mas andam juntas: às vezes de forma desapercebida, às vezes de forma refletida.
1.A. A toda ação humana é marcada por uma interação, consciente ou inconsciente
1.B. Precisamos adotar um caminho um método adequado para superar dificuldades e não negamos a teoria.
2- “ Entre a teoria de um autor que queremos assumir e a prática, que pretendemos transformar com esta teoria , existe a nossa teoria.
2.A. Conhecimento e experiência auxiliam nossa compreensão sobre nossa própria prática.
2.B. Quem tem teoria tem crítica, conhecimento. Ditadura nenhuma admite isso.
2.C. O desenvolvimento da habilidade de se ler a própria experiência alheia, o mundo e autores não é privilegiada no Brasil.
Processo de formação de professores – Construção do leitor / autor da própria experiência.


REUNIÕES PEDAGÓGICAS: ESPAÇO DE ENCONTRO ENTRE COORDENADORES E PROFESSORES OU EXIGÊNCIAS BUROCRÁTICAS?
Suzana Rodrigues Torres
Professora Doutora da FAAP – SP

No bojo das discussões sobre formação de professores, as reuniões pedagógicas vêm sendo apontadas como espaço privilegiado nas ações partilhadas do coordenador pedagógico com os professores, nas quais ambos se debruçam sobre as questões que emergem da prática, refletindo sobre elas, buscando-lhes novas respostas e novos saberes, ao mesmo tempo. Entretanto, criticadas e desacreditadas, as reuniões pedagógicas, na prática, vem mostrando grandes distanciamentos entre o desejado e o real.
Freqüentemente, essas críticas não são expressas com clareza. Geralmente ocorrem de forma difusa nos encontros casuais dos professores nos corredores, nos
intervalos, no cafezinho, deixando de ser contribuições efetivas para que saltos qualitativos se efetivem. Dessa forma, as reuniões pedagógicas de “palco de negociações”, acabam por se configurar em “palco de encenações” cumprindo, muitas vezes, um papel meramente formal.
Desvelar representações dos professores em relações às reuniões pedagógicas foi um dos aspectos objetivados em pesquisa (Torres, 1994) realizada junto a eles, procurando captar elementos que favoreçam professores e coordenadores e revitalizar o
diálogo e as ações no sentido de ampliar as possibilidades contidas no trabalho que envolve esses educadores.

Questionando e entrevistando professores
Pela forma hierarquizada com que as escolas se organizam, muitas vezes o coordenador pedagógico não dispõe de referências claras dos professores em relação às atividades que lhes são encaminhadas. Dessa forma, optamos por dar-lhes voz, perscrutando suas impressões e representações, por meio de questionários formulados a esses profissionais de escola pública e particular e sessões de entrevistas coletivas. A ação dos coordenadores não pode acontecer sem a intermediação de situações concretas em que possa ser expressa e percebida. Esse coordenador que vem sendo discutido, tem o professor em parceria, sendo mediador entre este e um projeto pedagógico mais amplo.
O que dizem os professores sobre as reuniões pedagógicas?
Pelas respostas obtidas, reitera-se que as reuniões pedagógicas ocupam um espaço de destaque no cenário das relações, não só por sua ocorrência mas também por sua sistematização e seu tempo de duração. E, em geral, o coordenador pedagógico é o profissional mais freqüentemente citado como o responsável pela condução dessa atividade. Se, de um lado, esses encontros indicam temas vinculados a questões pedagógicas, como disciplina avaliação, planejamento metodologia e problemas de aprendizagem, por outro agrupam-se assuntos do dia-a-dia ou institucionais. Essas reuniões podem ser vistas como um espaço possível para a reflexão dos professores, mas também como um momento em que se aproveita o encontro dos profissionais para se dar avisos, distribuir materiais, informar diretrizes , discutir problemas de caráter geral, ou mesmo do prédio da escola, como goteiras e salas sem janela. A designação “reuniões pedagógicas” parece não indicar correspondência com seus objetivos, concorrendo o pedagógico com o administrativo e com as demandas do dia-a-dia, em um mesmo conjunto. Não se pode diminuir a importância das discussões de temas vinculados ao administrativo, ou mesmo as emergências do cotidiano, uma vez que fazem parte e se inserem como elementos de um projeto pedagógico mais amplo. Faz-se necessário reposicionar e resgatar os objetivos das reuniões; qualquer discussão deveria voltar-se para a reflexão sobre a ação de maneira ampla, com uma visão dialética desses temas.
Que tipo de interação é possível derivar entre o coordenador e os professores?
Com maior probabilidade, poderíamos ver que, à medida que as temáticas das reuniões têm origem nos problemas e dificuldades, as interações ocorreriam no sentido de resolvê-los, marcando interações funcionais.
Demaily (1992: 144-145), ao discutir modelos de formação de professores, indica, entre outros, a “forma internativa-reflexiva”, que abrange iniciativas ligadas à resolução de problemas reais, como sendo uma das concepções de formação contínua dos professores. Na forma interativa-reflexiva, o coordenador seria visto como um técnico de apoio dos professores, em que os saberes fossem produzidos em cooperação e devessem ajudar a resolver problemas práticos.
A forma interativa-reflexiva pressupõe a construção de saberes, como aponta Sacristán (1991): “a prática transmite a teoria que fundamenta os pressupostos da ação” (p.82). Portanto, envolveria uma dinâmica que por exemplo, pontuasse os problemas encontrados na ação, e refletisse coletivamente sobre essas questões, e que saberes fossem produzidos realimentando a prática. Mas, não encontramos, nas respostas dos professores, indícios de que as discussões dos problemas e dificuldades, ocorridas nas reuniões, estejam levando a construções coletivas de saberes; ao contrário, as problemáticas são discutidas com vista à busca de soluções mais ou menos imediatas e mais apoiadas no senso comum do que a partir de reflexões sistematizadas. Entretanto, é necessário nos remeter ao fato de que, comumente, os coordenadores pedagógicos apontam que as expectativas em relação ao seu desempenho, a falta de tempo e as inúmeras demandas do cotidiano e mesmo a falta de clareza em relação ao seu papel acabam por contribuir para que suas preocupações centrem-se mais na modificação urgente de situação, na rápida resolução de problemas e na prestação imediata de serviços. Portanto, as expectativas sobre o coordenador devem ser confrontadas e ouvidas, entre outras coisas, para que ações significativas possam ter espaço para a construção de projetos coletivos.
Os professores revelam expectativas em relação às reuniões, ao avaliar aquelas das quais participam. Essas avaliações permitem ver que eles buscam nessas atividades, um espaço de interações pessoais e cognitivas; que as discussões surjam como fruto das questões do dia-a-dia, mas que nelas se supere o cotidiano; que estas reuniões sejam organizadas, preparadas previamente e contem com o envolvimento efetivo do coordenador da reunião. O papel dos professores marca-se, nesse momento, pela passividade, como quem recebe a ação que outro desempenha. O resultado da reunião se mostrará mais em função da habilidade de quem a conduz do que da participação efetiva de todos. Caracterizam-se bem o papel e o contrapapel: o professor, cada vez mais expropriado de seu saber, delega ao coordenador o papel de especialista. Da mesma maneira que as reuniões são vistas como um instrumento limitado, também recebem considerações de que se tornem um espaço fundamental, seja porque oportunizam o encontro entre os professores, seja porque discutem questões tidas como essenciais para a atividade dos docentes. As falas dos professores, como as descritas abaixo, indicam dificuldades ainda a serem superadas para que as reuniões pedagógicas possam cumprir um papel significativo.
“A leitura de textos praticamente não existe e, quando ocorre, é com o maior descaso por parte do grupo”; “Em geral, não se chega a conclusão alguma e todos continuam com suas próprias idéias e métodos”; “Poderiam ser mais abrangentes e , ao mesmo tempo, menos desgastantes”; “Parece-me que são inúteis, cumprem apenas um papel formal”; “Na maioria das vezes, a reunião só cumpre um caráter formal e obrigatório”; “O professor não se dispõe a rever ou questionar sua prática educativa”; “Sofrível”; “São mal-organizadas e, na maioria das vezes, a discussão dos assuntos não leva a nada.” Longe de pretender que os pontos aqui levantados sejam totalizantes, espera-se que possam ampliar as relações dialogais entre professores e coordenadores, fazendo da reunião pedagógica um espaço efetivo para a formação contínua dos educadores, em que ambos, professores e coordenadores, assumam esse rico espaço de formação.


Currículo e Competências
Ruy Berger Filho
O aumento e a melhoria das oportunidades educacionais, o desejo de inclusão e as exigências do mundo do trabalho e da cada vez mais complexa vida pessoal e social vêm se constituindo nas principais causas da busca pelo aumento da escolaridade. Os níveis educacionais requeridos aos homens e às mulheres, em todo o mundo, são cada vez mais altos, para que dêem conta de competências mais amplas para sobreviver e conviver numa sociedade que dispõe de uma grande quantidade de bens culturais e de altos níveis de progresso material, mas demanda uma aprendizagem permanente, ao longo de toda a vida, para lidar com o contínuo crescimento da produção do conhecimento, de sua conseqüente disponibilização e uso na vida cotidiana. Os dois grandes desafios que temos são, portanto, (i) oferecer oportunidades para todos de avançarem além da educação obrigatória e (ii) conceber um desenho para o ensino que garanta a todos as condições básicas para inserção no mundo do trabalho, a plena atuação na vida cidadã e os meios para continuar aprendendo.
A definição do modelo de ensino de que necessitamos para os próximos anos deve estar assentada sobre três eixos básicos: a flexibilidade para atender a diferentes pessoas e situações e às mudanças permanentes que caracterizam o mundo da sociedade da informação; a diversidade que garante a atenção às necessidades de diferentes grupos em diferentes espaços e situações; e a contextualização que, assegurando uma base comum, diversifique os trajetos, permita a constituição dos significados e dê sentido à aprendizagem e ao aprendido.
Para pensarmos um ensino que responda a essas necessidades, que eduque para a autonomia e para uma aprendizagem permanente e cotidiana, faz-se necessário desvelar o papel da aquisição dos saberes socialmente construídos e dos esquemas de mobilização destes saberes. É preciso superar o falso dilema de centrar a aprendizagem, e, portanto, o currículo, nos conhecimentos ou nas competências. A escola deve oferecer os conhecimentos produzidos pela humanidade, no seu processo histórico, que são significativos para a inclusão de cada grupo de alunos em cada etapa de sua escolarização e de sua vida, os caminhos para ter acesso a esses conhecimentos e aos que vierem a ser produzidos e as competências para mobilizá-los e colocá-los em ação.
Quando da elaboração da proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais a ser encaminhada ao Conselho Nacional de Educação e dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e dos Referenciais Curriculares para a Educação Profissional, fizemos a opção de trabalhar a partir do conceito de competências. Entretanto, reconstruímos o conceito que vinha sendo utilizado, quer pela recente tradição anglo-saxônica, quer pela tradição francesa, aproximando-nos mais desta última. Tínhamos como referências básicas a epistemologia genética de Jean Piaget e a lingüística de Noam Chomsky. A idéia básica da construção de estruturas mentais na apropriação dos conhecimentos pela mente humana e da constituição mesmo de conhecimentos pela relação de interação com o meio humano, social e natural – que geravam a possibilidade de significar o mundo, de apropriar-se de novos elementos, integrando-os na rede de esquemas mentais, e de reutilizar estes elementos de forma criativa em novas situações – foi o princípio básico para a construção deste conceito por nós. Ainda que haja divergências entre o pensamento piagetiano e o de Chomsky, uma concepção básica os reúne entre os que formulam suas teorias a partir da noção de que a espécie humana tem a capacidade inata de (i) construir o conhecimento; (ii) de construí-lo na interação com o mundo; (iii) de referenciá-lo e significá-lo social e culturalmente; (iv) de mobilizar este conhecimento frente a novas situações de forma criativa, reconstruindo no desempenho as possibilidades que as competências, ou os esquemas mentais, ou ainda a gramática interna, permitem in potentia.


Conhecimentos e Competências
A construção do conhecimento pressupõe a construção do seu próprio saber, a construção de competências e a aquisição dos saberes já construídos pela humanidade. Os três processos são operações distintas: o primeiro tem por base as experiências vivenciadas; o segundo, a mobilização destes conhecimentos e sua significação; o terceiro, a apropriação mediatizada pela transmissão. A escola, via de regra, integra-se neste processo como mediadora na transmissão dos conhecimentos já produzidos, cumprindo, apenas, a terceira destas funções. Entretanto, se não recupera o processo de construção de conhecimentos extraídos da vivência e o articula com o processo de apropriação do conhecimento produzido pelo outro, o terceiro processo tende a ocupar, exclusivamente, espaços mentais pouco integradores, como a memória, porque não promove a integração destes conhecimentos à rede de significados já construídos, ampliando-a. A garantia desta integração se fará pela mobilização de competências já construídas, por sua ampliação e pela construção de novas competências.
Entendemos por competências os esquemas mentais, ou seja, as ações e operações mentais de caráter cognitivo, sócio-afetivo ou psicomotor que mobilizadas e associadas a saberes teóricos ou experienciais geram habilidades, ou seja, um saber fazer.1
As competências são “modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer”2, operações mentais estruturadas em rede que, mobilizadas, permitem a incorporação de novos conhecimentos e sua integração significada a esta rede, possibilitando a reativação de esquemas mentais e saberes em novas situações, de forma sempre diferenciada. “As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do saber fazer. Através das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências.”3 Portanto, construir um currículo por competências não pressupõe abandonar a transmissão dos conhecimentos nem a construção de novos conhecimentos; ao contrário, esses processos são indissociáveis na construção destas competências. A diferença que se estabelece nesta proposição curricular é que o centro do currículo e, portanto, da prática pedagógica será não a transmissão dos saberes, mas o processo mesmo de construção, apropriação e mobilização destes saberes. A construção de competências depende de conhecimentos em situação, significados. “As competências estão no fundamento da flexibilidade dos sistemas e das relações sociais.”4
Estamos falando, então, de uma outra escola, menos voltada para o interior do próprio sistema de ensino, diferente daquela na qual cada objeto de ensino esteja referido apenas ao momento seguinte da escolarização; menos centrada no acúmulo de informações para consumo no próprio sistema escolar; menos orientada para uma falsa erudição enciclopédica; menos referida ao tempo futuro. Falamos de uma escola integradora, cuja referência é o que está fora de seus muros, em que a produção interna integra-se à produção da prática social e ao desenvolvimento pessoal; que reconhece a multiplicidade de agentes e fontes de informação e se apropria deles integrando-os ao seu fazer; que tem como centro da sua produção a construção das condições de busca, identificação, seleção, articulação e produção de conhecimentos para agir no e sobre o mundo; que integre os tempos, apropriando-se do passado para articular o futuro no presente. A construção destes esquemas de mobilização dos conhecimentos, das emoções e do fazer é a construção de competências.
A constituição deste projeto de escola reconhece que se aprende, também, fora da escola, e que, portanto, é papel da escola integrar o conhecimento produzido e adquirido anteriormente ou simultaneamente à escolarização e as competências já construídas pelo aluno ao que ele construirá e àquilo de que se apropriará na escola. Reconhece, também, que a educação escolar deve instrumentalizar esse aluno para uma aprendizagem ao longo de toda a vida.
Construir um projeto pedagógico que assuma um currículo por competências pressupõe a centralidade do aluno e, portanto, da aprendizagem, um foco na qualidade e na autonomia, uma prática pedagógica diversificada, uma escola diferenciada, uma pedagogia ativa. Isto implica uma mudança do papel da escola e, conseqüentemente, de um PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. p. 12
novo ofício de professor, como considera Meirieu5, cujo objetivo é fazer aprender e não ensinar. Mas, também, de um novo ofício do aluno, que precisa ser o agente inegociável da aprendizagem.
Philippe Perrenoud6 pergunta, ao iniciar um de seus livros: “Afinal, vai-se à escola para adquirir conhecimentos, ou para desenvolver competências?”. Em seguida, afirma: “Essa pergunta oculta um mal-entendido e designa um verdadeiro dilema”. O mal-entendido, segundo o autor, seria a idéia de que, ao se estimular a construção de competências, desiste-se de transmitir conhecimentos. O verdadeiro dilema seria a compatibilização entre o tempo necessário para o desenvolvimento de competências e o necessário para distribuir (sic) conhecimentos. Acredito que essa sua abordagem encerra vários mal-entendidos, sobre os quais não vou me deter aqui, pois foge ao objetivo deste texto. Entretanto, é relevante aqui esclarecermos dois deles e superar o falso dilema de centrar a aprendizagem nos conhecimentos ou nas competências. Primeiro, faz-se necessário desvendar o processo de apropriação dos saberes socialmente construídos e da construção dos esquemas de estruturação e mobilização destes saberes e de sua relação. Já dissemos acima que a escola deve disponibilizar o resultado da produção cultural gerada pela humanidade no seu processo histórico, selecionando para cada grupo de alunos, em cada etapa de sua escolarização e de sua vida, aqueles que são significativos para eles, bem como as formas de acesso a estes conhecimentos e aos que posteriormente vierem a ser produzidos, além das competências para significá-los, mobilizá-los e colocá-los em ação. A construção do conhecimento pressupõe a construção do seu próprio saber, a construção de competências e a aquisição dos saberes já construídos pela humanidade. Construir competências não pressupõe abandonar a apropriação de conhecimentos nem a construção de novos conhecimentos; ao contrário, estes processos são articulados sistemicamente.
As competências são estruturas da inteligência, ações e operações que construímos, desenvolvemos e mobilizamos para estabelecer relações com e MEIRIEU, Philippe. L´école, mode d´emploi. Des méthodes actives à la pédagogie différenciée. Paris: ESF. 5.ed. 1990.
PERRENOUD, PHILIPPE. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
entre objetos, situações, fenômenos e pessoas, operações mentais estruturadas em rede que, mobilizadas, permitem a incorporação de novos conhecimentos e sua integração significada a esta rede, possibilitando a reativação de esquemas mentais e saberes em novas situações, de forma sempre diferenciada.
Segundo mal-entendido: em conseqüência do entendimento anterior, não podemos dicotomizar os tempos de cada uma daquelas produções. Não há tempos diversos, há processos simultâneos e indissociáveis. Portanto, construir competências pressupõe apropriar-se de conhecimentos. Entretanto, o que garante a unidade é a construção de um currículo, de um projeto escolar e de uma prática pedagógica, inclusive na avaliação, centrada nas competências. Mas é também esta centralidade que possibilitará a diversidade, e não uma organização do processo baseada na transmissão de um conjunto de conteúdos selecionados e ressignificados pela transposição didática de disciplinas, ciências ou campos do saber. A seleção dos conhecimentos a serem trabalhados em sala de aula, a escolha dos contextos de onde serão extraídos estes conhecimentos e para onde eles retornarão como reutilização de conceitos e geradores de novos conhecimentos, e as relações interdisciplinares que serão estabelecidas diversificarão o currículo vivo, na sala de aula ou no exame.


Unidade e Diversidade
Etapa final da educação básica, o ensino médio precisa dar fechamento à vida escolar básica de forma a garantir uma base comum a todos aqueles que o cursaram, pela própria compreensão do que seja a etapa educacional que é direito de todos, que deve favorecer a construção dos alicerces para o exercício da vida cidadã – uma inserção social situada, uma possibilidade de inserção econômica plena. Desta forma, pressupõe uma unidade de construção que objetive a igualdade de acesso aos bens econômicos e culturais, tem como premissa a preparação para a vida adulta com autonomia. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – a LDB – estabelece que resultados finais são estes: definiu três domínios, e não os definiu na perspectiva de conteúdos a serem acumulados, mas de competências que deveriam ser construídas. A Lei estabelece três arquicompetências: (i) o domínio das linguagens e dos códigos com os quais se negociam os significados no mundo contemporâneo; (ii) o domínio dos princípios científicos e tecnológicos que sustentam a produção em permanente mutação; (iii) o domínio dos princípios da organização social e cultural, situadas espacial e temporalmente, para a compreensão da produção da humanidade no âmbito das idéias e das relações sociais, políticas e econômicas, na sua história. Esta unidade confere à educação básica, em geral, e ao ensino médio, em particular, uma identidade que é a fonte de sua unidade.
Por outro lado, quer pelo princípio do respeito à pluralidade cultural, quer pelo reconhecimento das diferentes trajetórias de vida e de escolaridade e dos diferentes projetos de vida, o segmento final da educação básica precisa ser diverso. A diversidade é um princípio estruturador do ensino médio tanto quanto a sua unidade. Este é o primeiro paradoxo aparente que precisaram enfrentar tanto a reforma do ensino médio quanto o ENEM, para dar conta do seu objeto. Como estabelecer diretrizes e parâmetros nacionais, como produzir um exame nacional que reconhecesse e respeitasse a diversidade? Os fundamentos de uma estética da sensibilidade, de uma política da igualdade e de uma ética da identidade encerram este paradoxo e o resolvem, sem distendê-lo, numa dialética que articula doxas aparentemente contraditórias. Mas como pode a prática pedagógica e sua avaliação se exercerem de modo a preservar de forma dialógica estas lógicas? É preciso equacionar outro par aparentemente dicotômico.


Contextualização e Interdisciplinaridade
Três são os eixos que precisam se articular para uma contextualização. Ao diversificar a atividade de aprendizagem, eles oferecem a oportunidade de significação, pelo aluno, dos saberes a serem apropriados, de forma a produzirem verdadeira aprendizagem. São eles: (1) temporal; (2) espacial; (3) epistemológico.
O eixo temporal deve permitir a articulação do saber (i) no contexto do tempo da sua produção – uma sincronia1 que o situe pelas relações com outros saberes, com a prática social e com a organização do mundo do trabalho; (ii) com as mudanças ocorridas através da história, numa perspectiva diacrônica, que o relativize na perspectiva histórica da longa duração; e, (iii) com a perspectiva da sincronia2 do tempo presente7.
Na perspectiva espacial, as relações de contigüidade são o fio condutor, que parte dos contextos próximos ao aluno – o espaço local, a partir do qual já foram construídos significados que precisam ser ressignificados – para atingir os contextos mais distantes – o espaço global. É preciso muita atenção para que não se reduza a significação gerada pela contextualização apenas aos contextos mais próximos, sob pena de se limitar o sentido ao já apropriado, perdendo-se o significado da aprendizagem, que só se dá na diferença. Este segmento educacional deve formar para a cidadania, para situar o aluno no mundo. Esta é uma relação metonímica, que pressupõe uma relação todo-parte.
A dimensão epistemológica gera o espaço da interdisciplinaridade, o terceiro eixo de contextualização. As relações de um saber com o conjunto dos saberes produzidos são uma contextualização que permite a integração do conhecimento, pela compreensão da economia dos conhecimentos, de sua complementaridade.
Podemos contextualizar um determinado produto do conhecimento humano no tempo de sua produção ou de sua releitura. Podemos também situar o conhecimento no espaço em que foi produzido e/ou identificar o significado que adquire se deslocado do seu espaço de produção. Temos ainda a possibilidade, e o fazemos com muita freqüência, de localizarmos um certo produto do conhecimento simultaneamente no espaço e no tempo de sua produção. Conhecer, por exemplo, a concepção de universo de Ptolomeu, tem sentido diferente se o situamos no tempo em que foi produzido ou se o pensamos em confronto com a concepção de Galileu. E, mais ainda, se analisarmos as conseqüências da comunicação, por Galileu, de sua teoria.
Consideramos, também, conceitos em diferentes campos do saber, diferentes ciências ou disciplinas, como o conceito de energia no recorte da Física ou da Química. Comparamos conceitos construídos por diferentes
7 Os números 1 e 2 subscritos referem-se a duas sincronias diferentes, ou da sincronia em dois momentos, a primeira relativa ao tempo da produção do saber, a outra ao tempo da “aprendizagem” ou “consumo” daquele mesmo saber. Estudamos como um determinado conceito nasce muitas vezes de uma pré-noção. Examinamos a gênese de uma determinada concepção por um teórico e sua articulação com o pensamento de um outro estudioso... Esta articulação do conhecimento, quando se dá entre os recortes de diferentes disciplinas, entre seus tênues limites, é uma forma de contextualizar que organiza interdisciplinarmente o pensamento. Estudar a “água” na perspectiva da Física, da Química, da Biologia, da Literatura, da Geografia e da História pode ampliar o significado de “água”, pelos diferentes sentidos que ela toma em cada um destes campos epistemológicos. Neste sentido é que dizemos que a interdisciplinaridade é uma contextualização epistemológica.


Novo contrato didático
Um currículo por competências articula-se tendo como princípio que o aluno é o sujeito; portanto, que a aprendizagem é o centro do trabalho escolar e, conseqüentemente, que a práxis do professor tem como fim fazer aprender.
Há décadas que nas escolas, nas instituições formadoras de professores, enfim, em todo o discurso de educadores e sobre educação a expressão aprender a aprender se transformou em um slogan e é lugar-comum. Entretanto, pouco foi feito de efetivo no dia-a-dia das escolas para que esta assertiva se tornasse realidade. O que significa este aprender a aprender? Significa que a ação pedagógica deve ter como objetivo que os alunos desenvolvam as competências necessárias a uma aprendizagem autônoma. Ou seja, que a partir de certo ponto de sua escolaridade e ao sair do processo de educação escolar, nossas crianças, nossos jovens e nossos adultos sejam capazes de administrar a aquisição de aprendizagens; que, frente a novas necessidades ou situações, as pessoas tenham as condições de construir novos conhecimentos. Em outras palavras, que se concretize o grande desafio da educação deste século que é garantir para todos uma aprendizagem ao longo de toda a vida. Como fazer isto se durante toda a vida escolar só convivemos com uma aprendizagem ensinada?
A pedagogia que está presente na escola é baseada no famoso binômio, também já lugar-comum, ensino/aprendizagem. Toda a formação dos docentes, professores e pedagogos, é feita reproduzindo o modelo escolar pelo qual passaram, assentado sobre este binômio. A ênfase que observamos nos cursos de formação inicial, nos processos de capacitação e até mesmo na demanda dos educadores pela capacitação em metodologias é conseqüência desta visão do contrato didático, que dá uma maior atenção a um dos elementos deste par, o ensino. O que observamos quando se ensina metodologias é que se trabalha pouca metodologia e muitas técnicas de ensino. Aprendemos a aplicar técnicas que, ao transmitirmos nosso conhecimento aos alunos, os ajudariam a apreender melhor o que lhes passamos, o que queremos que aprendam. Nós, professores, ensinamos e os alunos têm que aprender. Não nos damos conta de que as nossas ações, de professores e alunos, são diferentes, e que é preciso mais do que ensinar para que os alunos aprendam.
A aprendizagem pelo ensino pressupõe dois atos individuais que devem ter uma correspondência. O ato de ensinar é uma ação individual do professor: ele seleciona o que ensinar, ele decide como ensinar. O ato de aprender, neste modelo de aprendizagem, é também um ato individual, no qual quem aprende deve receber o que lhe é ensinado e articular com o conjunto de seu conhecimento, da aprendizagem já realizada, quer no processo escola quer na experiência de vida. Quando o objeto do ensino é o repasse de um conjunto de informações, se estas são significativas e há uma correspondência entre o universo cultural da informação do professor e do aluno, há possibilidades de sucesso. Caso contrário, perde-se parte ou o conjunto da informação. Se o objeto da ação escolar não é mais fundamentalmente o de informar, o ensino não é mais o meio mais eficiente de fazê-lo. Isto, entretanto não significa que o modelo de educação escolar está falido; ao contrário, torna-se cada vez mais importante. Assim como a produção de bens e serviços, a produção do conhecimento é cada vez mais uma ação coletiva.
O modelo de produção vigente até algumas poucas décadas atrás, o chamado modelo fordista-taylorista, estava baseado numa sucessão de produções individuais que se processavam em série, com trabalhadores especializados em cada etapa do contínuo da produção. As bases deste processo eram o indivíduo, a sucessividade e a linearidade, o que levava à seqüência. O conhecimento não era produzido de forma muito diferente. Segmentado em ciências e disciplinas com espaço epistemológico delimitado, dentro de cada um dos segmentos o novo conhecimento era gerado individualmente por alguns expoentes, num processo de sucessivas descobertas ou invenções que permitiam traçar uma narrativa histórica linear, ou aparentemente linear. As leis tinham nomes próprios que relacionavam o produtor ao produto. Uma equipe de pesquisa era hierarquizada e tinha um chefe detentor dos “direitos autorais” da produção e do produto.
A “era do conhecimento” é o tempo do pensamento complexo. A sucessividade e a linearidade são substituídas pela simultaneidade; o indivíduo produtor, pela produção coletiva. A construção do conhecimento é estruturada complementarmente. Diferentes grupos, em diferentes instituições, produzem ao mesmo tempo em espaços distintos. A produção do conhecimento é coletiva, plurinstitucional, transnacional e simultânea. Assim também funciona a produção de bens e serviços. A terceirização industrial é um claro exemplo disto. A circulação da produção é quase simultânea à própria produção de bens, serviços ou conhecimentos. As tecnologias da comunicação e da informação são atores fundamentais tanto nos processos de produção como nos de circulação. O sistema de reservas de uma empresa aérea britânica pode ser executado por empresas terceirizadas de processamento na Índia. O desenvolvimento de um produto ou uma pesquisa científica pode estar sendo realizados simultaneamente em São Paulo, no hemisfério sul ocidental, na França, no hemisfério norte e na China no Oriente. Pode estar sendo realizada durante 24 horas por equipes diferentes em países com fusos horários muito distintos, de forma que, enquanto uma equipe dorme em um país ocidental, uma outra trabalha num país oriental, cada uma comunicando ao fim do seu turno os progressos obtidos para que a outra continue a trabalhar.
A educação deve educar para este mundo. A escola não pode desconhecer que o ritmo deste processo não permite que ela continue a funcionar da mesma forma ou a ter os mesmos objetivos, a mesma finalidade de quando era a principal agente de transmissão de informações às gerações mais novas. O acesso à informação vem sendo democratizado. Um evento importante em qualquer lugar do mundo é transmitido, por rádio ou televisão, em tempo real ao resto do mundo. Pudemos acompanhar os fatos do 11 de setembro em Nova Iorque em tempo real. Assistimos à guerra do golfo ou às ações no Afeganistão ao vivo. Acompanhamos sessões do Congresso Nacional pela televisão ou pelo rádio. Como manter a convivência desta dinâmica de informações presentes no cotidiano com a narrativa e a descrição dos fatos do passado, próprias da dinâmica escolar? O princípio da transposição didática vigente é o da narrativa ou da descrição, sempre lineares, baseadas na sucessividade, no tempo passado. O pensamento complexo exige uma educação para a simultaneidade, a convivência das diferenças, a articulação do passado com o presente, a capacidade de projetar e competências para continuar incorporando novos conhecimentos e novas informações, dialogicamente. O convívio de uma aprendizagem autônoma com uma aprendizagem ensinada só é possível através de uma aprendizagem assistida, que incorpore outros agentes de informação, outros atores da comunidade e o trabalho coletivo de mestres e aprendizes dialogando, na sistematização de um conhecimento que é base para continuar aprendendo.
Isto não significa que uma pedagogia para o conhecimento complexo desconsidere os indivíduos; ao contrário ela deve fazê-los interagir, cada um com sua experiência, seus projetos, seu papel. É da tensão que se estabelece entre estes indivíduos na sua diferença e deles com os elementos desconhecidos com que entram em contato que se produz a aprendizagem e se constrói o conhecimento de cada um. Nenhum de nós admitiria um médico que, ao chegar ao ambulatório de um hospital ou posto de saúde e lá encontrasse 40 pessoas com diferentes problemas de saúde, a todos prescrevesse uma aspirina a cada 6 horas e pedisse que voltassem no fim do mês para uma avaliação. Mas não será esta uma caricatura do que fazemos na sala de aula? Desconsideramos as diferenças dos indivíduos dando tratamento “igual” a todos. Depois avaliamos uniformemente e queremos que tenham os mesmos resultados. Se não conseguem, o “problema” é de qualquer um menos do nosso processo de trabalho. Generalizamos em vez de organizar um trabalho coletivo. Precisamos formular um novo contrato didático, baseado no trabalho de todos. A escola é um espaço de trabalho. O professor é o gestor desta produção, do currículo e da aprendizagem. Seu objeto é o currículo. O produto é a aprendizagem. O aluno deve trabalhar na construção de um referencial cultural bastante amplo e diversificado, integrando os objetos de estudo a suas experiências, construindo o seu conhecimento.


O ofício do professor
Este novo contrato didático requer uma mudança nos papéis de alunos e professores. Apropriando-me livremente, mais uma vez, de um texto de Perrenoud8 e acrescentando alguns outros elementos que considero fundamentais para o ofício docente, aponto algumas funções básicas do professor neste contrato.
O professor deve considerar as aprendizagens construídas fora da escola, anteriores à vida escolar e em construção concomitante a ela, identificando-as e integrando-as ao trabalho escolar, de forma que as aprendizagens realizadas em qualquer ambiente, tempo ou situação signifiquem ampliação do quadro de referência de cada aluno, articulando senso comum e conhecimento socialmente reconhecido e valorizado. Isto implica, necessariamente, uma prática pedagógica diversificada, que reconheça a especificidade de cada grupo de alunos e de cada aluno: trajetos de vida e de aprendizagens diferentes e projetos de vida diversos demandam diversidade no processo de formação para que adquiram significado.
É importante o docente considerar os conhecimentos como produção cultural socialmente significada, que devem ser recursos mobilizados em situações concretas da prática social e da vida privada. Os conhecimentos têm significado coletivo e individual quando estão em ação; o que os põe em ação é sua mobilização pelas competências. Só sua articulação nas estruturas mentais, na rede de competências, ao distingui-los e criar suas relações potenciais, rearticula o seu significado social no âmbito dos significados individuais, gerando a possibilidade de novas e inovadoras utilizações.
8 PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul. 1999.
Numa aprendizagem assistida, o gestor do trabalho precisa identificar e explicitar as competências a serem construídas ou mobilizadas em cada situação, como construção coletiva de professores e alunos. Este é um papel da prática pedagógica. Ao propor uma atividade a seus alunos, o professor está lhes dizendo que mobilizem conhecimentos já adquiridos, identifiquem e se apropriem de outros conhecimentos que devem ser mobilizados e ativem esquemas mentais que permitam que eles dêem conta de uma certa situação. Habitualmente, os docentes só se dão conta da primeira destas proposições e, então, só estimulam, avaliam e reforçam a identificação ou utilização de algumas informações que eles mesmos transmitiram.
A construção do projeto pedagógico da escola e a prática de cada docente devem considerar, explicitar e explorar as relações interdisciplinares, considerando o caráter orgânico do conhecimento, pela complementaridade dos saberes. A resolução de um problema, a execução de um projeto, o enfrentamento de uma situação exige o aporte de diferentes campos do conhecimento e a mobilização de distintos esquemas mentais, o exercício de identificação e articulação destes conhecimentos e esquemas gera a aprendizagem do reconhecimento da complementaridade e de sua reutilização.
Trabalhar regularmente por problemas aproxima a produção escolar à prática social. A proposição de um problema ativa a mobilização dos conhecimentos já adquiridos, estimula a busca de novos conhecimentos e articula esses dois quadros de referência e estes ao sentido do problema. Entretanto, é indispensável contextualizar os conhecimentos, os problemas e as atividades. Conhecimento não contextualizado não é significativo para o aluno e, portanto, não é passível de aprendizagem, se consideramos a aprendizagem num enfoque em que novos elementos incorporados e articulados às aprendizagens anteriores geram um novo quadro de conhecimentos que deve ser ativado quando demandado. Se o que queremos é que todos trabalhem permanentemente, vamos negociar projetos com os alunos e gerenciá-los coletivamente, trazendo o aluno para o centro da produção que gera aprendizagem. Este processo pode ser um exercício de apreensão da realidade, próxima ou distante no tempo e no espaço, de reflexão e de intervenção sobre esta mesma realidade.
Pensar e atuar na realidade não pode ser uma atividade sem significação. As Diretrizes Curriculares para a educação básica indicam um conjunto de princípios geradores de valores que precisam estar presentes claramente no cotidiano do trabalho escolar, como conhecimento, nos procedimentos e nas atitudes de todos os que estiverem envolvidos na prática pedagógica, em qualquer papel, no contrato didático – educadores e educandos. Um projeto de trabalho proposto pelo professor, pelos alunos ou construído coletivamente deve considerar os princípios da estética da sensibilidade, da política da igualdade e a ética da identidade, e, portanto, da solidariedade. A educação escolar é parte importante na construção de identidades únicas, que reconheçam e respeitem a diferença, que façam da diversidade o motor do seu desenvolvimento e a base para a cooperação na construção de uma sociedade solidária, na perspectiva de uma cultura da justiça e da paz.

DESAFIOS à prática reflexiva NA ESCOLA
Lino de Macedo
O que é prática reflexiva na escola?
Quais os desafios que enfrentamos ao realizá-la?
Por que a prática reflexiva é tão importante hoje?
O objetivo deste artigo é abordar essas três questões.


A prática reflexiva na escola
Historicamente, prática e reflexão foram tratadas como adversárias. Ainda hoje é freqüente a divisão entre aqueles que se interessam mais pela reflexão teórica, pelo domínio do conhecimento no plano do discurso ou da especulação, e aqueles que preferem “pôr a mão na massa”, isto é, considerar o plano da experiência e suas realizações. Como pensar o conhecimento e a reflexão sobre ele como um corpo que caminha com duas pernas, uma que expressa sua dimensão prática ou procedimental e outra que representa sua dimensão compreensiva ou explicativa? Como considerar essas dimensões do conhecimento como duas partes compondo um mesmo todo, de modo interdependente? Defendemos, portanto, uma relação de cooperação ou reciprocidade entre a reflexão e a prática, uma complementando a outra, de forma irredutível e indissociável. Em termos concretos, essa mudança de ênfase sugere duas questões: como refletir sobre a ação já realizada ou sobre a ação a realizar? Como praticar a reflexão? Praticar a reflexão supõe admitir que, como prática, ela se expressa como qualquer outra forma de conhecimento que se realiza no espaço e no tempo, por meio de estratégias ou procedimentos que favorecem sua melhor realização, e que pode ser mais bem realizada pela mediação de um formador. Apesar disso, a prática reflexiva na escola ainda se faz de modo irregular, quase individual e perturbado por todos os tipos de pressões e ambivalências. Irregular porque é freqüente surgir algo urgente para ocupar o seu lugar. Quase individual porque as iniciativas e as boas intenções institucionais nem sempre correspondem à satisfação das necessidades para a realização dessa prática. Perturbado por pressões e ambivalências porque a escola está cada vez mais sobrecarregada com tarefas e expectativas sociais sobre a importância de seus produtos e, ao mesmo tempo, só pode comportar-se de maneira pouco profissional – nos termos que comentaremos no final deste artigo – e pouco habilitada para enfrentar esses novos desafios.
Desafios à prática reflexiva
Analisar os desafios à prática reflexiva na escola implica pensar o tema na perspectiva de situações-problema, ou seja, dos obstáculos que enfrentamos e do que somos desafiados a aprender em favor de sua superação. Nessa perspectiva, propomos analisar os seguintes obstáculos:
■ voltar nossa atenção para as ações e suas conseqüências, uma vez que temos o hábito de pensar sobre objetos, acontecimentos ou conceitos;
■ aprender a refletir sobre a ação a realizar e sobre a ação realizada;
■ saber considerar simultaneamente os processos de exteriorização e interiorização inerentes à tomada de consciência;
■ aprender a refletir com a mediação de alguém ou de algum recurso, isto é, dispor de estratégias de formação e aceitar o papel de um formador;
■ conviver com a dupla função da reflexão: auto-observação ou descrição e, simultaneamente, transformação e emancipação;
■ incluir o antes e o depois da ação, possibilitados pela reflexão, em seu durante.

Voltar-se para dentro
Em geral, refletimos sobre objetos, acontecimentos ou conceitos que são os objetivos de nossa prática. Estamos voltados “para fora”. Buscamos – externamente
– boas respostas ou boas formas de ensinar melhor. Sofremos com os maus resultados, com a desatenção ou o desinteresse dos alunos, com as dificuldades pedagógicas ou com falta de recursos, mas ignoramos os fatores que os favorecem ou dificultam. A prática reflexiva supõe voltar-se “para dentro” de si mesmo ou do sistema do qual se faz parte. Supõe dar um tempo para o que não tem uma resposta imediata ou fácil.
Implica valorizar a posição, o pensamento, as hipóteses do sujeito que age. Supõe compreender que suas interpretações, seus sentimentos ou suas expectativas são fatores importantes para a produção dos acontecimentos.
Refletir sobre a ação a realizar e sobre a ação realizada Como regular o presente, a prática que realizamos aqui e agora, considerando as ações já realizadas, o que pudemos aprender com elas e, simultaneamente, aquilo que planejamos e que pudemos antecipar em favor dela? Saber refletir sobre a ação significa atualizar e compreender o passado, fazer da memória uma forma de conhecimento. Implica saber corrigir erros, reconhecer acertos, compensar e antecipar nas ações futuras o que se pôde aprender com as ações passadas. Envolve reconhecer que a leitura da experiência é tão importante quanto ela própria e o significado – positivo ou negativo – que lhe atribuímos. Implica saber que refletir para agir significa assumir, na prática, o raciocínio e o espírito do projeto- A reflexão torna compartilhável, criticável e sujeito ao controle mútuo o que antes estava restrito a uma situação particular e restrita às pessoas dela testemunhas significa organizar e comprometer o presente em nome do futuro ou de uma meta que se pretende alcançar; significa pré-corrigir erros, antecipar ações; significa imaginar os obstáculos a serem enfrentados e os modos de superá-los; significa valorizar o planejamento da ação e utilizar a avaliação como forma de regulação e observação do que ainda não aconteceu, mas sobre o que já definimos um valor e um modo de intervenção.
Duplo processo: exteriorização e interiorização A prática reflexiva, como todo processo de tomada de consciência, supõe dois percursos, iguais e contrários, a partir de um ponto periférico a ambos: a interiorização e a exteriorização. Por que nossa relação com as coisas sempre parte ou se expressa em termos de uma posição periférica, seja ao sujeito que age, seja ao objeto sobre o qual ele age? Como romper essas relações superficiais, periféricas? Qual o papel dos erros, das diferenças, dos conflitos cognitivos, das frustrações, em favor desse processo?
Sobre o que vale refletir ou tomar consciência? Como aprender a criar um contexto que motiva a reflexão? Como recortar ou eleger situações-problema que sintetizam e expressam os assuntos mais relevantes para nossa meditação? Como realizar essa dupla marcha do conhecimento, uma em direção ao sujeito e a outra em direção ao objeto, que nos encaminha para direções opostas, mas que tenham o mesmo sentido (superar a ignorância e trocar o sofrimento pela alegria do conhecer)? Como realizá-las de modo interdependente? Ninguém reflete sozinho, porém ninguém reflete por nós. Com quem refletimos sobre algum assunto? Qual é o papel do formador ou da pessoa que participa do processo de reflexão? Quais são as estratégias que utilizamos na prática reflexiva? O que significa fazer a mediação em um processo de formação? Sobre o que vale a pena refletir?


Reflexão: auto-observação, transformação e emancipação
Um dos desafios à prática reflexiva é aceitar sua função como observação e leitura de nossa experiência; como um modo de olhar, ouvir, tocar e dizer a nossa prática tal como ela pode se realizar; como um modo de lhe atribuir significados e respeitar suas características e formas de expressão. Como fazer isso sem culpa, condescendência, auto-recriminação, arrogância e sentimento de superioridade ou inferioridade? Ao mesmo tempo, a prática reflexiva pode ser um móvel de transformação ou emancipação de formas agora rígidas, obsoletas ou insuficientes de realização. O benefício dessas funções implica rever hábitos e padrões de conduta ou de pensamento. Significa comprometer-se com o que dizemos e assumir as conseqüências disso. Envolve aprender a refletir como observar melhor, sem crítica, reconhecer o que foi feito. Não é fácil passar do plano da ação para o da reflexão. As ações, sobre as quais interessa refletir, estão organizadas em gestos, atitudes, procedimentos didáticos, esquemas práticos. Transportá-las ao plano da reflexão supõe, segundo Piaget, três obstáculos. O primeiro é o de aprender a reconstituir, no plano da representação, o que já está em uso (mesmo se suas conseqüências não forem mais tão desejáveis ou positivas) no plano da ação. O segundo é o de reconhecer que essa reconstrução comporta um processo formativo complexo, pois significa descentrar-se das ações propriamente ditas e do contexto de suas realizações, transformando em linguagem, que representa, recorta, reorganiza e tira ou acrescenta significados agora no plano das palavras, das imagens, dos modelos e de todas as formas de presentificação do que até então era jogo de procedimentos e de estratégias. O terceiro obstáculo, para o qual oferecemos muitas resistências, é o de dar um estatuto social e interindividual ao que, até então, era restrito ao contexto da aula ou da relação professor-alunos. A reflexão torna compartilhável, criticável e sujeito ao controle mútuo o que antes estava restrito a uma situação particular e restrita às pessoas dela testemunhas. Se isso pode ser libertário e emancipável, pode também nos expor a uma situação sobre a qual não temos mais o suposto controle. Nesses termos, a prática reflexiva, se bem conduzida, pode ser um móvel de transformação. Contudo, isso supõe assumir riscos, tomar decisões, mobilizar recursos, atualizar e rever esquemas, assumir a incompletude ou a insuficiência das coisas. E mais: implica que nos exponhamos frente aos outros e que nos libertemos de nossa solidão e do pseudoconforto de seu anonimato.

Ação: antes, depois e durante
Como considerar ação e reflexão de modo indissociável, complementar e irredutível? Como articular essas duas formas de conhecimento de modo interdependente?
Como possibilitar que uma reflexão sobre o antes e o depois da ação permita, pouco a pouco, uma melhoria do que ocorre durante a ação? Sabemos que, muitas vezes, tudo o que podemos fazer é um máximo de ação
Refletir para agir significa assumir, na prática, o raciocínio e o espírito do projeto com um mínimo de reflexão. Para isso, recorremos preferencialmente a condutas por ensaio e erro, a hábitos e condicionamentos, ficamos subordinados às conseqüências – positivas ou negativas – do que fazemos, estamos reduzidos às queixas ou às alegrias sem saber suas razões. Ainda que sejamos profissionais da reflexão, ficamos submetidos a um cotidiano sem tempo ou espaço para ela. Outros de nós já vivem uma situação oposta: maximizam a reflexão e minimizam a ação. Nesses casos, o que constatamos é um excesso de um plano discursivo (falar sobre), às vezes moralista e apoiado no que deve ser feito, expressando algumas vezes uma relação externa, superior e arrogante.
Pensamos que essas duas posições extremas não valem a pena, pois podem tornar-nos capengas, vacilantes e unilaterais.


A importância atual da prática reflexiva na escola
Por que a prática reflexiva na escola é tão importante hoje? Valorizar a importância da prática reflexiva na escola significa, entre outras coisas, assumir que o magistério deve ser reconhecido como profissão e não apenas como simples ofício. Tal como ser médico ou engenheiro, ser professor supõe uma formação séria, complexa e difícil, mas também altamente valiosa. Ensinar é mais do que uma extensão do trabalho de casa ou do trabalho doméstico ou da mera repetição de um manual ou do texto didático escrito por um especialista. Agora, a escola tornou-se para todos, isto é, tornou-se compulsória e obrigatória, cumprindo o direito de nela as crianças poderem aprender o que é significativo para suas vidas. Para realizar bem essa tarefa, temos que nos profissionalizar. A prática reflexiva é um dos recursos para isso. Uma sociedade tecnológica exige domínios múltiplos e sempre aperfeiçoados para se lidar com as máquinas e para se beneficiar de suas realizações ou produções. Um mundo globalizado exige o domínio de diferentes formas de leitura e escrita, a relação com os diversos modos de enfrentamento e solução de problemas, de vida social e de valores atribuídos às mesmas coisas. Um universo ameaçado por entulhos e desperdícios, pela destruição e pelo esgotamento de seus recursos, pela insuficiência de suas formas milenares de conservação e transformação dos produtos de suas relações exige compreensão e tomadas de posição sobre as conseqüências de nossas ações, implica denunciar e elaborar propostas que recuperem, regulem, evitem um colapso global cada vez mais iminente. Uma sociedade que se quer igualitária, democrática, necessita aprender a discutir, argumentar, construir coletivamente e aprender formas de consenso, de superação de conflitos. Para combater a violência, é suficiente contratar guardas e construir presídios?
Não dá mais para a escola manter-se restrita à transmissão de conteúdos disciplinares, bem como à presença de alunos dóceis aos seus métodos e às características de seus professores. Uma escola para todos supõe a disponibilidade para a prática de uma pedagogia diferenciada e de uma avaliação formativa. Pedagogia diferenciada porque leva em conta a diversidade e a singularidade de todas as crianças que agora freqüentam a escola e nela esperam aprender coisas significativas para sua vida. Avaliação formativa porque observa, regula, seleciona, valoriza o que melhor pode estar a serviço dessas aprendizagens e o que indica os progressos ou as mudanças de posição quanto ao que cada criança pôde aprender e desenvolver em favor de conteúdos, competências e habilidades que nós, adultos, julgamos que elas deviam dominar. A vida na escola, nos termos em que ela se configura hoje, supõe saber enfrentar e resolver situações-problema cada vez mais complexas e para as quais as respostas tradicionais são cada vez mais insuficientes, obsoletas ou inaplicáveis. Para isso, temos que nos tornar-nos profissionais e superar a crítica vazia e externa, a queixa, a culpa, a ingenuidade e o amadorismo. Penso que a prática reflexiva, até pelos obstáculos que nos coloca, pode ajudar-nos nessa direção.
Lino de Macedo é professor de Psicologia do Desenvolvimento da USP.
E-mail: limacedo@uol.com.br


Gestão escolar eficaz* Guiomar Namo de Mello Lourdes Atié
Extraído e adaptado de texto originalmente publicada pela Fundação Lemann em 2003. O Brasil ainda não havia reconquistado o direito de votar no Presidente da República, e já as escolas públicas de vários cantos do país elegiam seus diretores.
A epígrafe acima é para lembrar que as iniciativas para melhorar a gestão escolar não são recentes. Ao longo das três últimas décadas seus enfoques e metodologias foram mudando, em estreita associação com o processo político e educacional do país. Para entender o que é novo nas iniciativas atuais, objeto de análise deste estudo, ajuda recuperar muito brevemente essa história.


A gestão escolar adjetivada
Até o início dos anos 1980, com exceção de São Paulo – onde havia concurso público para diretor de escola –, essa função era preenchida com nomeações de políticos locais, sem qualquer consideração de mérito. Clientelismo na educação e fragilidade da democracia representativa eram ambos parte do mesmo clima de fechamento político e escassa participação popular. Nesse período, a escolaridade básica já estava em franca expansão quantitativa. A resposta dos governos para esse aumento de demanda foi crescer a máquina burocrática centralizada no mesmo ritmo em que cresceram as salas de aula improvisadas, sem repensar os processos estratégicos de planejamento e gestão. Centralizada e lenta que sempre fora, a burocracia educacional se transforma também num gigante paquidérmico. Nesse contexto, devem ser entendidas as primeiras medidas de melhoria da gestão escolar, associadas a duas bandeiras educacionais dos anos 1970/1980: a participação e a descentralização, ambas sintetizadas na expressão gestão democrática (da escola). Isso fez do Brasil o único país em que a gestão educacional e escolar precisou de adjetivos para construir sua identidade e se fazer respeitar. São desse período, de 1978 a 1982-86, os primeiros prefeitos e governadores de oposição eleitos diretamente pelo voto popular. Foi nesses municípios e estados que a gestão democrática da escola ganhou expressão real na forma da eleição direta dos diretores e dos conselhos paritários de pais, professores e, em alguns casos, alunos. Como no caso das indicações políticas, também não houve, nesse momento, qualquer consideração de mérito. A eleição direta chegou mesmo a ser apresentada como uma alternativa “democrática”, em contraponto com o concurso, considerado “meritocrático e tecnicista”, verdadeiros pecados ideológicos nesses tristes anos. Como toda a questão se resumia aos aspectos políticos, é claro que não haviam propostas de capacitação pedagógica ou administrativa dos gestores, fossem eles diretores escolares, delegados de ensino ou quaisquer outros postos da gerência média do sistema. A adolescente democracia brasileira ainda não conseguia conceber e praticar formas de gestão escolar para garantir a aprendizagem dos alunos. No entanto, exatamente por causa da ausência de tradição democrática, a eleição de dirigentes escolares ganhou legitimidade aos olhos de uma República que ainda não elegia os prefeitos das capitais. E foi assim, legitimado pelas forças progressistas, que o termo gestão democrática ganhou destaque no capítulo de educação da Constituição de 1988.


A gestão democrática questionada
Na educação, como em outras áreas, a constituinte foi o desaguadouro de tendências e correntes diversas, anseios há muito represados e muitas vezes conflitantes. Se é verdade que a expressão gestão democrática ganhou um lugar de honra no texto constitucional, também o é que não foi sem disputas quanto ao seu real significado. Já no final do processo, vários políticos e educadores foram porta-vozes do pensamento que recomendava prudência com o “basismo” exacerbado que imperou na gestão escolar na década anterior a 1988. A principal lição desse período anterior à constituinte foi a de que a gestão democrática, tal como praticada, não levava à real democratização do acesso e da permanência na escola e muito menos à melhoria da qualidade do ensino. A escola deixava de ser aparelhada pelos políticos de clientela para ser aparelhada pela clientela de sindicatos ou partidos autoproclamados progressistas. Não havia correlação entre competência profissional e eleição: havia diretores competentes tanto entre os indicados politicamente como entre os eleitos. Os incompetentes infelizmente eram maioria em ambos os grupos.
Era preciso uma nova forma de pensar a gestão escolar. Alguns municípios e stados buscaram alternativas para o dilema concurso x eleição direta, dos quais os mais importantes foram a Prefeitura do Município de São Paulo (1982 a 1985) e o Estado de Minas Gerais (início dos anos 1990)1. Principalmente em Minas, a questão do preparo e da capacitação em serviço dos diretores ganhou prioridade. Se essas novas formas de pensar a gestão da escola não ganharam expressão na constituinte, elas foram decisivas no debate que se seguiu, iniciado já em 1988, quando foi apresentado o primeiro anteprojeto de LDB (Lei de Diretrizes e Bases), a lei complementar necessária para regulamentar os dispositivos educacionais da nova Carta Magna.
Os oito anos que a LDB levou tramitando no Congresso foram dos mais ricos da recente história brasileira e a boa fortuna permitiu que a nova lei fosse sendo modificada pela contaminação com o debate mais amplo do fortalecimento do estado de direito no Brasil e da necessidade de reformá-lo para responder às demandas da globalização e da sociedade da informação. Mais de duas mil emendas foram apresentadas ao projeto original, muitas delas encaminhadas pelo próprio poder executivo, até que tudo foi reformatado no substitutivo do Senador Darcy Ribeiro que, por fim, foi aprovado e homologado no apagar das luzes de 1996. Do projeto basista e corporativista de 1988 resultou uma lei moderna e sintonizada com as demandas educacionais do final do milênio. A visão de gestão educacional no Brasil nunca mais seria a mesma.


A gestão escolar qualificada
Se existem empresas inteligentes e instituições que aprendem, a LDB é uma lei que aprendeu. Aprendeu com erros e acertos das experiências de gestão democrática realizadas por estados e municípios; com as críticas a essas experiências e as alternativas que se puseram em prática; aprendeu também com o debate maior que o Brasil travou sobre privatização, papel do Estado gestor e do Estado regulador, importância do mercado e das instituições do Estado de direito. Sem abrir mão da participação que era cara para a gestão democrática dos anos 1980, a LDB imprimiu à democracia um novo sentido com a avaliação de resultados. Tratou a descentralização de modo conseqüente: responsabilizou os municípios pela educação das crianças pequenas e ao mesmo tempo determinou que as escolas podem ter autonomia financeira e de projeto pedagógico. Num mesmo movimento, abriu caminho para descentralizar e desconcentrar.
Mudando o eixo da filosofia que imperou até então, inclusive na constituinte, substituiu a liberdade de ensino pelo direito de aprender, determinando que a escola deve zelar pela aprendizagem do aluno. Inaugurou um paradigma curricular flexível e inovador. Abriu as portas para a criatividade e capacidade pedagógica de estados, municípios e estabelecimentos escolares, públicos ou privados, permitindo que eles organizassem a aprendizagem de modo a corresponder às necessidades de seus alunos. Descentralização conseqüente, avaliação, autonomia de projeto pedagógico, direito de aprender de uns e zelo pela aprendizagem para outros, são essas questões que demarcam o cenário da gestão escolar pós LDB. São elas que deverão orientar as categorias de avaliação a serem aplicadas, no presente estudo, às atuais iniciativas ou programas que visam a qualificar a gestão escolar para ser a organizadora desse cenário. Antes, porém, é preciso finalizar este rápido contexto histórico.


A gestão escolar na prática
Ainda que os marcos legais estejam postos e apesar do avanço considerável das políticas educacionais da última década, o setor público na educação brasileira ainda consome suas energias com a burocracia centralizada. Nesta, apenas começam a existir espaços para rever formas de atuação que levem ao fortalecimento da escola e à articulação de parcerias com comunidade do entorno e outros atores da sociedade civil. As escolas são controladas de modo burocrático. O essencial, que é a aprendizagem dos alunos, não está sujeito a cobranças, incentivos ou sanções. Ao centralismo burocrático soma-se o problema dos ciclos políticos, cujos tempos são sempre bem mais curtos que o necessário para a maturação de medidas educacionais. A síndrome da assinatura própria faz com que cada governo de turno crie e implemente outros programas. A escola, destino final das decisões e medidas tomadas dentro desse padrão de gestão, vê-se assediada por inúmeras demandas, diferentes a cada ciclo político.
Em resumo, a ação do Estado na educação, onde deveria ser dinâmica, aberta à diversidade e mutabilidade, tende a ser estática e homogênea. Onde deveria ser estável, no sentido de garantir continuidade de políticas, tende a abolir programas e criar outros parecidos, dando a impressão de um eterno recomeçar. É, assim, da maior importância que formadores de opinião ou tomadores de decisão de outros setores que, neste momento, se voltam para a educação negociem com políticos e dirigentes do setor público a racionalidade, continuidade, sustentabilidade e avaliação de programas públicos ou privados para melhoria da gestão escolar.


Gestão escolar e responsabilidade social
O cenário dos anos 1990 não ficaria completo sem mencionar a participação da iniciativa não governamental na educação2. Inúmeras instituições mantidas total ou parcialmente por empresas ou grupos empresariais elegeram a educação como área para o exercício da responsabilidade social corporativa. Projetos desenvolvidos diretamente ou em parceria com ONGs, institutos e fundações estão produzindo insumos diversos para subsidiar políticas de melhoria do ensino público: metodologias, materiais, expertises. Apesar da diversidade de escopo e enfoques metodológicos, esses programas, financiados em parte com recursos privados, mantêm certa unidade garantida pela LDB, cujos marcos estabelecem as grandes orientações. Muitos deles valem-se das lições aprendidas nos anos 1970-1980. Mesmo assim, vale a pena observar que a multiplicação de iniciativas para melhoria da gestão ou do gestor pode aumentar a multiplicidade de orientações e demandas para as escolas, reforçando assim o padrão caótico do setor público.


QUADRO CONCEITUAL Cenário e justificativa
O grande desafio que o Brasil enfrenta na educação ao iniciar o século XXI é a melhoria da qualidade da escola básica. Com o Ensino Fundamental universalizado e a rápida expansão da oferta de Educação Infantil e Ensino Médio, a Educação Básica brasileira está a caminho de se tornar acessível a todos. Como isso ocorre depois de 500 anos de exclusão, numa sociedade muito desigual, o problema de melhorar a qualidade não é uma questão de atingir patamares homogêneos e sim de avançar o máximo possível com cada geração escolar, de modo a promover uma qualidade não só melhor como duradoura e sustentável a uma população extremamente heterogênea. É meta para no mínimo 20 anos. Em suma, melhorar a qualidade do ensino público e diminuir a desigualdade educacional são estratégias inseparáveis. O país tem mais de 2 milhões de professores de educação básica, concentrados em sua maioria nas cerca de 107 mil escolas urbanas, públicas e privadas, e espalhados pelas mais de 100 mil escolas públicas rurais. São mais de 150.000 gestores escolares, considerando apenas os diretores e auxiliares de direção, que se distribuem aos dois, três ou mais nas escolas grandes até aquelas, minúsculas, nas quais professor e gestor são a mesma pessoa. A todos estes devem ser acrescentados os supervisores e demais dirigentes médios dos sistemas de ensino, o que monta a pelo menos 300 mil profissionais. É com essa força de trabalho enorme e desigual, num território de dimensões continentais e com culturas muito diversas, que o Brasil terá de construir a escola de qualidade para todos. Enquanto se implementam reformas nos cursos superiores de formação inicial desses profissionais, é necessário que, em prazo menos longo, existam programas de educação continuada em serviço, apoio e assistência técnica “no chão” da escola e da sala de aula. Faz todo o sentido, portanto, que governo e instituições da sociedade civil estejam buscando modelos, formatos, materiais e metodologias para oferecer formação em serviço a gestores e professores. No entanto, apesar da urgência que a realidade reclama, é mister avaliar processos e resultados, para assegurar que os esforços e recursos estão indo para onde são mais necessários. Este estudo é uma contribuição nesse sentido.


A escola faz diferença?
Para introduzir a literatura sobre o tema, essa pergunta é relevante. Muitos estudiosos da educação, contaminados pelo pessimismo pedagógico que marcou a segunda metade do século XX, chegaram a afirmar que a escola apenas reproduzia as desigualdades sociais. Estudos tão distantes teoricamente quanto o estruturalismo de Bourdieu & Passeron (1970) na França e o funcionalismo de Coleman (1966) nos Estados Unidos, por caminhos metodológicos opostos, chegaram a conclusões idênticas: os alunos saem da escola tão desiguais quanto haviam chegado a ela. Esse pessimismo foi, na verdade, importante porque provocou a elaboração teórica e a realização de avaliações e investigações empíricas mais cuidadosas metodologicamente. Sem a inocência do ufanismo pedagógico do século XIX e início do XX, essa nova “defesa” da escola tem produzido evidências consistentes sobre o impacto positivo que a educação pode ter no destino profissional e social de populações em risco. Evidências empíricas sobre a diferença que a escola faz reforçam as iniciativas que atuam sobre os processos intra-escolares: fortalecimento da capacidade profissional dos professores, melhorias na gestão, produção de materiais e recursos didáticos diversificados e de boa qualidade, entre outros. E legitimam as políticas educacionais voltadas para a universalização do acesso e a melhoria da qualidade da educação escolar, que podem ser fatores coadjuvantes decisivos na melhoria da distribuição de renda e diminuição das desigualdades em países como o Brasil.
Levantamentos do “estado da arte” dos estudos que investigaram o peso dos fatores intra-escolares no desempenho dos alunos têm sido realizados. Para o presente trabalho, alguns deles foram tomados como referência: MELLO (1993); ALVARIÑO et. al. (2000); PURKEY & SMITH (1983); EDMONDS (1989). No Brasil, embora há pelo menos 12 anos o país esteja fazendo avaliações nacionais do desempenho dos alunos da educação básica, não existem ainda estudos extensivos sobre a relação dos resultados da avaliação e as características das escolas.


Respostas e evidências
Na longa trajetória realizada pela pesquisa educacional, acionada por distintos fatores cuja análise não cabe neste informe, algumas respostas e evidências “duras” foram produzidas nos últimos anos. A seguir, uma relação sintética das respostas obtidas em diferentes estudos.

1. Existem efetivamente diferenças de resultados entre escolas, que não podem ser explicadas apenas pelas variáveis de origem dos alunos, ainda que estas últimas pesem na explicação. Controladas as diferenças iniciais e os fatores ambientais, as escolas têm um impacto específico. Produzem diferenças substantivas nos seus alunos.

2. As diferenças entre as escolas estão sistematicamente associadas com as características dos processos educativos internos e com o clima organizacional que opera em cada instituição escolar. Quer dizer, fatores que podem ser modificados pelas próprias escolas, pelas políticas, pelos atores político-institucionais. Há uma forte relação entre fatores sociais e ambientais dentro da escola e o progresso dos alunos.

3. As diferenças entre as escolas são estáveis, podem permanecer por longos períodos (mais de década) se forem mantidas relativamente estáveis as condições.

4. O que acontece no início da escolaridade é um bom critério para prognosticar o sucesso ou o fracasso na carreira escolar. Crianças de origem e condições familiares iguais podem ir melhor ou pior nas demais etapas escolares, dependendo do sucesso ou fracasso no início da escolaridade.

5. As diferenças entre as escolas apontam para a importância de se considerar o “valor agregado” das instituições escolares. Neste sentido, a informação pública dos resultados obtidos em testes padronizados de uma escola, como medida de comparação entre escolas, pode ser enganosa. Mais relevante seria informar o incremento nos resultados dentro de uma mesma escola e a persistência desse incremento. Posto que a escola faz diferença, passa a ser relevante olhar dentro dessa “caixa preta” para identificar as características das escolas nas quais os alunos aprendem e as características que precisam ser modificadas ou eliminadas porque têm relação negativa com o sucesso da aprendizagem. Aqui, os estudos dividem-se em dois blocos: os que estão examinando a ação do professor, o manejo da sala de aula, a forma como se organizam as situações de aprendizagem; e os que estão focados nos padrões de gestão da escola como um todo. Esses estudos dão conta de que todas as escolas eficazes possuem algumas características comuns. Diferentes listas das mesmas terminam com significados bastante próximos. Sem querer esgotá-las, as mais importantes são as que seguem.

1. Liderança pedagógica. Propositiva, firme, competente profissionalmente, que valoriza o desempenho tanto da equipe escolar como dos alunos.

2. Visão e metas compartilhadas. Clareza e unidade de propósitos, colaboração e consistência.

3. Foco em conteúdos básicos. Pouca dispersão e objetivos definidos com o maior grau de precisão possível.

4. Ambiente favorável à aprendizagem. Ordenado, atraente, onde o uso do tempo, do espaço e dos recursos está voltado prioritariamente para os objetivos de aprendizagem.

5. Expectativas elevadas. Indispensáveis para criar cultura de sucesso, devem comunicar com clareza a convicção de que os alunos são capazes de atingir os objetivos de aprendizagem estabelecidos.

6. Avaliação e acompanhamento do progresso do aluno. Continuidade na retroinformação e nas estratégias para superar dificuldades.

7. Avaliação institucional. Avaliação da escola e estudo de itinerários dos alunos.

8. Reforço positivo. Regras claras e compartilhadas, direitos e responsabilidades bem definidas.

9. Capacitação centrada na prática. Focalizada nos resultados e dificuldades, envolvendo a equipe como um todo e com certo controle da própria escola sobre conteúdos e metodologias da capacitação.

10. Facilitação das instâncias centrais do sistema.
Assistência técnica e apoio para implementar decisões tomadas com a participação da escola.

11. Cooperação com a família.
Clareza de comunicação dos objetivos, participação e suporte dos pais.

Há uma longa discussão sobre qual dessas características seria capaz de induzir o aparecimento de outras. Estudos publicados entre 2001 e 2005 mencionam com grande destaque dois aspectos do ambiente da escola que são favoráveis ao aparecimento de outras características de eficácia: a cultura do sucesso e um clima de confiança, acolhimento e cuidado (caring). Para terminar, deve-se mencionar que o exame mais detido sobre como se processam as mudanças nas escolas que melhoraram o desempenho de seus alunos aponta o estilo de liderança como elemento indispensável para garantir o aparecimento e a consolidação das demais características das escolas eficazes. Essa constatação reforça a importância de programas ou iniciativas como os examinados neste relatório, voltados para a capacitação inicial ou continuada de gestores de escola.

Lino de Macedo
Ilustrações: Mário Röhnelt
A escola de hoje reconheceu e aceitou o desafio de ensinar o compulsório da vida para todas as crianças e adolescentes. O que ela precisa mudar para ser capaz de ensinar a todas as crianças?
O desafio da escola

ANO VIII Nº 32 NOV 2004/JAN 2005
E escola de “hoje” reconheceu e aceitou o desafio de ensinar o compulsório da vida para todas as crianças e adolescentes. O que ela precisa mudar para ser compulsória nesse segundo sentido, ou seja, ser capaz de ensinar a todas as crianças? Para responder a essa pergunta, penso que são importantes duas considerações. Primeiro, a escola de “hoje” deve mudar a visão que a de “ontem” construiu sobre si mesma. Segundo, a escola de “hoje” não pode esquecer em sua crítica aquilo que continua valioso, apesar dos imensos desafios de sua consideração na atualidade. De um lado, a escola, como qualquer instituição social, expressa os valores, as possibilidades e os interesses das pessoas de seu tempo. Sobretudo, daquelas que têm poder político e econômico, que têm condições – “herdadas” ou “conquistadas” – para determinar o que julgam “melhor” para si mesmas e para os representantes de sua classe. Nesses termos, talvez caibam duas perguntas:
a quem a escola de ontem servia? A quem serve a escola de hoje? De outro lado, como comentei no início, a escola aceitou ser – e de fato é – depositária daquilo que é fundamental ou compulsório a qualquer ser humano, mesmo que suas formas de expressão variem no espaço e no tempo. A quem serve a escola? Para responder a essa pergunta, proponho que lembremos, ainda que superficialmente, três modos de ser de nossa sociedade nos últimos séculos. O primeiro deles é o da sociedade produtora, isto é, comprometida com a fabricação de bens duráveis, resistentes.
Por que a escola de ontem não era? Por que a de hoje deve ser? Consideremos que, em certo sentido, a escola sempre foi compulsória. Foi nela que sempre se depositou a esperança e a confiança no desenvolvimento e na aprendizagem dos alunos daquilo que é compulsório para todos nós, não só na escola, mas na vida em geral. Amar ao próximo como a si mesmo, ser digno, comprometido, responsável e tantos outros valores são “compulsórios” a uma certa visão de ser humano. Sem eles, predominariam a barbárie e a violência. Classificar, selecionar, ordenar, fazer inferências, observar, comparar, quantificar, concluir, fazer escolhas, tomar decisões, antecipar, corrigir e tantas outras “ferramentas” cognitivas são habilidades consideradas compulsórias ao ser humano. Sem elas, nossa sobrevivência, nosso passado, presente ou futuro ficariam extremamente prejudicados e sujeitos a toda sorte de manipulações. Trabalhar em grupo, cooperar, argumentar, compartilhar tarefas, construir coisas, divertir-se, criar, desfrutar a vida e tantas outras realizações sociais são compulsórias ao ser humano. Sem elas, a vida restaria sem sentido.
Os domínios lembrados entre tantos outros não são privilégio da escola, tanto assim que culturas não-escolares” os desenvolvem, inclusive de modo bastante complexo. O fato é que, em nossa sociedade, atribuiu-se à escola um lugar fundamental para o desenvolvimento dessas aquisições, sobretudo em crianças e adolescentes. Em resumo, se há coisas compulsórias é porque são melhores para o ser humano e, se a escola compromete-se com seu desenvolvimento, ela também se torna compulsória, ao menos quanto aos conteúdos que pretende ensinar. O problema da escola compulsória de “ontem” é que era destinada para poucos alunos. Ela se restringia àqueles que tinham condições (financeiras, cognitivas, sociais, culturais, afetivas, biológicas, religiosas) de ingressar ou permanecer nela, porque atendiam aos seus pré-requisitos ou pressupostos. Os outros, a grande maioria, não ingressavam ou não ficavam mais do que alguns anos, o que só confirmava sua falta de condições para desenvolver na escola os conteúdos acima mencionados. Em outras palavras, a escola sempre foi compulsória, porque está comprometida em desenvolver bem o que é compulsório a uma vida digna e plena, mas antes ela só se permitia fazer isso com os poucos alunos que tinham condições para atender aos seus critérios. Uma sociedade que preza o emprego e o casamento para toda a vida, que valoriza a família com muitos filhos, os quais estendem e aprofundam a herança e os valores de seus pais. Não importa que o trabalho vire rotina, que produzir seja mais um reproduzir, um fazer sempre igual, que o casamento não faça sentido e que se sustente por interesses externos ou pelo medo de mudança. Qual é a melhor escola para essa sociedade? Quem são os melhores alunos para ela? Quais conteúdos escolares ela deve privilegiar? Em sua lista, que competências e habilidades são requeridas de seus alunos?
Um segundo tipo de sociedade é a que valoriza o ter, o possuir recursos materiais a serem acumulados. É a sociedade que preza o capital, que divide as pessoas por suas posses, por seus bens materiais, por sua fortuna. Qual é a melhor escola para essa sociedade? Como ela prepara crianças e adolescentes para serem bem-sucedidos neste sistema? E as crianças que não têm condições materiais para freqüentá-la, porque devem trabalhar, porque seus pais não podem ter nem têm livros em casa?
Um terceiro tipo de sociedade é a que valoriza o consumir, o desfrutar mais e mais os bens produzidos e sempre aperfeiçoados ou diversificados. É a sociedade que valoriza o instante, o substituível, o breve no tempo e o próximo no espaço, já que os recursos tecnológicos cada vez mais possibilitam isso. É a sociedade global, tecnológica, plena de invenções e descobertas. Possuidora de recursos que facilitam nossa vida, que “sustentam” a juventude de nosso corpo, que estendem nosso bemestar e que nos provêem facilidades e possibilidades de consumo de todos os tipos. Uma sociedade que julga ter superado o pesado, o difícil, o que precisa ser consertado e apreendido de modo lento e dedicado. Qual é a melhor escola para essa sociedade? Como ela deve preparar seus alunos? Quais competências e habilidades eles devem dominar para serem bem-sucedidos?
Produzir, ter e consumir representam ações e valores que talvez resumam nossos principais esforços e êxitos dos últimos tempos. Não importa que cada vez mais menos pessoas tenham possibilidades para isso, que suas reais condições de fazer parte dessa classe sejam precárias, incertas e difíceis. Não importa os tipos de ansiedade, de sofrimento, de exclusão e de desigualdade social implicadas em nossos esforços para produzir, ter e consumir. O interessante é que essa mesma sociedade aprove leis e determine recursos a serem gastos em uma escola para todas as crianças. O interessante é que essa mesma sociedade reafirme o valor das coisas compulsórias para a nossa vida e que eleja a escola como o melhor lugar para que todas as crianças e adolescentes realizem essa iniciação. Uma escola que aceita o compromisso de ser compulsória para todas as crianças deve valorizar a construção, a aquisição e o consumo de que coisas? O que deve ser reconstruído criança por criança, porque esse bem não pode ser comprado, nem está pronto para ser consumido? O que o dinheiro de um aluno não pode comprar e, portanto, permitir-lhe consumir fácil e imediatamente? O que está nos livros, no conhecimento ou no domínio dos adultos, encarnado nas ferramentas ou tecnologias, mas que precisa de novo ser inventado e descoberto, ou seja, reconstruído por todas as crianças? Essas coisas são as que listei no início deste artigo. E se elas são compulsórias é porque não podemos sintetiza-las nos objetos e nas pessoas que as possuem, pois necessitam ser reconstruídas segundo as possibilidades de cada criança.
Penso que os comentários feitos até aqui sugerem a importância de uma reflexão sobre a escola, agora na perspectiva da criança. Como distinguir e relacionar criança com aluno? Aluno é uma categoria sociológica ou pedagógica. Supõe dominar um “ofício”, tornar-se parte de uma comunidade, qualificar-se para a realização de certas tarefas, dominar ou aceitar regras (muitas delas implícitas) que possibilitam esse pertencimento. Supõe sofrer as conseqüências de uma certa compreensão de sociedade, dos valores que a escola cultiva, dos recursos que dispõe e dos limites políticos de seus agentes para bancar seu projeto pedagógico. Ser criança, tornar-se aluno: esta é a exigência de hoje.
No entanto, ser aluno é uma coisa, enquanto tornar-se alfabetizado, por exemplo, é outra. Talvez possamos obrigar a uma criança a ser aluno, mas não podemos exigir que aprenda, porque isso supõe uma adesão afetiva e um desenvolvimento cognitivo que a condição de aluno não é suficiente para dar conta. Uma criança pode ser considerada aluno desde o momento em que se matricula na escola ou que a freqüenta, mesmo que por pouco tempo. Tornar-se alfabetizado implica uma transformação pessoal, com todas as suas implicações socio-culturais. O desenvolvimento e a aprendizagem das crianças precisam de tempo e espaço para acontecer. Tempo porque sua realização não é fácil nem imediata. Supõe entregar-se e confiar em uma possibilidade, em algo que, ocorrendo hoje (refiro-me às atividades do dia-a-dia que favorecem a aprendizagem da leitura e da escrita), só se confirmará pouco a pouco no encanto de se sentir leitor ou escritor. Espaço porque supõe coordenar pontos de vista, prestar atenção a muitos detalhes, criar novas possibilidades, reorganizar a vida e, quem sabe, melhorar ou aprofundar as estruturas (cognitivas, afetivas, sociais, etc.) que lhes dão sustentação. Mais do que isso, tornar-se alfabetizado é confiar em uma proposta que se faz ao aluno, é admirar em seu proponente suas habilidades de leitura e escrita, é querer tornar-se como ele. Só se pode valorizar algo que não é (refiro-me a um aluno não-alfabetizado) pela admiração e pela vontade de ser como aqueles que dominam tal habilidade e que querem ensiná-la. Ser aluno, tornar-se (entre outras coisas) alfabetizado: esta é a exigência de hoje.
Criança é um tema de estudo da psicologia e, em particular, da psicologia do desenvolvimento. Uma criança não precisa da escola para ser criança. Nessa perspectiva, ser aluno é apenas uma de suas possibilidades e necessidades. Uma criança também é filho, tem irmãos, amigos, brinca, vive o cotidiano de sua casa, de sua rua, de sua cultura ou de sua religião. Elas são a garantia de nosso futuro, quem sabe para melhor. Assim, se seu presente não for favorável a isso, toda a humanidade ficará ameaçada. As crianças são nossos “pais”. Todo adulto começou sendo criança. Um adulto é uma criança que sobreviveu, que enfrentou e superou os desafios, as dificuldades, as doenças, o medo do desconhecido. É claro que ela contou (contou?) com a ajuda dos adultos, com seus conhecimentos e recursos, com suas instituições, com seu amor e seus cuidados. Uma criança que nasce é a humanidade que tem nova chance de rever seus valores, suas práticas, suas formas de vida. Ou, ao contrário, de repetir sua insensatez, seus interesses mesquinhos, sua desigualdade. Como não perder a criança, agora reduzida ao papel compulsório de aluno? Uma criança sem tempo e sem espaço para ser criança? Será que os alunos só podem encontrar seu lado criança, ou melhor, compensar a falta que isso lhes faz nas brincadeiras desautorizadas, na violência, na agressividade, no fracasso escolar? Poderá a escola, uma instituição que representa e expressa os interesses dos adultos sobre aquilo que eles querem que os alunos se tornem, também defender a perspectiva das crianças que nela estudam? Saberá articular esses interesses com o que é compulsório para as crianças, porque as qualifica para uma vida melhor? Saberá garantir condições para que as crianças possam ser apenas crianças, isto é, para que vivam os interesses, as possibilidades desse período de desenvolvimento? Ser aluno, tornar-se criança: poderá a escola cumprir tal missão? O leitor observou, com razão, que “desconsiderei” o professor, o diretor, o coordenador pedagógico e todos os outros profissionais da escola. Concentrei-me na análise dessa instituição, ontem e hoje, bem como na relação criança-aluno. Saiba, contudo, que foi para eles que tudo foi dito, que foi neles que pensei o tempo todo. Por isso, é para eles que dedico o presente artigo.
Lino de Macedo é professor titular
de Psicologia do Desenvolvimento
do Instituto de Psicologia da USP.
E-mail: limacedo@uol.com.br


A escola de “hoje” deve mudar a visão que a de “ontem” construiu sobre si mesma, sem esquecer em sua crítica aquilo que continua valioso
Introdução
O governo federal estabeleceu metas e prazos para que a educação pública brasileira atinja os níveis de desempenho médio verificados nos países mais desenvolvidos. Até 2021 todas as escolas públicas de nível básico deverão atingir essas metas, e para isso foi lançado, em abril de 2007, um novo plano nacional de educação, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Trata-se de um desafio gigantesco, pois, segundo o próprio Ministério da Educação, apenas 62 das 200 mil escolas públicas do
país possuem nível de qualidade compatível com o dos países desenvolvidos. Quais políticas e investimentos são necessários para alcançar esse nível? Como anda a situação da educação básica no país e o que pode ser feito para melhorá-la? É fato que a sociedade brasileira valoriza cada vez mais a importância da educação como política pública indispensável para formar cidadãos competentes, promover eqüidade e aumentar a produtividade econômica do país. Algumas iniciativas recentes comprovam a preocupação e o compromisso da sociedade com a educação pública. Em setembro de 2006, um grupo de organizações não-governamentais e fundações empresariais lançou o compromisso “Todos pela Educação”, também com metas a serem atingidas até 2022, ano em que o país completa 200 anos de independência. Melhorar a qualidade da educação básica é hoje o maior e mais importante desafio do país no campo das políticas sociais. É fundamental reconhecer a importância que a educação deve ter, mas também é preciso obter um diagnóstico claro das causas dos problemas a fim de traçar estratégias e políticas que possam melhorar o quadro atual. E qualquer solução passa por estratégias de longo prazo e políticas de Estado que não sofram descontinuidades com mudanças de governos. Os números e a baixa qualidade da educação básica brasileira são bastante conhecidos e têm tido grande destaque nos meios de comunicação. No entanto, a qualidade da educação básica pública, sob a responsabilidade dos estados e municípios – que respondem por 90% do total da matrícula –, ainda não é considerada prioridade pela maioria dos pais de alunos, segundo diferentes pesquisas de opinião. Isso ocorre porque crianças e jovens têm mais oportunidades de escolarização do que tiveram seus pais no passado recente. É preciso, portanto, que os problemas da educação básica sejam mais bem compreendidos pelo conjunto da sociedade, de modo a viabilizar a construção de consensos e estratégias de longo prazo para promover as mudanças necessárias. Na última década, depois de um avanço muito lento em relação aos outros países ou de “um atraso secular”, como assinala Moura Castro,2 o Brasil conseguiu ampliar significativamente a cobertura em todos os níveis de ensino. Entre 1994 e 2005, a matrícula do ensino superior dobrou. O ensino médio cresceu a taxas chinesas, variando de 8% a 12% ao ano. O ensino fundamental obrigatório conseguiu finalmente garantir vagas para todas as crianças de sete a 14 anos. Embora o atraso escolar seja ainda elevado em relação à série que os alunos deveriam estar cursando, as taxas de repetência e de evasão escolar caíram consideravelmente até o final dos anos 1990, tendendo à estabilização no período recente. O grande problema é a falta de qualidade do ensino oferecido. Todas as avaliações nacionais e internacionais apresentam sistematicamente resultados inaceitáveis. Melhorar a qualidade da educação básica, enfrentar as deficiências já diagnosticadas e implementar políticas que realmente levem à gradual mudança do sistema deve ser a mais alta prioridade do país. Por que não conseguimos melhorar a qualidade da educação básica? Quais as principais causas de sua baixa qualidade? O que explica o atraso histórico da educação brasileira? Quais políticas podem contribuir para melhorar o quadro atual? Este é o objetivo deste artigo: examinar as principais causas da baixa qualidade da educação básica e apontar algumas alternativas de políticas que possam orientar as mudanças desejáveis.


O atraso educacional brasileiro: da exclusão consentida à universalização do acesso
O atraso educacional brasileiro tem suas raízes na formação histórica do país. Contrariamente ao que ocorreu em outras partes do Novo Mundo, o colonialismo português prestava pouca atenção ao tema da educação pública. A primeira preocupação com a organização de um sistema público de educação se observa na segunda metade do século XIX, com a criação das primeiras instituições federais de ensino. Pode-se dizer que a educação pública só entrou para a agenda nacional nos anos 1920, a partir das Conferências Nacionais promovidas pela Associação Brasileira da Educação, a criação do Ministério da Educação e Saúde em 1931, e a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Nova Educação, assinado por Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e tantos outros.3 Essas iniciativas, contudo, não tiveram força suficiente para dar à educação a prioridade devida. No Brasil agrário da década de 1930, o acesso à educação era realmente privilégio de poucos. Em 1930, somente duas de cada crianças freqüentavam a escola. E a maioria chegava, no máximo, até a quarta série do primário, pois apenas as grandes cidades ofereciam o ginásio (quinta a oitava séries). O analfabetismo atingia 60% da população brasileira com mais de 15 anos de idade. No período de 1930 a 1960, atribuiu-se grande ênfase à construção de um sistema público de qualidade, em detrimento da prioridade de universalização da educação básica. A partir dos anos 1960, o país deu início à expansão e diversificação do sistema, mas perdeu qualidade na educação básica. Tal fenômeno não é exclusividade do Brasil. Em vários países, durante os períodos de expansão e universalização do acesso, observa-se queda na qualidade. Exemplo ilustrativo é o caso dos EUA, onde a maciça incorporação de alunos ao ensino básico na década de 1960 foi acompanhada de perda de qualidade, como mostram as avaliações educacionais norte-americanas, culminando com a divulgação do célebre relatório “A nação em risco”, no início dos anos 1980. Desde então, uma série de iniciativas governamentais tem priorizado a melhoria da qualidade da educação pública naquele país, que ainda enfrenta problemas graves bastante conhecidos. Em contraste com a de outras nações do continente americano, a elite brasileira nunca se preocupou realmente em educar as massas, em investir na educação pública de caráter universal, como mostra a excelente pesquisa de Maria Luiza Marcílio. Apesar disso, o país avançou bastante nos últimos 50 anos. Foi criado um sistema educacional amplo e diversificado, claramente assentado na educação pública. Temos desde a educação infantil até um moderno e sofisticado sis tema de pós-graduação e pesquisa criado nos anos 1970 – um dos mais importantes entre os países em desenvolvimento e que tem oferecido contribuição fundamental para a modernização do país. Entretanto, o sistema educacional brasileiro não deixou de ser elitista; ao contrário, no final do século XX, ainda reproduzia e aprofundava as enormes desigualdades sociais do país. As grandes e históricas desigualdades sociais geradas pelo processo de desenvolvimento brasileiro explicam, em grande medida, o atraso educacional de décadas e a baixa escolaridade média de nossa população. Isso é evidenciado pelo fato de 45% dos chefes de famílias pobres nunca terem freqüentado a escola ou a terem abandonado antes de completar um ano de estudo. O quadro abaixo mostra que a escolaridade média da população brasileira em idade ativa em 1960 estava em torno de apenas dois anos, chegando a apenas cinco anos na metade da última década do século XX.


Tabela 1. Número médio de anos de estudo de
pessoas de 10 anos ou mais de idade
Ano
Sexo
Homens Mulheres
1960 2,4 1,9
1970 2,6 2,2
1980 3,9 3,5
1990 5,1 4,9
1995 5 5,3
2001 6 6,3
2005 6,6 6,9
Fonte: Relatório Pnud IDH. 1996.
Fonte: IBGE, Pnad, 2005.
Notas: Dados de 1995 calculados pelo MEC/Inep/Seec com base na Pnad/1995.
Excluída a população rural de RO, AC, AM, RR, PA e AP.
Lamentavelmente, a situação educacional do Brasil na metade da última década do século XX, segundo a Pnad de 1995, pode ser assim resumida: _ 87,5% das crianças de sete a 14 anos freqüentavam a escola; _ 17% da população com 15 anos ou mais era analfabeta; _ 25% das crianças do Nordeste não freqüentavam a escola; _ 25% das crianças pobres não freqüentavam a escola; _ 20% das crianças negras não freqüentavam a escola; P 6,8% dos jovens de 15 a 19 anos de idade eram analfabetos; no Nordeste, o percentual subia para 16,3%.
Como assinala Souza,5 os principais problemas da educação básica brasileira em meados dos anos 1990 eram típicos de países pobres. Além da dificuldade de acesso das crianças pobres ao ensino fundamental obrigatório, nosso sistema público apresentava taxas elevadíssimas de reprovação e abandono, com impacto negativo no fluxo escolar e no rendimento dos alunos. Em conseqüência das elevadas taxas de repetência, mais de 44% dos alunos da quarta série do ensino fundamental estavam dois anos atrasados em relação a seu grupo etário, proporção essa que atingia 53% entre os estudantes da oitava série. Como resultado, na terceira série do ensino médio, apenas 30% dos estudantes tinham a idade apropriada, isto é, 17 anos. Em suma, o fluxo escolar apresentava deficiências enormes. Menos da metade dos alunos que começavam a primeira série do ensino fundamental concluía as oito séries desse nível de ensino. Aqueles que o concluíam levavam em média mais de 12 anos para fazê-lo. A qualificação de nossos professores do ensino básico era muito deficiente. Dos que atuavam na pré-escola e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, um quarto não possuía a qualificação mínima necessária – eram os chamados professores “leigos” que predominavam nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste do país. Considerando o conjunto do corpo docente do ensino básico – da educação infantil ao ensino médio –, menos da metade possuía formação de nível superior. O sistema de financiamento público do ensino básico era desorganizado e não estimulava os estados e municípios a investir seriamente em educação. Os gastos públicos com essa área no Brasil correspondiam a 4,5% do Produto Interno Bruto, o que não é tão pouco. Países desenvolvidos, como Alemanha e Japão, investem em educação proporção semelhante do PIB.8 A Constituição federal de 1988 ampliou a autonomia dos municípios, permitindo-lhes que organizassem seus próprios sistemas de ensino, independente de supervisão estadual ou federal. No entanto, não havia critérios legais para a divisão de responsabilidades na educação, e o financiamento das redes de ensino era caótico. A nova Constituição instituiu a vinculação de 25% das receitas de estados e municípios e de 18% das receitas da União à educação. Nos anos seguintes, o descumprimento da vinculação constitucional generalizou- se. A lei reservou os recursos, mas não introduziu mecanismos eficientes de fiscalização e controle. Governos estaduais e municipais usavam de artifícios para incluir no orçamento da educação outros gastos administrativos. Aspecto a ser também considerado é o fato de o Brasil ser um país de grandes contrastes regionais. Em suas regiões mais pobres, a capacidade de investimento do setor público em educação é muito menor do que a de regiões mais ricas, como o Sudeste e o Sul. Como agravantes dos conhecidos desequilíbrios regionais, as características históricas faziam com que o alunado se distribuísse de forma muito desigual entre as redes estaduais e municipais. A capacidade de investimento dos estados sempre foi superior à dos municípios, em especial nas regiões mais pobres. No entanto, justamente nos estados mais pobres, sobretudo na região Nordeste, os municípios arcavam com a maioria dos alunos do ensino fundamental, devido à ausência do governo estadual. Nas regiões mais ricas, ao contrário, predominava a presença dos governos estaduais. Além de mal distribuídos, os recursos eram mal aplicados, não havendo correspondência entre sua repartição e o número de alunos matriculados. Em cidades mais ricas, com redes municipais de ensino pequenas e poucos alunos, o dinheiro sobrava. Em contrapartida, nas cidades pobres, com grandes redes e muitos alunos, faltavam recursos. A verba, portanto, era mal dividida, mal utilizada e muitas vezes desviada, sem que houvesse um mecanismo seguro de controle. Essa situação foi alterada com a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação/Fundef, por meio da Emenda Constitucional 14, aprovada em 1996 e implementada a partir de 1998, que passa a vincular 60% dos recursos destinados à educação ao número de alunos matriculados no ensino fundamental das redes municipais e estaduais. O ensino médio não era muito abrangente. Entre 1971 e 1980 sua matrícula saltou de pouco mais de 1 milhão de alunos para quase 3 milhões, um crescimento de 151%, mas que representava apenas 14,3% dos alunos na faixa etária de 15 a 17 anos. Esse crescimento, porém, foi muito desacelerado na década de 1980, só ultrapassando os 4 milhões no começo dos anos 1990. Na verdade, o ensino médio era basicamente um ritual de passagem para os poucos que pretendiam prosseguir os estudos no nível superior. Com as novas exigências do mercado de trabalho, verifica-se um crescimento acelerado do ensino médio tanto no sistema regular como na modalidade de jovens e adultos. Estudo realizado por Menezes Filho9 mostra que metade da geração nascida em 1982 alcançou o ensino médio no ano 2000. Isso representa um salto considerável em relação a apenas um quarto da geração nascida em 1970, que logrou completar a educação básica no final dos anos 1980. O ensino superior, que, de forma semelhante ao ensino médio, passara por etapa de desaceleração com crescimento vegetativo entre 1980 e 1994, não só recupera o ritmo de crescimento verificado nos anos 1970, como aponta uma nova onda de expansão das matrículas nas instituições públicas e privadas. Na última década, o ensino
superior cresce a taxas muito elevadas, passando de 1,7 milhão de alunos em 1994 para 4,7 milhões em 2005.
Em suma, nos últimos dez anos observam-se importantes mudanças no quadro educacional do país. De um lado, a década caracterizou-se pela universalização do ensino fundamental, melhoria gradual dos indicadores de transição do sistema, queda significativa das taxas de analfabetismo e pela extraordinária expansão da educação em todos os níveis de ensino, especialmente o ensino médio e a educação superior. De outro, a educação passou a integrar uma agenda de reformas institucionais com ênfase na expansão do sistema e na melhoria da qualidade e da eqüidade da educação. Entre as iniciativas, desencadeadas a partir de 1995, destacam-se principalmente: a aprovação de um novo marco legal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/LDB, que estabelece novas condições institucionais para a implantação da reforma do sistema; e a criação do Fundef no plano fiscal, que redesenha o modelo de financiamento do ensino fundamental obrigatório. Ambas as mudanças legais ocorrem em 1996, portanto, há apenas 10 anos, e conformam os pilares centrais das mudanças que passam a redesenhar as políticas educacionais do país. Em janeiro de 2007, o Fundef foi substituído pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que mantém basicamente a lógica de funcionamento de seu antecessor, passando a abranger todos os níveis da educação básica, desde a educação infantil até o ensino médio.
O contexto das reformas educacionais iniciadas a partir dos anos 1990 trouxe para o centro da agenda a importância dos sistemas de avaliação como mecanismo indutor das mudanças. Além da ênfase no aumento de recursos, melhoria dos currículos e descentralização da gestão das redes públicas de ensino ganha destaque uma nova agenda voltada para a melhoria do desempenho das escolas, avaliação do rendimento dos alunos, mais transparência e fortalecimento dos mecanismos de prestação de contas à sociedade.
No Brasil, a implantação de um abrangente sistema de informação e avaliação educacional, em meados dos anos 1990, contribuiu para orientar a formulação de políticas que promovessem a democratização do acesso à educação e permitiu aprofundar o conhecimento a respeito dos fatores que explicam a falta de qualidade da educação brasileira. A reformulação do sistema de estatísticas educacionais, praticamente inoperante desde o final dos anos 1980, assim como a implantação de sistemas de avaliação para acompanhar o desempenho da educação em todos os níveis e subsidiar as políticas de expansão e melhoria da qualidade, foi também eixo estratégico das políticas desencadeadas nos anos 1990. Em resumo, enquanto alguns países avançaram muito, como Coréia e Espanha, que nos anos 1960 apresentavam indicadores educacionais semelhantes aos nossos, o Brasil ficou para trás, avançando muito lentamente até meados dos anos 1990. Se hoje é possível comemorar o fato de 97% das crianças de sete a 14 anos terem finalmente acesso à escola fundamental, também é preciso lembrar que apenas 65% delas concluem a oitava série, e apenas 42% dos jovens concluem o ensino médio. Eis o grande problema da educação brasileira após uma década de rápida expansão da oferta: há escolas para todos, mas falta qualidade. E melhorar a qualidade exige não só mais recursos, mas políticas adequadas de longo prazo e um firme compromisso da nação com metas compartilhadas por todos.


“Quantidade sem qualidade”: o que explica a situação da educação?
A análise da situação educacional brasileira permite duas interpretações paradoxalmente contraditórias. A primeira, mais otimista, ressalta os aspectos positivos do atual cenário, como a significativa expansão da matrícula em todos os níveis de ensino e a relativa tendência de melhoria dos indicadores de eficiência do sistema, especialmente do ensino fundamental. Essas evidências permitem sustentar que a educação no país apresentou avanços expressivos, especialmente na última década. A segunda forma de interpretar os indicadores, numa perspectiva comparada, revela os aspectos bastante insatisfatórios do sistema educacional, como a persistência de elevadas taxas de repetência, abandono e distorção idade/série e o baixo desempenho dos alunos. Todas as avaliações nacionais, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), bem
como várias avaliações internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), coordenado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), demonstram a baixa qualidade da educação brasileira. De fato, se do ponto de vista quantitativo a expansão do sistema educacional brasileiro atingiu patamares bastante razoáveis, o
mesmo não pode ser dito em relação aos indicadores de qualidade e eqüidade, que permanecem muito distantes dos padrões desejados pela sociedade e necessários ao desenvolvimento nacional. Nas últimas três décadas, o esforço educacional do país visou, prioritariamente, à universalização do acesso ao ensino fundamental. Com efeito, a taxa de escolarização líquida da população de sete a 14 anos saltou de 67%, em 1970, para 97%, em 2003. O sucesso desse esforço para universalizar o ensino fundamental, em que pese a existência de profundas desigualdades regionais nas condições de oferta, gerou o fenômeno da acelerada massificação do sistema educacional. O Brasil tem hoje, somados todos os níveis e modalidades da educação básica, cerca de 55 milhões de alunos. Se forem acrescidas as matrículas do ensino profissional, do ensino superior e da pós-graduação, esse contingente supera 60 milhões de matrículas, o que corresponde a mais de um terço da população total do país. No entanto, apesar do alargamento do acesso, bastante concentrado nos 34 milhões de matrículas no ensino fundamental, o sistema educacional brasileiro permanece ainda acentuadamente afunilado. Isso porque uma parcela muito pequena de cada corte etária logra completar a educação básica, que inclui o ensino médio, e uma proporção ainda menor alcança o ensino superior.


Gráfico 1. Da educação infantil até a pós-graduação,
o Brasil possui mais de 60 milhões de estudantes
* 1999
** 2005
*** 2004
Fonte: MEC/INEP, CAPES e Paulo Renato Souza Consultores.
A Pnad 2005 mostra que 45% dos jovens de 15 a 17 anos estavam matriculados no ensino médio (contra apenas 30% em 1998). Como a taxa de atendimento atingia 85% da coorte, o restante dos alunos estava concluindo as séries finais do ensino fundamental. Os dados indicam que o expressivo crescimento das matrículas no ensino médio entre 1994 e 2002 foi sustentado pela incorporação de estudantes com idade mais elevada e pela gradual melhoria do fluxo escolar no ensino fundamental. Esse movimento, porém, vem mudando. Os dois últimos censos escolares (2005 e 2006) indicam tendência de queda da matrícula do ensino médio, antes mesmo de se completar a plena universalização do acesso. A boa notícia é a queda da proporção de matrículas nos cursos noturnos, apontando para o aumento do número de alunos na idade correta no período diurno, aspecto importante para melhorar o desempenho dos alunos. O ensino médio não é mais predominantemente noturno, como era na década passada. A má notícia é o aumento das taxas de repetência e abandono escolar, especialmente a partir dos 14 anos. O problema, como aponta Klein,13 é que até o final dos anos 1990 observa-se queda das taxas de repetência e evasão, tendo como conseqüência melhor fluxo dos alunos, diminuição da distorção idade/série e aumento das taxas de conclusão do ensino fundamental e do médio. A partir de 2001 verificam-se relativa estabilização daqueles indicadores e aumento da evasão. Em conseqüência, o número de concluintes do fundamental e do médio está diminuindo, e a proporção
de alunos com 17 anos ou mais começou a declinar a partir de 2003. Isso significa que a tendência de progressiva incorporação de alunos na idade correta, apontada pelas Pnads entre 1992 e 2001, dá sinais de esgotamento e está se revertendo. E o que explica essa tendência?
Há evidências de que apenas o acesso ao ensino fundamental está universalizado. Segundo a Pnad 2005,14 o quadro atual da educação pode ser assim resumido:
P 99% das crianças têm acesso à primeira série;
P 96,5% das crianças de sete a 14 anos estão matriculadas;
P 41% dos jovens de 15 anos concluíram o fundamental;
P 34% dos alunos de 10 anos com atraso escolar;
P 55% dos alunos de 14 anos com atraso escolar;
P 74% dos alunos de 17 anos com atraso escolar.
Os dados mostram por que apenas 70% dos jovens chegam ao término da oitava série, incluindo nesse índice também os alunos que seguem a educação de jovens e adultos. O grande problema é o atraso da maioria dos alunos em relação à série que deveriam estar cursando. Devido às altas taxas de repetência e de abandono, o atraso escolar começa cedo e aumenta com a idade. Por essa razão, a Pnad 2005 traz uma péssima notícia: 18,3% dos jovens de 15 a 17 anos estão fora da escola sem completar o ensino fundamental. A partir dos 14 anos, como mostra Simon Schwartzman,15 a porcentagem de jovens que estudam começa a cair rapidamente, chegando a menos de 50% aos 18 anos. O que explica o abandono da escola se as oportunidades de trabalho para jovens com baixa escolaridade são cada vez mais limitadas, posto que a demanda do mercado requer pessoas com mais educação? É preciso aprofundar as análises sobre esse fenômeno, que certamente se relaciona à baixa qualidade do ensino e ao atraso escolar. É importante lembrar que a evolução da cobertura no período de 1989 a 1998 já indicava um crescimento mais intenso da matrícula nas séries finais (da quinta à oitava) do que nas iniciais. Com isso, a participação relativa da matrícula das séries iniciais declinou de 68% para 55%, ao passo que a matrícula das séries finais aumentou de 31% para 45%. Houve, portanto, um claro avanço do fluxo escolar na direção das séries finais. A partir de 2004, o censo escolar passou a registrar uma redução das matrículas, em ambos os segmentos, mostrando que o fluxo começa a regredir, em conseqüência do aumento da repetência e da evasão escolar, como já assinalado, além de mudanças no perfil demográfico. Contudo, é do ponto de vista regional que se observam as mudanças mais significativas no perfil da matrícula do ensino fundamental. As regiões Sul e Sudeste, situadas em um estágio mais avançado de desenvolvimento socioeconômico, registraram na última década um crescimento negativo da matrícula da primeira à quarta série, acompanhado de acelerada expansão da matrícula nas séries finais. Esse fenômeno, além de refletir mudança na dinâmica demográfica, está relacionado a políticas de implantação do ciclo básico, combate à repetência e aceleração da aprendizagem, proporcionando assim maior correção do fluxo escolar. Com isso, as regiões Sul e Sudeste já apresentam uma composição quase paritária entre a matrícula das quatro séries iniciais e a das séries fi nais. A região Centro-Oeste, por sua vez, apresenta um perfi l muito parecido com o observado no Sul e no Sudeste, em função principalmente do peso estatístico que representa o Distrito Federal. Nas demais regiões do país, a situação é diferente. Apesar de ter havido uma consistente expansão da matrícula em todas as séries do ensino fundamental na última década, as regiões Norte e Nordeste ainda exibem uma proporção de matrículas muito mais alta nas séries iniciais do que nas finais. A proporção de matrículas nas séries iniciais em relação ao total chega a mais de 55% no Nordeste e a 60% no Norte. Assim, as regiões Norte e Nordeste acumulam um atraso de quase uma década em relação ao Sul e ao Sudeste na distribuição das matrículas, apesar dos avanços na universalização do acesso e da melhoria do fluxo escolar. No ensino médio, os estados do Sul do país exibem taxas de escolarização líquida acima de 50%, com taxas brutas de atendimento acima de 80%. Isso significa que, de cada 10 jovens de 15 a 17 anos, oito estão na escola e cinco no nível adequado de ensino. O estado de São Paulo e o Distrito Federal acompanham essa tendência, seguidos de perto pelos demais estados do Sul e do Sudeste. Nos estados do Nordeste, embora estes apresentem altas taxas de atendimento dessa população jovem, apenas dois ou três alunos, entre os oito que estão na escola, encontram-se no nível adequado. Os demais ainda tentam concluir seus estudos no nível de ensino fundamental. Ainda assim, as taxas de atendimento próximas de 80%, tanto nos estados do Nordeste como nos do Norte e do Centro-Oeste, indicam o grande avanço alcançado com a volta à escola de jovens que não tinham a perspectiva de terminar seus estudos. O problema está no atraso escolar e na repetência, que acabam levando ao abandono antes mesmo da conclusão do fundamental. Importa registrar que a taxa líquida revela que a quase-totalidade de crianças e jovens de sete a 15 anos está na escola, enquanto a diferença entre as duas taxas, bruta e líquida, reflete uma das maiores distorções de nosso sistema educacional, ou seja, os milhares de alunos repetentes ou com atraso escolar. Se essa anomalia não existisse, o ensino fundamental brasileiro disporia de 25% a mais de recursos por aluno do que tem hoje, o que permitiria aumentar razoavelmente o salário dos professores, melhorar as condições de funcionamento de nossas escolas e impedir que aqueles com 15 anos ou mais abandonassem a escola, como apontam os dados da Pnad 2005 e dos últimos censos escolares.

O déficit da qualidade na educação básica
Todas as evidências já apontadas mostram que o desafio atual da educação básica, sobretudo do ensino fundamental, onde está o grande nó do problema, não se situa mais no acesso e sim na melhoria da qualidade. O principal objetivo passa a ser a permanência, o sucesso escolar e a efetiva aprendizagem de todos os alunos. Vejamos o que mostram as avaliações nacionais, quais os resultados obtidos e quais os fatores que explicam o baixo desempenho de nossos alunos. O principal instrumento de avaliação da educação brasileira é o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), aplicado pelo Inep, órgão vinculado ao Ministério da Educação. Desde 1995, o Saeb avalia as competências em língua portuguesa e matemática de uma amostra representativa de estudantes na quarta e oitava séries da educação básica e na terceira série da educação média, e considera as características do perfil de oferta do setor público e do privado, de todos os estados brasileiros. Além de testes ao corpo discente, o Saeb aplica questionários a professores, diretores de escolas e alunos com o objetivo de identificar os fatores associados ao desempenho destes últimos, como hábitos de estudo, acesso a bens culturais, uso do tempo na escola etc. Os resultados dessas avaliações são apresentados em uma escala de proficiência que descreve, em cada nível, as competências e as habilidades que os alunos desenvolveram ao final dos ciclos de aprendizagem. A escala do Saeb é única para cada disciplina e permite reunir, em uma mesma métrica, os resultados de desempenho dos estudantes de todas as séries (quarta e oitava séries do ensino fundamental e terceira série do ensino médio) e anos de aplicação dos testes (1995, 1997, 1999, 2001, 2003 e 2005). Os testes são elaborados
com base na Matriz de Referência Curricular do Saeb, que abrange os conteúdos curriculares básicos informados pelos sistemas de ensino. É importante lembrar que no Brasil não há um currículo nacional unificado, uma vez que nossa estrutura federativa garante autonomia a todos os estados e municípios, responsáveis diretos pela oferta de educação básica. A interpretação da escala do Saeb permite identificar o percentual de alunos que possui as competências e habilidades esperadas para cada uma das séries avaliadas, quantos estão situados no nível regular, quantos estão abaixo do nível que seria desejável para a série e quantos estão acima do nível que seria esperado. O quadro abaixo, extraído de documento recentemente elaborado pela Academia Brasileira de Ciências e organizado por Simon Schwartzman, estabelece relações entre os momentos dos ciclos escolares (e os desempenhos mínimos ou básicos que a eles correspondem) e os níveis de proficiência da escala do Saeb.


Tabela 2. Relação entre níveis de profi ciência e
ciclos dos níveis de ensino (Ceae UFRJ)16
Nível de profi ciência
– escala Saeb/97
Matemática Língua portuguesa
Ciclo e nível de ensino Ciclo e nível de ensino
100 Não signifi cativo
Até a metade do 1o ciclo do
ens. fund.
O DESAFIO DA QUALIDADE 51
175
Até a metade do 1o ciclo do
ens. fund.
Até o fi nal do 1o ciclo do
ens. fund.
250
Até o fi nal do 1o ciclo do
ens. fund.
Até o fi nal do 2o ciclo do
ens. fund.
325
Até o fi nal do 2o ciclo do
ens. fund.
Até o fi nal do ens. médio
400 Até o fi nal do ens. médio
Além do fi nal do ens.
médio
Com base na metodologia indicada na Tabela 2, o mesmo documento apresenta o gráfico abaixo mostrando o desempenho dos alunos em matemática. A variável {Quarta, oitava, terceira} representa
os três grupos avaliados pelo Saeb/2005, ou seja, os alunos da quarta e da oitava séries do ensino fundamental e da terceira série
do ensino médio. As gradações das colunas representam o nível de conhecimento detectado pelo Saeb e indicam se o aluno está com o nível esperado na terceira série do ensino médio, ou da oitava, da quarta e da segunda séries do ensino fundamental ou com nível abaixo da segunda série do ensino fundamental.

Gráfi co 2. Saeb/2005 Matemática
Os dados mostram que, na quarta série, metade dos alunos ainda está em um nível inferior ao que seria esperado na segunda série da educação fundamental, e menos de 10% deles têm o nível desejável para essa série. Na oitava série, mais de 50% ainda estão no nível equivalente à segunda série ou inferior, e só uma pequena proporção, inferior a 5%, tem o nível esperado para a série. Na terceira série do ensino médio, 70% estão em um nível equivalente à quarta série ou inferior, e outros 25%, aproximadamente, estão no nível correspondente à oitava série, com menos de 10% no nível apropriado. Portanto, a maior parte dos estudantes brasileiros tem formação inadequada em matemática para as respectivas séries. Situação semelhante pode ser identificada para língua portuguesa, como indicam vários estudos sobre o Saeb.17 Segundo o próprio Inep, os resultados do Saeb 2005 revelam que cerca de 52% das crianças da quarta série estão situadas nos níveis crítico e muito crítico, e não conseguem ler as horas em um relógio digital, nem realizar operações de multiplicação ou divisão. Entre os alunos da oitava série, a soma de estudantes nos níveis crítico e muito crítico atinge 60%, chegando a quase 70% no ensino médio. Essa situação de baixo desempenho tem-se mantido relativamente estável ao longo de toda a existência do Saeb, tanto para matemática quanto para língua portuguesa, como indicam os dois gráficos seguintes (3 e 4).

Gráfi co 3. Saeb – Evolução das
médias – língua portuguesa
O DESAFIO DA QUALIDADE 53
Gráfi co 4. Saeb – Evolução
das médias – matemática
Fonte: MEC/Inep/Daeb.
De fato, desde a primeira edição do Saeb, os dados mostram pontos importantes que explicam o baixo desempenho do sistema. Em primeiro lugar, observa-se uma grande heterogeneidade entre os estados brasileiros e também dentro de cada um deles, tanto nas redes estaduais como nas municipais. Em uma mesma rede de ensino há escolas muito boas e muito ruins. Redes públicas com professores que recebem salários idênticos e, teoricamente, seguem o mesmo currículo e as mesmas orientações pedagógicas apresentam resultados muito distintos. Escolas com equipes mais estáveis, bons diretores integrados à comunidade e que estimulam a participação dos pais, a criação de um ambiente favorável à aprendizagem e o compromisso com bons resultados apresentam melhor desempenho. Isso significa que a gestão da escola faz muita diferença e que a qualidade não está diretamente associada a salários de professores ou ao gasto médio por aluno. Em segundo lugar, os dados do Saeb têm mostrado sistematicamente a não-correlação entre o desempenho das redes de ensino e os recursos destinados à educação.18 Um bom exemplo é o caso de Minas Gerais, que desde 1995 vem-se destacando pela qualidade da educação pública, com saltos sucessivos de melhoria do seu desempenho comprovados pelo Saeb, e que está em 13o lugar no ranking do valor per capita (por aluno/ano) , de acordo com as regras de repartição do Fundef/ Fundeb. Isso signifi ca que há pelo menos 12 estados com mais recursos disponíveis por aluno/ano, entre os quais o Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro, que poderiam ter desempenho igual ou superior ao de Minas, caso apenas o volume de recursos destinado à
educação fosse sinônimo de qualidade. De modo semelhante, avaliações internacionais como o Pisa19 também trazem evidências sobre a não-correlação direta entre investimentos em educação e resultados
da aprendizagem. Um bom exemplo é o da Coréia, que apresenta desempenho muito superior ao dos EUA e gasta quase duas vezes menos por aluno, conforme os resultados do Pisa 2003. Em terceiro lugar, todas as edições do Saeb mostram o efeito perverso da repetência e do atraso escolar no desempenho acadêmico dos alunos. Os dados indicam que, quanto mais o aluno repete ou tem atraso escolar, pior é seu desempenho. Alunos com dois anos de defasagem em relação à série cursada têm em média 10 pontos a menos na escala do Saeb do que os que estão na idade adequada. O mesmo resultado é apontado pelo Pisa e por todos os resultados dos exames do Enem, desde 1998. Em quarto lugar, os resultados indicam que entre 70% e 90% do desempenho se deve a fatores relacionados aos alunos e suas famílias, tais como a escolaridade dos pais e o acesso a bens culturais. Os dados revelam que entre 10% e 30% das diferenças das médias obtidas na rede pública devem-se a variação de desempenho entre as escolas. O restante da defasagem é resultado das diferenças entre os alunos e suas famílias. Filhos de mães com nível médio completo apresentam melhor desempenho. Alunos que ingressam mais cedo no sistema e fazem a pré-escola apresentam melhor desempenho em todas as séries do que os que entram aos sete anos na primeira série. As variáveis que mais explicam o desempenho escolar devem-se às características familiares e do aluno, como educação das mães, cor, atraso escolar e reprovação prévia e número de livros em casa, como demonstra a excelente pesquisa de Menezes Filho: “Os determinantes do desempenho escolar no Brasil.” Ainda segundo esse autor, uma das únicas variáveis da escola que afetam fortemente o desempenho dos alunos é o número de horas-aula. Portanto, uma política que pudesse ter um efeito significativo para melhorar a qualidade do ensino deveria priorizar o aumento do turno escolar, pois no Brasil os alunos ficam em média apenas quatro horas por dia na escola. O trabalho mostra ainda que, de modo semelhante ao observado em diversos estudos internacionais, variáveis como salário e escolaridade dos professores, assim como tamanho das turmas, parecem ter efeito reduzido sobre o desempenho dos alunos. O combate à repetência e a melhor organização da escola de modo a oferecer mais e melhores oportunidades de aprendizagem constituem-se também em aspectos centrais de uma política de melhoria da qualidade do ensino. A falsa premissa de que seria benéfico para o aluno com baixo rendimento repetir uma série para reforçar a aprendizagem contribuiu para gerar uma das principais distorções do sistema educacional brasileiro. A incidência de elevadas taxas de repetência e da distorção idade/série aparece como uma das principais causas do baixo desempenho dos alunos em todas as pesquisas do Saeb. Somente no ensino fundamental, estão retidos 6,8 milhões de alunos com 15 anos ou mais e que já deveriam estar freqüentando o ensino médio. A conseqüência mais drástica, porém, recai sobre os próprios alunos com atraso escolar, pois a repetência afeta a sua auto-estima e prejudica o seu rendimento, resultando não raramente no abandono definitivo da escola. A Prova Brasil, aplicada pela primeira vez em 2005, abrange o universo dos alunos da quarta e oitava séries e as mesmas disciplinas
avaliadas pelo Saeb. Seus resultados permitem identificar o desempenho por municípios e escolas. Foram avaliados 3,3 milhões de alunos de 42 mil escolas públicas urbanas, e os resultados, bastante semelhantes aos verificados no Saeb, que avalia amostra de 350 mil alunos e sete mil escolas, comprovam as evidências já mencionadas. Um bom exemplo é o caso de Barra do Chapéu, município
paulista do vale do Ribeira que detém um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado, e que ficou entre os 20 mais bem colocados na Prova Brasil. De novo comprova-se a não-correlação entre gasto médio por aluno e desempenho, pois municípios paulistas com investimentos muito superiores em aluno/ano apresentaram desempenho bastante inferior. O baixo desempenho observado nas avaliações nacionais também se repete nas avaliações internacionais. Os dados do gráfico abaixo referem-se ao desempenho em matemática de alunos de vários países em uma avaliação internacional, o Pisa 2003, que testou as competências e habilidades de alunos de 15 anos, com ênfase em matemática.22 Os resultados mostram que os alunos brasileiros obtiveram o pior desempenho da amostra avaliada, estando um pouco abaixo daqueles de países com renda per capita semelhante à nossa, como México, Uruguai e Turquia. Mesmo os alunos brasileiros com melhor desempenho no Pisa ficaram em situação de desvantagem em relação aos melhores alunos da maioria dos países. Este é o pior resultado do Brasil no Pisa: os melhores alunos das melhores escolas públicas e privadas do país, com nível socioeconômico e cultural mais elevado, não atingiram a média de desempenho dos alunos dos países membros da OCDE. Tal resultado foi também demonstrado no Pisa 2000 com ênfase em leitura, como demonstram os gráficos seguintes (5 e 6).

Gráfi co 5. Desempenho do Brasil
Pisa 2003: matemática
Fonte: MEC/Inep; Pisa 2003, Relatório Nacional.
O DESAFIO DA QUALIDADE 57
Gráfi co 6. Pisa 2000 – Desempenho médio no exame
de leitura, associado ao índice de riqueza familiar
dos estudantes, em países selecionados
Fonte: OCDE; Pisa 2000.
Os resultados do Brasil são ainda mais preocupantes porque a amostra de alunos brasileiros de 15 anos avaliados pelo Pisa não é representativa do conjunto de estudantes dessa faixa etária, mas somente dos alunos que cursavam da sétima série em diante, os quais representam pouco mais de 50% da matrícula, devido ao atraso escolar. Em suma, os resultados de desempenho da educação básica brasileira, medidos por diferentes avaliações nacionais e internacionais, confirmam a baixa qualidade do ensino e as dificuldades constatadas pelas avaliações do ensino superior do país. Os poucos alunos que logram completar o ensino médio e ingressam no ensino superior não possuem o domínio das competências e habilidades que deveriam adquirir na educação básica, tais como capacidade de leitura, de solução de problemas, de fazer uso de informações e conhecimentos científicos para resolver questões e enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais complexo.


Políticas para a melhoria da qualidade da educação básica
O diagnóstico sobre a situação atual da educação brasileira aqui apresentado procurou mostrar que o grande desafio do país é melhorar a qualidade da educação básica. Essa é uma tarefa difícil, que só será realizada com políticas de Estado, para evitar descontinuidades provocadas por mudanças de governo, e o real compromisso da nação com ações de longo prazo, definidas a partir das evidências apontadas por vários estudos e pesquisas nacionais e internacionais. Para implementar políticas que superem as deficiências atuais, parece-me importante destacar quatro eixos estratégicos de intervenção
para viabilizar a melhoria gradual da qualidade da educação. São eles:
(a) financiamento e prioridades do investimento em educação;
(b) revisão das carreiras, formação e incentivos aos professores;
(c) reorganização dos sistemas de ensino com forte ênfase na gestão da escola e da aprendizagem;
(d) currículo, metas de aprendizagem, avaliação e alfabetização.
(a) Financiamento e prioridades do investimento em educação
Responsáveis por 65% das matrículas de educação infantil, 90% do ensino fundamental e 87% do ensino médio, as secretarias municipais e estaduais de educação ainda não resolveram questões diretamente ligadas ao cotidiano das escolas. Há problemas básicos de funcionamento não resolvidos: escolas sem manutenção; salas de aula com sistemas de iluminação, ventilação e acústica totalmente inadequados; número insuficiente de professores e funcionários; poucos materiais didático-pedagógicos para apoiar o trabalho dos professores em sala de aula; turmas excessivamente lotadas nas séries iniciais de alfabetização; alunos que demandam ensino médio diurno, mas as vagas são noturnas; falta de espaço para atividades extracurriculares, muitas vezes até para aulas de educação física previstas no currículo. O problema mais grave, entretanto, é o reduzido número de horas que os alunos passam na escola, em média quatro, sem contar as inúmeras redes de ensino que ainda são obrigadas a trabalhar com quatro turnos por dia. Todos os países com sistemas de ensino mais efetivos adotam turno médio de seis horas. Estudos da OCDE mostram que o tempo de permanência dos alunos brasileiros na escola equivale a quase dois terços do tempo de permanência na escola dos alunos finlandeses e à metade do tempo de permanência na escola dos estudantes coreanos. Também o Saeb demonstra que o tempo na escola está diretamente associado ao desempenho dos alunos. Para ampliar a jornada escolar será inevitável aumentar os recursos destinados à educação, bem como os vincular a metas e resultados de qualidade a serem alcançados pelas escolas públicas. A maior prioridade hoje é assegurar no mínimo cinco horas/dia para todos os alunos, ampliando progressivamente o tempo na escola, o que exige mais recursos para a educação. O financiamento da educação básica é assegurado pelos estados e municípios, responsáveis respectivamente por 45% e 40% do financiamento, complementados em 15% pelo governo federal. Nos oito anos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef) já foi possível promover melhor repartição dos recursos vinculados à educação, com impacto re-distributivo mais significativo nos municípios das regiões Norte e Nordeste, onde se concentravam as maiores carências educacionais, o que permitiu a universalização do acesso ao ensino fundamental. Agora é possível dar um passo além e cobrar resultados de qualidade vinculados ao aumento de recursos. Para isso, será preciso uma ação concertada entre cada estado e seus municípios, respeitado o regime de colaboração com o governo federal, para que os problemas específicos de cada unidade da Federação possam ser enfrentados com mais recursos, assistência técnica e cobrança de resultados. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), recentemente transformado em lei, é um importante instrumento para o planejamento do gasto nos diferentes níveis e modalidades da educação básica, abrangendo desde a educação infantil até o ensino médio. Para cumprir suas finalidades, porém, o Fundeb requer permanente aperfeiçoamento, fiscalização e avaliação para evitar distorções e desvio das prioridades. Como os recursos são distribuídos de acordo com o número de alunos contabilizados
pelo censo escolar, será preciso um constante controle externo para evitar fraudes e a multiplicação de cursos de péssima qualidade, como vem ocorrendo na educação de jovens e adultos. Outro tema importante refere-se à educação infantil, que atende crianças de zero a seis anos. Ampliar a oferta para essa faixa etária é tarefa inadiável, como demonstram inúmeras pesquisas, incluído o próprio Saeb. Mas é preciso ter cautela e priorizar adequadamente o atendimento. Países ricos e desenvolvidos ainda não universalizaram a oferta de educação infantil e estão priorizando a universalização do atendimento gradual das crianças de cinco e quatro anos de idade, como nos EUA e na Alemanha. No caso brasileiro, será preciso formular estratégias e parcerias com o setor privado para ampliar o atendimento em creches e progressivamente universalizar a pré-escola, que atende crianças de quatro e cinco anos. Não há recursos ilimitados e não se pode deixar de lado a prioridade à qualidade da educação fundamental obrigatória. No caso do ensino médio, será preciso rever sua estrutura de funcionamento, ampliar o tempo de duração do turno diurno e melhorar as condições de funcionamento dos laboratórios de ciências e informática, cruciais para a preparação mais adequada dos jovens, além de mudanças necessárias na organização curricular e diversificação do sistema.

(b) Revisão das carreiras, formação e incentivos aos professores
É impossível incrementar a qualidade do ensino sem melhorar substancialmente a carreira, a formação e os salários dos professores. Qualquer mudança de fundo na qualidade da educação depende essencialmente de professores bem qualificados e motivados. O professor é o ator central do processo de melhoria da qualidade da educação. A melhoria dos salários dos professores vinculada à criação de incentivos à carreira mediante avaliação de desempenho é também prioridade central para apurar a qualidade da educação. A melhoria no perfil da distribuição dos recursos proporcionada pelo Fundef resultou em aumentos salariais para o magistério, como decorrência direta da obrigatoriedade imposta aos estados e municípios de destinar no mínimo 60% dos recursos a essa finalidade. A remuneração média do magistério público aumentou nas redes estaduais e municipais de ensino, em todos os níveis de formação e em todas as jornadas de trabalho. Os ganhos salariais médios foram, aliás, maiores nas redes municipais do que nas estaduais. Do ponto de vista regional, o aumento médio mais expressivo foi registrado nas redes municipais da região Nordeste, onde a remuneração era pior do que no resto do país.23 Mas a remuneração dos professores ainda é muito baixa quando comparada à de outras profissões de nível equivalente. Para atrair jovens talentos para o magistério é indispensável a melhoria do salário inicial e da estrutura da carreira. Hoje a maioria dos professores já possui nível superior completo, em conseqüência das mudanças induzidas pelo Fundef e pela LDB. Até 1995, o número de professores leigos, ou com formação básica, era de 132 mil, representando 9% do total – a maioria dos quais nas escolas do Norte e do Nordeste. Hoje eles representam pouco mais de 1%. O ensino fundamental, que possuía apenas 41% dos professores com nível superior completo em 1995, hoje já conta com quase 70% do corpo docente com a formação mínima exigida pela legislação. No ensino médio, mais de 85% dos professores possuem nível superior completo, muitos deles com cursos de pós-graduação. Apesar dos avanços, a situação ainda é muito precária. Um relatório recente, elaborado pelo Conselho Nacional de Educação e divulgado pela imprensa, aponta um déficit de mais de 280 mil professores de ciências e matemática. Além do déficit de professores em algumas áreas, todas as avaliações apontam deficiências de formação inicial, fato comprovado até mesmo pelos concursos públicos realizados em vários estados e municípios, onde milhares de candidatos não atingem a pontuação mínima. Isso porque nossos professores formam-se, em geral, em cursos noturnos de baixa qualidade. O mais grave é o efeito cumulativo deste processo, pois a formação inadequada ou insuficiente dos professores que atuam nas séries iniciais é seguramente um dos principais fatores responsáveis pelo baixo desempenho dos alunos em leitura e escrita nas séries iniciais, o que leva ao fracasso escolar nas séries subseqüentes. Também precária é a situação dos rendimentos da carreira do
magistério. Segundo Schwartzman,25 a remuneração dos professores é baixa quando comparada à de outras profissões com nível de formação semelhante. Nas palavras do autor: Pela Pnad 2005, o rendimento médio mensal de todos os trabalhos de um professor com nível superior ensinando na educação fundamental ou média varia de mil a 1.500 reais mensais, comparado com os rendimentos médios dos médicos (5.763,00), engenheiros civis (4.037,00), analistas de sistemas (3.724,00) e contadores ou auditores (3.104,00). Chama a atenção também a grande disparidade salarial entre pessoas de formação superior que atuam nas universidades e as que atuam no ensino básico, de mais de 100%. Além disso, o autor indica que os salários de nossos professores perdem também nas comparações com outros países de nível semelhante de desenvolvimento. Na mesma direção, pesquisa realizada por Moura Castro e Yoschpe27 sobre a remuneração dos educadores na América Latina mostra que os professores da educação básica no Brasil estão em desvantagem em relação aos países vizinhos. Nossos salários são piores do que os da Argentina, do Chile, do Uruguai, da Colômbia e do México para o exercício das mesmas funções e o mesmo número de horas trabalhadas. Ora, a única maneira de atrair bons professores e fixá-los, evitando que a carreira do magistério seja considerada opção de segunda linha, é aumentar seus rendimentos e passar a vincular a progressão na carreira ao desempenho e aos resultados obtidos nas escolas onde atuam. Hoje, um dos maiores problemas das redes públicas é o absenteísmo dos professores, a falta de incentivos à carreira e o excesso de licenças médicas, em todos os estados brasileiros. A grande dificuldade dos gestores é como garantir professor em sala de aula, mesmo em situações em que o número de professores por aluno segue padrões internacionais, como no caso do Distrito Federal, que possui em média 20 alunos por professor. Vários estados, como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, enfrentam problemas parecidos: há professores em número suficiente, mas as escolas sofrem permanentemente com faltas de professores.
Um dos grandes problemas do setor público no Brasil é a estabilidade no emprego, independentemente do desempenho. No caso dos professores, os baixos salários são recompensados pela aposentadoria integral depois de 25 anos de trabalho, mesmo para aqueles com desempenho medíocre. Além disso, os professores dedicados e comprometidos não recebem incentivos por seu desempenho, não têm nenhum estímulo para permanecer na carreira e se aprimorar. Eles pagam o preço dos colegas menos responsáveis e muitas vezes se desanimam ou optam por empregos melhores. Vários estudos internacionais têm apontado inovações importantes nas carreiras do magistério. Pesquisa desenvolvida pelo Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina (Preal) identifica inúmeras iniciativas em diferentes países que vinculam o desempenho a incentivos na carreira.28 Nos EUA, vários estados estão implantando sistemas de avaliação e certificação dos professores com o objetivo de estabelecer salários e incentivos diferenciados por desempenho. No México e na Inglaterra, professores com desempenho de excelência recebem bônus. Relatório da OCDE analisa as carreiras docentes em 25 países e indica importantes mudanças em curso nas políticas de recrutamento e contratação de professores. Incentivos para os que atuam em áreas de risco, apoio e auxílio-transporte para os que trabalham em áreas distantes, diferenças nos pagamentos de impostos, benefícios sociais como moradia e plano especial de atenção à saúde estão entre as principais medidas adotadas por mais de 20 países da Comunidade Européia, com prioridade aos que apresentam melhor desempenho. No Brasil, a folha de pagamento das secretarias municipais e estaduais de educação absorve em média de 75% a 80% do orçamento. Em muitos casos, o comprometimento com salários ultrapassa 90% dos recursos disponíveis. Como os estados e municípios empregam mais de 2,5 milhões de professores de educação básica, há pouca margem de manobra para aumentar os salários. A única possibilidade de melhoria da carreira docente é a implantação de salários diferenciados mediante desempenho. Para isso, o ideal seria estabelecer sistemas de avaliação dos professores vinculados aos resultados das escolas, como já vem fazendo o estado de Minas Gerais. Pesquisas indicam que é fundamental valorizar o esforço do conjunto dos profissionais que atuam numa mesma escola para melhorar seus resultados. Não é recomendável fomentar a competição entre os professores de uma mesma escola, deve-se valorizar o trabalho do conjunto da equipe.
(c) Organização e gestão dos sistemas e das escolas
Num sistema federativo como o nosso, a gestão da educação básica é de grande complexidade. De alguma maneira, diferentes fatores que influenciam o bom andamento das escolas públicas têm relação com os três níveis de governo em graus diferenciados. O governo federal não tem como chegar às 200 mil escolas públicas do país, mas exerce funções importantes para o funcionamento do sistema. As redes estaduais, em geral muito grandes, apresentam enormes dificuldades de gestão que afetam o cotidiano das escolas. As redes municipais, que geralmente não sofrem do gigantismo burocrático das máquinas estaduais, têm mais dificuldades técnicas e falta de pessoal mais qualificado. As áreas metropolitanas, que concentram mais de 50% do alunado, apresentam talvez os problemas de gestão mais difíceis, agravados pela questão da violência urbana. No caso da educação básica, o papel do governo federal, em especial do Ministério da Educação, é suplementar ao dos estados e municípios, mas de grande importância. Ao MEC compete coordenar a política nacional de educação; produzir informações e avaliações para subsidiar políticas; corrigir distorções do sistema; induzir políticas de eqüidade; e oferecer apoio técnico e financeiro aos estados e municípios, de modo a reduzir as desigualdades internas do sistema e promover educação de qualidade para todos. Talvez o mais importante papel do MEC seja provocar mudanças e estabelecer um diálogo permanente com os entes federados e a sociedade em torno de metas e objetivos comuns. O MEC não deve entrar em conflito ou se sobrepor aos demais níveis de governo, que operam diretamente as redes de ensino. Já os problemas das redes estaduais e municipais são de outra natureza. Em geral, falta uma ação mais articulada entre cada estado e seus municípios para definir prioridades e integrar ações. Muitas vezes, estados e municípios competem entre si por alunos e recursos. Especialmente no ensino fundamental, cuja oferta é compartilhada por estados e municípios, ocorre uma grande desarticulação do ponto de vista operacional e organizacional. Uma ação integrada poderia evitar turmas excessivamente lotadas, melhor uso dos espaços disponíveis, ou mesmo assegurar um tempo maior de permanência dos alunos em algumas escolas. Outra dificuldade é a falta de uma base curricular comum entre as escolas estaduais e municipais, o que muitas vezes acaba prejudicando os alunos que cursam as séries iniciais em escolas municipais e enfrentam dificuldades nas séries finais, em geral oferecidas pelas redes estaduais. O maior problema, contudo, é a ausência de profissionalismo de gestão, que ocorre em vários estados e municípios, muitas vezes agravado por pressões políticas, empreguismo e ingerência direta nas escolas. As secretarias de Educação são os grandes empregadores do setor público. A gestão de recursos humanos e o gigantismo da máquina são os maiores problemas das secretarias, que não estão devidamente preparadas para gerir organizações tão complexas e orçamentos vultosos. O cotidiano das secretarias é regido pela falta de professores nas escolas, problemas de manutenção da rede física, ausência de mecanismos flexíveis para atender às emergências. Faltam quadros técnicos mais preparados nas estruturas centralizadas e intermediárias das secretarias, e é fundamental investir nas capacidades institucionais das secretarias e redes de ensino para viabilizar a melhoria da qualidade, como apontou recente artigo de Norman Gall. Além das dificuldades assinaladas, a gestão das escolas é prejudicada tanto pela falta de professores e funcionários como pelo reduzido grau de autonomia que possuem para funcionar melhor. A literatura internacional traz fortes evidências sobre como funcionam
as boas escolas e o que caracteriza um sistema educacional efetivo. Primeiro, há evidências de que as escolas com maior autonomia administrativa e financeira são mais eficientes. Cabe às secretarias comandar o processo, definir diretrizes gerais, garantir o andamento das rotinas básicas das escolas, monitorar e supervisionar o funcionamento da rede, avaliar e cobrar resultados. Para isso, é preciso fixar metas e expectativas de aprendizagem, a partir de uma base curricular comum e das diretrizes nacionais, que orientem o monitoramento e a avaliação dos resultados. Assim, é possível identificar escolas com dificuldades e apoiá-las. Os bons resultados devem ser valorizados e estimulados. Outro ponto diz respeito às equipes das escolas. O próprio Saeb, assim como a Prova Brasil, mostra que escolas com equipes mais estáveis e bons diretores apresentam melhor desempenho. É preciso comprometer os professores com as metas e os resultados de aprendizagem, e, para isso, é fundamental que as equipes das escolas sejam mais estáveis. Os diretores devem comprometer-se com as metas estabelecidas, e as secretarias devem assegurar condições adequadas de funcionamento das escolas. Em muitos estados e municípios observa-se grande rotatividade de professores e diretores. Às vezes, diretores descomprometidos permanecem muito tempo na função sem que lhes seja cobrado nenhum resultado. É preciso estabelecer regras que definam as obrigações e sanções das equipes responsáveis pelas escolas. É preciso incentivar as boas escolas, dar mais autonomia aos diretores para montar suas equipes e cobrar resultados de acordo com as metas definidas pelas secretarias. Algumas iniciativas no Brasil são bastante inovadoras no campo da gestão, como as de Tocantins, Acre, Minas Gerais e Pernambuco. Os quatro estados estão ampliando a autonomia das escolas, cobrando resultados com base em contratos de gestão e planos de metas definidos para cada unidade, avaliação externa permanente e sistema integrado de supervisão. O último Saeb de 2005 já indica os avanços desses estados nos resultados de desempenho do ensino fundamental. Outro aspecto crucial é eliminar a ingerência política na escolha de diretores e quadros intermediários de direção das secretarias de Educação. Hoje, cerca de 60% dos diretores de escolas no Brasil são escolhidos segundo critérios políticos. Os dados do Saeb revelam que o perfil técnico dos diretores, sua capacidade de liderança e
gestão são características fundamentais das boas escolas públicas. No lado oposto, a burocratização da escolha de diretor, segundo critérios exclusivamente ligados à carreira, também não parece muito recomendável, pois permite elevada rotatividade, além de não valorizar os diretores mais dedicados e comprometidos. Em um sistema de ensino com alta rotatividade de professores e diretores torna-se praticamente inviável desenvolver um projeto pedagógico de qualidade, pois, além da descontinuidade, torna-se difícil construir laços de coesão e de identidade entre os membros da equipe da escola. A boa escola pública requer grande compromisso dos professores com a aprendizagem dos alunos, uma equipe motivada e integrada e forte articulação com a comunidade. Por fim, a participação das famílias e as parcerias com o setor privado ou organizações não-governamentais são aspectos importantes para a boa gestão da escola e a melhoria da aprendizagem. Vários estudos, o Pisa entre eles, destacam a participação e o envolvimento dos pais na vida escolar de seus fi lhos como condição essencial para o bom aproveitamento e maior motivação dos alunos. Também as parcerias com ONGs e fundações em projetos inovadores têm apresentado importantes resultados para a melhoria da escola. Projetos de capacitação em gestão, aceleração da aprendizagem, identificação de talentos, trabalhos de voluntariado, círculos de leitura, protagonismo juvenil, atividades complementares pós-escola, além de parcerias diretas de empresas na gestão de escolas, como a experiência de Pernambuco e da Embraer, têm tido resultados excelentes. Seria importante aprofundar o conhecimento sobre essas iniciativas e seu impacto sobre o desempenho das escolas.
(d) Currículo, avaliação e responsabilização (accountability)
Desde 2006, o ensino fundamental obrigatório do país passou a ter nove anos de duração, abrangendo alunos de seis a 14 anos de idade. O grande problema, porém, permanece: como garantir a alfabetização efetiva das crianças nas séries iniciais para que possam prosseguir com sucesso até a etapa final da educação básica. Ou seja, nossas escolas não estão sendo capazes de fazer com que as crianças aprendam a ler, escrever, contar, somar, multiplicar, dividir e ter as noções iniciais de ciências, como mostra o Saeb. Sabe-se que a qualidade das estratégias de ensino dos professores e da sala de aula são mais importantes do que qualquer outro fator para assegurar a aprendizagem. No caso brasileiro, além das dificuldades já mencionadas, há um problema básico ainda não resolvido: o que e como ensinar. Um bom projeto pedagógico, como salienta Soares,32 deve mostrar o conteúdo e o modo de ensinar. Para isso, toda escola deveria incluir em seu projeto:
os valores básicos que seus alunos devem desenvolver, tais como sociabilidade, respeito às diferenças, ética, solidariedade e cooperação no trabalho em equipe; as competências cognitivas que todos devem adquirir e as teorias de como aprender e como ensinar – não há uma única pedagogia; as rotinas básicas da escola: uso do tempo escolar; monitoramento do aprendizado e uso dos resultados das avaliações para melhorar o desempenho de todos os alunos. Como costuma ocorrer em estruturas federativas, o Brasil não possui currículo único. Há exemplos interessantes em alguns países federalistas, como a Austrália, que estabeleceu “standards de aprendizagem” a serem observados por todos os estados, respeitando porém a autonomia dos níveis inferiores de governo. No caso brasileiro,
um dos grandes entraves à melhoria da qualidade é a falta de uma base curricular comum aos diferentes sistemas de ensino estaduais e municipais, que deveria orientar-se a partir de padrões mínimos nacionais ou expectativas a serem atingidas em cada série ou ciclo de aprendizagem. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) representam um referencial importante, mas não indicam
que conteúdos curriculares e estratégias de aprendizagem devem ser cumpridos na sala de aula em cada etapa do processo. Nem era esse, aliás, seu objetivo. As avaliações muito contribuíram para o conhecimento objetivo do que está ocorrendo em nossas escolas. Contudo, o Brasil ainda não definiu as expectativas ou padrões básicos de conhecimento que os alunos devem alcançar ao final de cada ciclo de aprendizagem. Adotar uma base curricular comum e definir expectativas de aprendizagem para cada série ou ciclo devem ser prioridades de todos os sistemas de ensino, com ênfase na alfabetização, leitura, escrita e nos conceitos básicos de matemática e de ciências. É urgente garantir que todas as crianças de oito anos estejam alfabetizadas para que continuem aprendendo com sucesso.
Algumas iniciativas relevantes começam a despontar. Em Minas Gerais, já se implantou um sistema de avaliação das crianças de oito anos, para medir o grau de alfabetização dos alunos, identificar suas dificuldades e estabelecer as estratégias de intervenção necessárias para garantir a aprendizagem de todos. Em São Paulo, um programa de leitura e escrita com professores auxiliares nas séries iniciais, formação em serviço e material didático específico procura assegurar a efetiva alfabetização das crianças. Para apurar a qualidade também é preciso que a escola conheça e entenda o sentido pedagógico das avaliações, de modo a usar os resultados obtidos para melhorar o trabalho em sala de aula e garantir a efetiva aprendizagem. É fundamental que as equipes das secretarias conheçam e analisem os testes aplicados nas avaliações nacionais e estaduais. Todos os professores devem saber o que as avaliações estão medindo e o que significam os números que medem o nível de aprendizado dos alunos. Não adianta investir em avaliações sucessivas se a escola e seus professores não estão claramente informados sobre o que fazer com seus resultados. É preciso investir na capacitação institucional de professores e coordenadores pedagógicos na área de avaliação da aprendizagem. Infelizmente, poucas faculdades de educação incluem em seus currículos temas relacionados à avaliação. Nem mesmo os relatórios do Saeb, do Enem e do Pisa constam dos programas de formação de professores. Não menos importante é a prestação de contas à sociedade. Assim como os professores, os pais e a sociedade também precisam entender melhor os instrumentos e os resultados das avaliações externas para que possam fiscalizar e cobrar mais das escolas de seus filhos. Os pais gostam de informação clara, precisa, simples e de fácil compreensão. Evitar a publicação dos resultados das avaliações externas é um debate superado em todos os países com sistemas consolidados de educação. Nessa área, é essencial um sistema de comunicação permanente com todos os segmentos do sistema – professores, alunos, sindicatos, pais, enfim, com toda a sociedade. Na era da informação, a ampla disseminação dos resultados é a chave do processo de melhoria da qualidade. É democrático e saudável divulgar todos os dados, garantir total transparência, prestar contas à sociedade. É também democrático, e direito de todos, aprender os conteúdos e competências básicas. Nas duas últimas décadas, uma onda de reformas educacionais teve lugar em vários países. A agenda dessas reformas é igual ou muito semelhante em diferentes países, mais ou menos desenvolvidos. Todas as reformas começaram com a implantação de sistemas de avaliação externa, mas a real transformação só ocorre quando a escola usa os resultados para melhorar seu desempenho e a sociedade fiscaliza a qualidade da educação. Para isso, é preciso ter metas e padrões ambiciosos, boas condições de trabalho para professores e alunos, informação de qualidade, intensa comunicação com a sociedade e responsabilização das escolas por seus resultados.


O PROFESSOR COORDENADOR PEDAGÓGICO, A ARTICULAÇÃO DO
COLETIVO E AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOCENTE NAS ESCOLAS
PÚBLICAS ESTADUAIS PAULISTAS. AFINAL, O QUE RESTA A ESSA FUNÇÃO?
Maria José da Silva Fernandes – UNESP, Campus Araraquara

Resumo: O objetivo do artigo é discutir a função de professor coordenador pedagógico (PCP) nas escolas públicas estaduais paulistas. Apoiando-se em duas pesquisas, uma bibliográfica documental e outra empírica de base qualitativa, procuramos elucidar a trajetória desta função e analisar as dificuldades encontradas para a realização de um trabalho satisfatório nas escolas, avaliando as condições de trabalho em um contexto marcado pelas reformas educacionais recentes que apontam para a fragilização na articulação do coletivo e para a constituição da profissionalidade dos ocupantes da função.


Palavras-chaves: coordenação pedagógica; reformas educacionais; condições de trabalho. A educação pública paulista foi marcada na década de 90 e nos anos iniciais do século XX por grandes transformações decorrentes da implantação das reformas educativas que alteraram as condições de funcionamento de suas escolas. O cotidiano escolar foi impactado por problemas de ordem macro-estrutural que afetaram a micro-estrutura da sala de aula. A acelerada mudança de valores, o desemprego crescente, a fragilização da educação como mecanismo de ascensão social e a própria desvalorização do professor como sujeito que trabalha com o conhecimento provocou situações de desconforto e desânimo tanto dos alunos como dos professores. Entre os fatores que mais alteraram o cotidiano escolar refletindo a interferência da macro-estrutura na educação está a aplicação de políticas educacionais formatadas sob o modelo de grandes pacotes reformistas que transformaram o que ensinar, o como ensinar e a própria estrutura de gestão e organização das escolas públicas. As reformas, planejadas no nível macro e “despejadas” no chão da escola, nem sempre surtem os efeitos esperados, justamente por constituírem-se em um “diálogo de surdos” (Torres, 2002) em que reformadores e executores parecem não apresentar uma visão coincidente em relação aos objetivos e ações a serem postos em prática. Neste “diálogo”, os professores foram submetidos a uma ampliação da responsabilização em relação aos resultados apresentados e, não raramente, são culpabilizados pelo fracasso da escola. Eles, na maior parte das vezes, são considerados apenas executores das mudanças que os “experts” elaboram, sendo posteriormente responsabilizados pelos problemas apresentados na implementação das reformas no âmbito do contexto escolar, assumindo a culpa e o fracasso de algo que sequer puderam discutir (Almeida, 2000; Cunha, 1999; Dias-da-Silva, 2001; Sampaio, 2002; Marin e Guarnieri, 2002; Oliveira, 2003; Santos, 2004).
Impactada pelas reformas educacionais neoliberais, promovidas, em grande parte, com o financiamento de agências internacionais (Banco Mundial, BIRD), a educação pública paulista vivenciou a imposição de mudanças que alteraram profundamente o cotidiano das suas escolas e de seus professores. A “Escola de Cara Nova”, nome dado ao pacote de reformas que teve início em meados da década de 90, promoveu alterações sem precedentes na rede pública de ensino, impondo aos professores mudanças como a progressão continuada, a reorganização escolar, as salas ambientes, a implantação de projetos formatados externamente, a flexibilização do ensino médio entre outras. Entre essas medidas que foram aplicadas às unidades escolares destaca-se também a implantação da função de professor coordenador pedagógico1 em todas as escolas públicas estaduais com mais de dez classes em funcionamento.
A expansão da função de PCP para a quase totalidade das escolas da rede estadual de ensino foi garantida no bojo das reformas educacionais através da publicação da Resolução SE nº 28 de 4 de abril de 1996 que trouxe detalhes sobre o processo de escolha para a designação de professor para exercer a função2 de coordenação pedagógica. De acordo com esta resolução, a escolha dos PCPs deveria ser realizada através de um processo que envolveria a realização de uma prova escrita eliminatória elaborada pelas Diretorias de Ensino, apresentação de uma proposta de trabalho específica para cada unidade escolar, eleição pelos pares e ratificação da escolha pelo Conselho de Escola. Diante deste quadro os professores e o Conselho de Escola passaram a ter a grande responsabilidade de escolher entre os pares aquele que ocuparia temporariamente a função de professor coordenador pedagógico.
A grande novidade desta resolução foi, além de garantir na prática aquilo que já se anunciava legalmente3, permitir que qualquer professor com mais de três anos de exercício no magistério paulista pudesse exercer a função de PCP, independente de sua formação inicial, o que o desobrigava tanto de ser formado em Pedagogia com habilitação em Supervisão Escolar quanto de acumular uma larga experiência profissional. Desta forma, a Secretaria da Educação possibilitou aos professores sem habilitação específica e com pouca experiência docente, assumir a tarefa de coordenação pedagógica. Assim, a função não seria ocupada por um “expert” da educação, um especialista, mas sim por um par, um sujeito que deveria ocupar uma função que pressupõe a convivência constante com as dificuldades e os dilemas presentes no cotidiano dos professores da escola pública. A análise desse contexto de criação da função de PCP nos levou a uma investigação mais ampla. Estaria a criação da função ligada exclusivamente ao momento de reformas educacionais? Em outros cenários a função também se faria necessária? Por que a função, reivindicação histórica da categoria docente, foi incorporada ao pacote de reformas neoliberais? Qual a profissionalidade presente neste trabalho? A partir destas questões passamos a trabalhar com a hipótese de que a função de professor coordenador pedagógico tivera sido incorporada à reforma mais como um mecanismo de controle das ações determinadas externamente do que como uma função de articulação do trabalho coletivo, essa sim, uma bandeira progressista. Partindo desta hipótese iniciamos uma análise documental (incluindo a legislação) que nos revelou que a função de PCP esteve anteriormente relacionada a outros contextos educacionais, como foi o caso da década de 60 com os Colégios Vocacionais, as Escolas de Aplicação e as Escolas Experimentais (Garcia, 1995; Fusari, 1997; Tamberlini, 2001; Silva Jr., 2002). Essas experiências ocorreram em um contexto específico que favoreceu o trabalho coletivo e o fortalecimento de relações democráticas no processo educacional. E, foi neste contexto que teve início o trabalho de coordenação pedagógica na rede estadual, constituindose, apesar de serem experiências pontuais, como um dos mais importantes projetos educacionais paulistas no século XX. Desta forma, a função de coordenação pedagógica nasceu junto com a inovação educacional e com a possibilidade de concretização de uma escola com projetos diferenciados e não regulares. A atuação do coordenador pedagógico no interior destas escolas foi fruto de uma concepção progressista de educação em que novas formas de gestão escolar e de processo ensino-aprendizagem foram postas em prática. O papel dos coordenadores nestas escolas não tinha relação com a centralização burocrática e a hierarquização do poder defendida pelo tecnicismo (muito em voga naquele contexto histórico), mas tinha como objetivo realizar a função de articulação pedagógica.
Posteriormente, a abertura política e as eleições diretas ocorridas em meados da década de 80 trouxeram novo ânimo à sociedade. Houve uma intensificação da atividade sindical, bem como das reivindicações por uma escola mais justa e democrática. Nesse sentido as políticas voltadas à educação procuraram apresentar-se de maneira mais aberta e democrática, criando novas possibilidades de organização e gestão escolar. Como resultado dessas novas políticas podemos citar a implantação do Ciclo Básico ocorrida durante o governo Montoro4. O Ciclo Básico foi uma medida inovadora que teve como objetivo reduzir as elevadas taxas de retenção escolar ao final da 1ª série do 1º grau. Como medida de transformação, o Ciclo Básico veio articulado a um conjunto de outras medidas que tiveram como objetivo dar sustentação para a efetivação da reforma (Cunha, 1995; Christov, 2001; Oliveira, 2003). Entre as medidas articuladas para a implantação do
Ciclo Básico estava a criação da função de professor coordenador pedagógico: “Na mesma direção de priorizar o ciclo básico, foi criada a figura do coordenador, a ser eleito pelos professores dessas classes. A eleição seria anual, à época do planejamento escolar, e deveria ser referendada pelo conselho de escola” (Cunha,1995, p. 215). Tal proposta pode ser interpretada como um indicativo da preocupação com a democratização das relações de trabalho e com o amparo pedagógico aos professores. Pelo fato do Ciclo Básico ter sido uma grande mudança, houve a necessidade do acompanhamento dos docentes por outro professor, o que pode demonstrar uma relativa crença no papel do professor como sujeito e como parceiro no âmbito do cotidiano escolar, demonstrando as novas preocupações que faziam parte também das pesquisas educacionais na década de 80. A função de professor coordenador pedagógico foi estendida para outras escolas da rede estadual paulista na década de 80, porém, sempre visando à implantação de projetos específicos da Secretaria da Educação, como foi o caso do Projeto Noturno (Almeida, 1998). Este projeto foi executado em 152 escolas estaduais durante os anos de 1984 e 1985 e teve o objetivo de melhorar o processo ensino-aprendizagem dos alunos do noturno através da elaboração de propostas de melhorias específicas para cada unidade escolar. No Projeto Noturno a coordenação pedagógica também foi exercida por um professor eleito entre os seus pares, que organizava as reuniões pedagógicas e acompanhava a implantação das propostas de melhoria nas escolas participantes do projeto. No início da década de 90 ocorreu a implantação de um novo projeto de inovação pedagógica nas escolas estaduais, o Projeto Escola Padrão5, que estabelecia algumas unidades escolares para trabalharem em um regime diferenciado, podendo desfrutar de maiores benefícios em relação às demais escolas estaduais. Entre estes benefícios estavam: maior valorização salarial, regime de dedicação exclusiva, utilização de recursos materiais diferenciados (bibliotecas equipadas, videotecas, kits tecnológicos, laboratórios portáteis etc.), maior autonomia da direção, elaboração de projeto político pedagógico específico, autonomia do conselho escolar e a presença da coordenação pedagógica. Nestas escolas a coordenação pedagógica foi formada pela coordenação geral (coordenação do diurno e coordenação do noturno) e coordenação de áreas ou matérias afins6, os quais eram responsáveis pela articulação dos professores e pela efetiva implantação do projeto político-pedagógico no interior das escolas. A partir da análise realizada nossos resultados apontaram que a função de PCP esteve presente em outros momentos de inovação pedagógica, porém há que se ressaltar que o olhar sobre a função não foi o mesmo em todas as experiências encontradas. Podemos afirmar que o exercício da função em contextos progressistas como foi o caso dos Colégios Vocacionais, a Escola de Aplicação e as Escolas Experimentais na década de 60, o Ciclo Básico e o Projeto Noturno na década de 80 assentava-se em uma visão de professor sujeito, capaz de construir sua profissionalidade docente. Diferentemente, o contexto das reformas neoliberais (re) cria a função com o olhar centrado no papel do professor como objeto, a quem cabe a regulação pelas formas burocráticas de controle e de tarefas determinadas externamente. A análise documental nos ofereceu elementos para configurar o contexto político de criação da função de PCP. Entretanto, uma pergunta ainda precisava ser respondida: qual a profissionalidade do docente que passou a desempenhar a função de PCP no bojo das reformas educacionais recentes? Para tanto, passamos a analisar as pesquisas recentes que foram realizadas sobre o tema em questão. A análise das pesquisas realizadas pelas universidades paulistas nos apontaram dificuldades vivenciadas pelos PCPs que se configuram como obstáculos decisivos para a realização satisfatória do trabalho na função. Um primeiro aspecto apontado pelas pesquisas refere-se ao desvio de função (Dias da Silva e Lourencetti, 2002; Christov, 2001; Clementi, 2001) presente no trabalho cotidiano do professor coordenador pedagógico. Muitas atividades realizadas pelo PCP no dia-a-dia das escolas não são atribuições da função e poderiam ser realizadas por outros sujeitos presentes na estrutura escolar, liberando o coordenador para atividades especificamente pedagógicas. A análise das pesquisas permite afirmar que em muitas escolas o PCP realiza atividades que lhe são “empurradas” no dia-a-dia, como por exemplo, o cumprimento de funções que correspondem ao diretor ou secretário de escola, inspetor de alunos, servente e outros. Talvez, em decorrência do desvio de função, o professor coordenador pedagógico encontre dificuldades para definir a sua identidade, seu território e o seu espaço de atuação (Clementi, 2001; Mate, 1998; Christov, 2001; Dias-da-Silva e Lourencetti, 2002). Por se tratar de uma nova figura no dia-a-dia das escolas, é comum o PCP se deparar com disputas de poder e de território, pois de certa forma quebrou-se uma rígida hierarquia de funções que historicamente existiu nas unidades escolares e que garantia a centralização do poder nas mãos do diretor. A dificuldade para definir um território próprio para o trabalho do PCP e a falta de uma identidade clara para a função são agravadas pelo isolamento dos coordenadores pedagógicos em relação aos colegas que realizam o mesmo trabalho em outras unidades escolares (Garrido, 2000). Muitas vezes sozinho e sem espaços favoráveis para troca de idéias com outros companheiros, o PCP sente-se atropelado pelo rolo compressor da insegurança e
algumas dificuldades que são quase generalizadas entre os ocupantes da função, principalmente aquelas que se relacionam com a formação do PCP. A não exigência legal da formação pedagógica para a ocupação da função de PCP é outro elemento apontado pelas pesquisas. Apesar da não exigência da formação pedagógica ter democratizado o acesso dos professores à coordenação, ela permitiu que muitos docentes assumissem a função sem ter um claro entendimento de didática, currículo ou gestão escolar. Esse aspecto abordado por Clementi (2001), Christov (2001) e Placco (2002) parece deixar claro que a formação do PCP interfere diretamente no trabalho cotidiano, não contribuindo para uma atuação consciente no desempenho da função, já que não necessariamente um bom professor de Matemática, Geografia ou Ciências tem competência ou repertório profissional para o trabalho de coordenação pedagógica. As dificuldades para uma atuação consciente na função podem colocar o PCP como um elemento que tem servido principalmente para veicular, impor e defender projetos da Secretaria Estadual de Educação, sem considerar a participação e o saber docente, levando ao risco de transformar os PCPs em “gerentes” das escolas, a quem cabe controlar as reformas educacionais, numa clara proximidade com os aspectos tecnicistas da educação (Guilherme 2002). A imposição de mudanças e o julgamento do trabalho realizado pelos docentes podem estar relacionados aos “traços” que os professores coordenadores demonstram em sua postura, o que Clementi (2001) identifica como “vícios”. Muitas vezes estes traços estão relacionados à concepção tecnicista de professor-executor, que, portanto, precisa ser conduzido e julgado por alguém superior a ele na rede hierárquica da escola, muitas vezes de forma autoritária. Também é decisivo reconhecer que não há nas escolas públicas uma tradição na formação de grupos de estudos e de reflexão e menos ainda na tomada de decisões democráticas. Nesse sentido, é preciso muita habilidade do coordenador para estabelecer vínculos com os professores, ganhar a confiança do grupo e propor mudanças (Souza, 2001). De acordo com as pesquisas, o cotidiano do PCP e sua relação com o coletivo são marcados também pelas dificuldades encontradas pelos coordenadores para organizar e direcionar os encontros com os professores acarretando em algumas escolas a transformação das horas de trabalho pedagógico (HTPC) em meras exigências burocráticas, como nos afirma Torres (2001) ao argumentar que de “palco de negociações” as reuniões se transformam em “palcos de encenações”.
Em síntese, as pesquisas recentes nos ofereceram elementos decisivos para identificar dificuldades encontradas cotidianamente nas escolas, nos aproximando do contexto de trabalho da função e permitindo o reconhecimento das implicações que as decisões macro-estruturais estão provocando no universo micro-estrutural das escolas, já que as dificuldades apontadas são componentes decisivos para fragilizar a constituição da profissionalidade docente entre os ocupantes da função.
O contexto de trabalho marcado pelas reformas neoliberais tem se apresentado de maneira adversa, o que impõe ao PCP grandes fatores de limitação para a constituição da profissionalidade, principalmente se considerarmos a deficiente formação dos PCPs apresentada pela análise das pesquisas recentes, pois a ausência de exigência de uma formação pedagógica específica e de uma longa experiência de trabalho docente trazem implicações para a realização satisfatória do trabalho cotidiano. O contexto neoliberal desfavorece a formação profissional em detrimento de uma maior valorização das “experiências” de trabalho e de uma concepção individualizante de sucesso nas escolas (Cunha, 1999; Lüdke e Boing, 2004; Sampaio e Marin, 2004). Kuenzer (2002, p. 69) afirma que a formação atual, influenciada pelo ideário neoliberal, usa palavraschaves como exigências para a atuação do professor, tais como empreendedorismo e polivalência. Desta forma, o contexto de criação da função de PCP no bojo das reformas educacionais dos anos 90 foi marcado pela institucionalização de um trabalho que não foi acompanhado da preocupação da Secretaria de Educação com a formação profissional, com as condições necessárias para a realização de um trabalho coletivo e para o desenvolvimento profissional do professor como sujeito do processo educacional. Assim, o sucesso do trabalho do PCP nas unidades escolares passou a ser quase exclusivamente uma responsabilidade individual, cabendo ao docente empreendedorismo, criatividade, confiança e disposição para a realização satisfatória da função, o que vai de encontro com a afirmação de Cunha (1999) sobre a profissionalidade docente no contexto atual. A individualidade é valor intrínseco à competitividade, esteio da nova ordem. A escola e o professor passam a ser mercadorias, postas na bolsa de valores, em que vencerão os mais preparados, sempre vistos individualmente. Não é preciso lembrar que essa lógica é perversa porque sempre reforçará os mais privilegiados, que têm melhores condições de escolha. Além disso, uma tal lógica compromete a concepção de igualdade, esteio do estado democrático e, o é pior, inviabiliza a noção verdadeira de solidariedade e de projeto coletivo. (Cunha, 1999, p. 154) É necessário considerar que, além da falta da formação pedagógica, o tempo de experiência docente exigido para a ocupação da função é um fator que também contribui para fragilizar a profissionalidade do professor coordenador. Apesar de ser positiva a possibilidade do professor ser parceiro dos demais docentes na articulação pedagógica das escolas, nossa análise nos permite afirmar que nem sempre esse fato é um indicador de êxito no trabalho cotidiano. Pois, o docente com três anos de experiência, tempo mínimo exigido pela legislação para o acesso à função, situa-se de acordo com os ciclos vitais dos professores (Huberman,1992) na fase inicial da carreira, fase identificada como sendo de sobrevivência e descobrimento que traduz-se no “choque com a realidade” e a diferença entre os ideais do professor e os aspectos reais das escolas. Esta primeira fase do trabalho docente é normalmente marcada por conflitos, angústias e insegurança diante do novo e do complexo cenário educacional. Neste sentido, é pouco provável que um professor com apenas três anos de experiência profissional apresente um “know-how” pedagógico para conduzir com suficiente clareza um grupo de professores e oferecer-lhes segurança, apoio e até mesmo aconselhamento diante dos embates cotidianos. Em nossa investigação bibliográfica-documental encontramos evidências de que em outros momentos, mesmo em épocas mais remotas, alguns professores atuaram no acompanhamento das práticas pedagógicas nas escolas, como foi o caso dos inspetores
escolares que realizaram um trabalho no Estado de São Paulo a partir da década de 1920 (Nagle, 2001; Mitrulis,1993). A inspeção escolar era realizada por um professor considerado bem sucedido e que depois de uma ampla experiência educacional recebia a incumbência de acompanhar o trabalho realizado nas escolas. Assim, a função dos inspetores nas escolas advinha do “saber da experiência”. Entretanto, é preciso problematizar que nesses casos o professor apenas tinha acesso à função depois de uma larga experiência de trabalho em sala de aula ou na gestão escolar, diferentemente do atual professor coordenador pedagógico, que, apesar de ser um parceiro dos professores, não precisa ter necessariamente uma longa trajetória de experiência no trabalho docente. A pequena experiência de trabalho docente exigida para a ocupação da função no contexto neoliberal atual constitui-se como mais um elemento que interfere nas condições de profissionalidade docente.
Considerando nossa preocupação com o trabalho realizado pelos ocupantes da função de PCP e os resultados advindos da pesquisa bibliográfica-documental optamos por realizar uma outra investigação centrada na avaliação da coordenação pedagógica nas escolas. Esta nova investigação teve como objetivo obter indicadores de um trabalho bem sucedido e o apontamento de dificuldades encontradas na função de coordenação pedagógica a partir da visão dos professores que são os responsáveis pela escolha dos PCPs. Neste sentido, realizamos uma pesquisa empírica de base qualitativa que envolveu a realização de entrevistas semi-estruturadas com trinta professores da rede pública estadual paulista. Os professores participantes exercem a docência em diferentes cidades pertencentes a três Diretorias Regionais de Ensino localizadas no interior do Estado de São Paulo e foram selecionados mediante três critérios que nos pareceram adequados em relação aos objetivos e ao objeto da pesquisa: os professores deveriam ter dez anos ou mais de experiência de trabalho no magistério público paulista7; deveriam apresentar um comprometimento profissional reconhecido pelos pares e pela comunidade escolar e deveriam exercer a docência em diferentes escolas e preferencialmente em diferentes cidades. Os resultados preliminares decorrentes da análise das entrevistas nos levam a apontar que as dificuldades apresentadas pelas pesquisas recentes (desvio de função, indefinição de território de atuação, formação precarizada, entre outras) foram confirmadas pelos entrevistados que de forma unânime apresentaram também uma outra dificuldade que se caracteriza como obstáculo para a realização de um trabalho satisfatório nas escolas: as condições de trabalho a que são submetidos os PCPs e os professores das escolas públicas paulistas fragilizam ações relacionadas à articulação do trabalho coletivo. Nossos entrevistados apontaram que as condições de trabalho oferecidas aos docentes são essenciais para o exercício satisfatório da função de professor coordenador pedagógico. Desde a necessidade de uma estrutura física nas escolas que acolha o PCP e favoreça os encontros coletivos (já que em muitos lugares não há nem mesmo uma sala para o professor coordenador trabalhar) até as possibilidades de estudo e formação continuada, sem falar na remuneração do trabalho, são exigências para evitar que a precariedade das condições de trabalho anulem a importância da função, produzindo um efeito perverso que podem transformá-la em armadilha neoliberal, em que de sujeito o PCP passe a objeto se alinhando às forças neoliberais que a querem sob controle num estado de maior alienação (Cunha, 1999) fragilizando, desta forma, o importante papel de articulação pedagógica que o ideário progressista atribuiu ao professor. As escolas pós-reformas educacionais convivem com a contínua cobrança de apresentação de indicadores positivos, mesmo que esses não correspondam à realidade. Nestas escolas é importante desenvolver projetos planejados fora do ambiente escolar, mesmo que esses substituam os conteúdos que historicamente eram trabalhados na educação básica. É importante assumir papéis sociais que anteriormente não cabiam às escolas. São muitas as “prioridades” e cobranças que se impõe às escolas na atualidade. A referência à preocupação excessiva das escolas com o que será encaminhado aos órgãos centrais e transformado posteriormente em bônus8 foi apontado pela grande maioria dos professores nas três diferentes Diretorias de Ensino que denunciam também que nessa relação escola-Secretaria, os PCPs cumprem, normalmente, as ordens vindas de cima, cobrando e pressionando os professores para a realização de ações estabelecidas externamente. Os professores reclamaram categoricamente da pressão sofrida para que a escola “esteja bem na fita” (P 10), mesmo que isso signifique menor preocupação com a qualidade do que está sendo oferecido a nossas crianças e jovens. A “educação de verniz” (P 14) parece estar contribuindo para a proliferação de alunos “sidão”, expressão utilizada por Dias da Silva (2001) para se referir aos muitos alunos que atualmente concluem os estudos sem sequer saber ler e escrever. Em nome de uma socialização exagerada os professores e os PCPs das escolas paulistas assumem cada vez mais papéis que acarretam uma sobrecarga de tarefas a um trabalho já bastante difícil e exigente. Oliveira (2003 e 2004) e Lourencetti (2004) já haviam apontado a sobrecarga de tarefas a que os professores estão submetidos, dados confirmados por nossas entrevistas: “Tudo vem para a escola, ela tem que resolver todos os problemas” afirma uma professora. A sobrecarga de tarefas é também uma das causas da insatisfação dos professores com o trabalho nas escolas. Fato também apontado por Oliveira (2003): Assim, por força muitas vezes da legislação e dos programas de reforma, os trabalhadores docentes se vêem forçados a dominar práticas e saberes antes desnecessários ao exercício de suas funções. A pedagogia dos projetos, a transversalidade dos currículos, as avaliações formativas, enfim, são muitas as novas exigências que esses profissionais se vêem compelidos a responder. (...) os trabalhadores docentes convencidos de que devem responder a essas exigências, diante da constatação de que a realidade deveria ser melhor, e não encontrando os meios necessários para por em prática exatamente o que acreditam que seja esperado deles quer pelo governo, pelos alunos, quer pelos pais, quer por seus pares, encontram-se diante de enorme insatisfação. (OLIVEIRA, 2003, P. 34). A pressão para a realização de novas tarefas que estão sendo assumidas pelas escolas se dá em um contexto profissional em que as condições de trabalho não foram modificadas para garantir que as inovações sejam realizadas com sucesso. A escola e suas condições permanecem iguais, mas as exigências feitas aos seus sujeitos são grandiosas. proximadamente setenta por cento de nossos professores criticaram os baixos salários, a sobrecarga de tarefas, a ausência de tempo para o planejamento e organização do trabalho nas escolas, apontando-os como obstáculos para a realização do trabalho bem sucedido na coordenação pedagógica. Como trabalhar de maneira diferente dentro destas condições?
Realizar ações de articulação pedagógica de maneira séria e comprometida pressupõe condições efetivas para garantir os encontros coletivos, os momentos de estudo e de aprimoramento contínuo que nem sempre o baixo poder aquisitivo e a sobrecarga de tarefas dos professores conseguem garantir. Já registramos em trabalho anterior (Dias-da-Silva e Fernandes, 2006) que nossas escolas convivem com a itinerância dos professores secundários que, para integralizar uma jornada de trabalho, acumulam aulas em escolas diferentes ou, para complementar a renda, acumulam aulas na rede privada ou municipal9. Como organizar o trabalho coletivo dentro deste contexto? Em que condições se encontram nossos professores? Algumas falas dos entrevistados nos oferecem as pistas para confirmar que o trabalho coletivo não está se efetivando, fato que é acentuado pela própria forma como a rede está estruturada e que traz implicações para as atribuições de aulas e para a organização das reuniões semanais. A ausência do coletivo em nossas escolas é apontada por vinte e quatro professores, oitenta por cento deles, que afirmam categoricamente que considerando as condições atuais não há como ter trabalho conjunto. Dias da Silva (2001), baseada em dados obtidos a partir de pesquisa colaborativa desenvolvida em uma escola pública no final dos anos 90, já apontava que as condições presentes nas escolas de periferia se constituíam em impeditivos para o fortalecimento do trabalho coletivo. Algumas condições - como as regras de atribuição, a fragmentação das disciplinas, os baixos salários que obrigam o professor a pegar muitas aulas em lugares diferentes - ainda permanecem presentes na rede pública e, mais do que isso, não parece haver preocupação das políticas públicas em alterar esses elementos para melhorar as condições de trabalho coletivo nas escolas. Nossa pesquisa vai de encontro à investigação realizada por Dias da Silva (2001), já que as escolas em que trabalham nossos entrevistados convivem com professores que são obrigados a integralizar sua jornada de trabalho em duas ou mais escolas numa tentativa
contraditória de ampliação salarial e de melhoria nas condições mínimas de vida. A integralização da jornada numa única escola é mais complicada para professores não efetivos e/ou responsáveis por disciplinas menos prestigiadas na grade curricular, tais como História, Geografia, Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia. Nesse cenário, não raramente, nossas escolas chegam a ter vários horários diferentes para atender ao objetivo de reunir seus professores, que dificilmente partilham momentos realmente coletivos em que prevaleça a reflexão, a formação, a busca de alternativas para os problemas cotidianos e, até mesmo, o desenvolvimento de projetos gestados pela própria escola. Não dá para desenvolver ações de articulação docente de forma adequada em escolas onde o coletivo tem “um professor chegando e o outro saindo na hora do HTPC” (P 4) ou como afirma a professora abaixo, uma escola com “muitos coletivos”: O máximo que você tem na escola é a equipe de professores do período da manhã, é a equipe de professores da tarde, não tem um corpo articulado, então as coisas emperram. Não tem um coletivo, há poucos momentos em que se reúnem todos e nem aí o coordenador consegue fazer a articulação do coletivo (P 5). O número elevado de professores em uma mesma escola10 e a dificuldade para reunílos também é lembrado por uma professora de Artes: “Aqui tem 90, 100 professores, 70 são efetivos e os demais são ACTs. Muitos dão aulas também na rede municipal ou em escolas particulares. Como reunir todo mundo?” (P26). É fundamental lembrar que as críticas vêm de professores bem sucedidos e todos efetivos na rede pública, portanto, deveriam ter melhores condições de trabalho. No entanto, mesmo que o professor exerça a docência em uma única escola ele convive com outros professores que trabalham em duas, três ou quatro instituições. Assim, em boa parte das escolas, há vários horários de trabalho coletivo, que não são, portanto, coletivos. Em muitas escolas públicas além da itinerância há a rotatividade dos professores, notadamente nas escolas de periferia onde o número de professores ACTs11 é muitas vezes superior ao número de efetivos. Nestas escolas, o fortalecimento do coletivo é ainda mais difícil, pois elas convivem com os “professores delivery” (Aranha, 2006) ou “professoresmacacos” (Dias-da-Silva, 2001) que “pulam” de uma escola para outra para dar suas aulas, sendo não raramente requisitados via telefone. Assim, como anteriormente apontado em Dias-da-Silva e Fernandes (2006), é nesse contexto que se exige que os PCPs cumpram sua função e que as escolas construam suas equipes de professores, pressupondo encontros de um coletivo docente marcado pela itinerância e pela rotatividade que dificultam qualquer possibilidade de constr ução e partilha do trabalho coletivo. A ausência desses aspectos são, a rigor, pré-condições para que o trabalho coletivo se efetive. Muitos professores apontam essas condições como aspectos que colocam em risco a discussão e a continuidade dos projetos que são planejados anualmente pelas escolas:
A própria equipe escolar muda muito todos os anos, sempre há professores chegando e saindo, a equipe nunca é a mesma. Se a escola tivesse um grupo coeso seria mais fácil. (P 17) Dias-da-Silva (2001) também aponta a rotatividade como impeditivo para a concretização do sonho do trabalho coletivo:
A cada ano repete-se a possibilidade de troca de escolas. Seja advinda da solicitação de remoção pelo próprio professor (sempre interessado em lecionar em bairro mais próximo à sua residência, por necessidade econômica ou preocupado em aumentar seu status profissional incorporando-se a um corpo docente de escola de maior prestígio, quase sempre localizado em bairros nobres da cidade), seja pela condição de precariedade de contrato de trabalho a que os professores mais jovens ou não efetivos são submetidos, repete-se anual, ou semestralmente, a possibilidade de troca(s) de escola(s), implicando desgaste físico e emocional para professores e membros do staff administrativo.É decisivo registrar que o mesmo fenômeno ocorre também com a equipe técnica da escola que, favorecida pelas mesmas normas de remoção, comissionamentos, designações, escolhas e/ou regras internas do próprio sistema escolar, também podem permanecer na escola menos tempo do que seria suficiente até para aprender os nomes dos professores e funcionários. Assim, professores itinerantes e rotativos convivem com diretores, coordenadores pedagógicos e supervisores também itinerantes e rotativos.
Neste contexto onde o professor coordenador convive com condições de trabalho adversas, com equipes rotativas e itinerantes, com a falta de uma formação específica, com a ausência de uma política de valorização do magistério e com uma sociedade em constante mudança, podemos afirmar que é ele o protagonista de uma função que convive com muitas dificuldades, fragilizando sua profissionalidade. A partir de nossas investigações concluímos que a atual presença dos professores coordenadores pedagógicos está inserida em um contexto contraditório marcado pelo jogo sutil que existe entre as reformas educacionais dos anos 90 e a presença de uma visão progressista de educação, herança dos anos 60 e 80. É neste jogo entre o tecnicismo e a re-significação do papel dos professores que se situa a coordenação pedagógica em São Paulo, que, tentando responder a diferentes objetivos para a função, objetivos estes muitas vezes contraditórios, enfrenta o complexo cotidiano das escolas públicas estaduais ora aceitando as imposições ora resistindo e criando saídas alternativas para o cotidiano escolar. Dessa forma, concluímos que a função foi necessária no pacote de reformas da Secretaria de Educação como uma alavanca para que as propostas lançadas a partir da “Escola de Cara Nova” saíssem a contento. Assim, coube ao PCP controlar a implantação das reformas educacionais no âmbito escolar, numa clara proximidade com os aspectos tecnicistas da educação, o que pode se constituir como uma armadilha neoliberal ao processo de profissionalidade docente. Neste sentido, como realizar um trabalho bem sucedido sem considerar a necessidade de mudanças nas condições de trabalho dos professores? Em um cenário desfavorável pouco resta a essa função além de “gerenciar” a implantação das reformas, contrariando tristemente as reivindicações históricas de nossos professores em relação à atribuição de articular o trabalho coletivo nas escolas.
1 É necessário um esclarecimento sobre a coordenação pedagógica no Estado de São Paulo, já que este Estado priorizou no início da década de 70 a separação legal e técnica entre supervisão escolar, coordenação pedagógica e professor coordenador pedagógico, diferentemente de outros estados brasileiros. O trabalho do supervisor é centrado em unidades de trabalho (Diretorias de Ensino) e acompanhamento de um número variado de escolas, enquanto que a coordenação pedagógica é um cargo previsto legalmente, mas praticamente extinto desde o final da década de 70 e há ainda a função de professor coordenador pedagógico (PCP) ocupada por um professor eleito entre os seus pares e que realiza nas escolas o trabalho de coordenação e acompanhamento das ações pedagógicas.
2 Na estrutura hierárquica da rede de ensino paulista existem cargos e funções. Os cargos são preenchidos mediante concurso público de provas e títulos, regulamentados por editais que permitem ao aprovado se efetivar no serviço público estadual, garantindo estabilidade no emprego e incorporação ao quadro de funcionários da Secretaria de Educação. A função é sempre uma ocupação temporária porque não está atrelada a realização de um concurso público de ingresso e efetivação, portanto não é prevista legalmente como um cargo a ser ocupado sem tempo definido. O acesso a uma função se dá através de designações, ou seja, autorizações para que um funcionário da Secretaria de Educação realize temporariamente atividades previstas no Estatuto do Magistério.
3 Dizemos que a função de professor coordenador pedagógico já estava prevista legalmente porque a análise da legislação que rege as escolas estaduais nos permitiu verificar que nos Estatuto do Magistério da década de 70 (1974 e 1978) já havia a previsão legal para a função, embora ela tenha até a década de 90 se efetivado apenas em experiências pontuais realizadas pela Secretaria Estadual de Educação.
4 O governo de André Franco Montoro, considerado progressista e democrático, é lembrado ainda hoje pelos professores da rede estadual. As alterações no plano de carreira e um novo Estatuto do Magistério eram reivindicações dos professores desde o final da década de 70 e foram atendidas durante sua administração.
5 O projeto Escola Padrão foi uma das bandeiras políticas do governador Luiz Antonio Fleury Filho (1991-1994). O projeto contou com um convênio assinado com o Banco Mundial que destinou US$ 18 milhões para a implantação de mudanças em 2.225 escolas públicas estaduais.
6 A coordenação de área apresentava semelhanças com o trabalho realizado nos Ginásios Vocacionais, sendo que nestes ginásios a função também era desempenhada por um professor experiente que coordenava seus colegas sem desvincular-se da sala de aula.
7 É imprescindível considerar o amadurecimento profissional como um facilitador para análise da situação da escola pública em um contexto pós-reformas educacionais ocorridas na segunda metade da década de 90.
8 O bônus foi instituído na década de 90 como parte das medidas reformistas que chegaram às escolas. Ele se caracteriza por um valor pago anualmente aos professores e gestores com base em critérios definidos pela Secretaria da Educação, tais como promoção escolar, assiduidade, resultados nas avaliações externas etc.
9 Encontramos entre nossos entrevistados diversos casos de professores que acumulam cargos e funções e que trabalham em média 60 horas semanais.
10 O número elevado de professores nas escolas públicas paulistas foi agravado com a reestruturação da rede de ensino ocorrida em meados da década de 90. Com a reestruturação, as escolas “primárias” foram separadas das “secundárias” e algumas delas passaram a ter um número muito elevado de classes e de professores, o que dificulta a realização de projetos e os encontros coletivos. Recentemente, os diretores das escolas estaduais foram convocados para uma reunião com José Pacheco, diretor da Escola da Ponte em Portugal e, segundo informações de um dos presentes, o palestrante se surpreendeu quando soube que há escolas em São Paulo com mais de três mil alunos, enquanto que a escola portuguesa que dirige e que tem um projeto diferenciado tem aproximadamente 220 alunos.


Por uma didática dos sentidos
Este capítulo é uma tentativa de transpor didaticamente os conceitos de transposição didática, interdisciplinaridade e contextualização. Para isso, o que se conhece sobre o assunto foi organizado, selecionado, relacionado, analisado em separado e relacionado novamente depois da análise em separado. Espera-se, com isso, que se constitua compreensão desses conceitos e que se consiga aplicá-los na construção e na execução de uma proposta pedagógica.
A proposta pedagógica é uma articuladora de intenções educativas em que se definem as competências, os conteúdos, os recursos e os meios. Ela entra em ação pela transposição didática. É por meio desta última que as intenções educativas, as competências a serem desenvolvidas nortearão a escolha, o tratamento, o recorte, a partição dos conteúdos que darão conta de tornar viável o que foi anteriormente consensuado. Os dois recursos mais importantes para instrumentalizar a transposição didática são chamados de interdisciplinaridade e contextualização. Transposição didática, interdisciplinaridade e contextualização são, na verdade, três facetas inseparáveis de um mesmo processo complexo: transformar o conhecimento em conhecimento escolar a ser ensinado e aprendido, definir o tratamento a ser dado a esse conteúdo e tomar as decisões didáticas e metodológicas que orientarão a atividade do professor e dos alunos com o objetivo de construir um ambiente de aprendizagem eficaz. Para fins didáticos, abordaremos a transposição didática, a interdisciplinaridade e a contextualização separadamente. Ao final, tentaremos analisar as relações complexas pelas quais elas estão imbricadas.


TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA
A necessidade de ensinar o conhecimento leva à necessidade de modificá-lo, e essa modificação
é chamada de transposição didática. Na escola, os objetos de conhecimento – o saber científico ou as práticas sociais – convertem-se em “objeto de ensino”, isto é, em conteúdo curricular. É preciso modificar o saber para que ele se transforme em objeto de ensino “ensinável”, ou seja, em condições de ser aprendido pelo aluno. Todo professor faz isso permanentemente, embora nem sempre o faça de maneira eficaz. A transposição didática ocorre, por exemplo, quando:
• o conteúdo é selecionado ou recortado de acordo com o que o professor considera relevante para constituir as competências consensuadas na proposta pedagógica;
• alguns aspectos ou temas são mais enfatizados, reforçados ou diminuídos;
• o conhecimento é dividido para facilitar a sua compreensão e depois o professor volta a estabelecer a relação entre aquilo que foi dividido;
• o conteúdo é distribuído no tempo para organizar uma seqüência, um ordenamento, uma série linear ou não-linear de conceitos e relações;
• uma forma de organizar e apresentar os conteúdos é adotada.
O fenômeno da transposição didática põe em evidência o fato de que a disciplina escolar não é o conhecimento científico, mas uma parte dele e, além disso, modificada. Por outro lado, é mais do que ele porque abarca também os procedimentos para o seu ensino. A física escolar, por exemplo, não se confunde com a Física (ciência), porém é uma parte dela, acrescida daquilo que a Física não tem: um pressuposto sobre como se ensina e como se aprende física.

A transposição, passo a passo
Fazer a transposição didática implica algumas competências que precisamos desenvolver, e isso deverá estar contemplado no plano de educação continuada da escola, da região ou do sistema de ensino. Nesse caso, é preciso:
• saber fazer recortes em sua área de especialidade, de acordo com um julgamento sobre relevância, pertinência, significância para o desenvolvimento das competências escolhidas que vão garantir a inserção do aluno no mundo moderno;
• saber selecionar quais aspectos daquele conhecimento são relevantes;
• dominar o conhecimento em questão articuladamente, incluindo o modo característico e específico pelo qual esse conhecimento é construído. Por exemplo, conhecer bem a geografia e a maneira como essa disciplina constitui-se em área de conhecimento e, ainda, como tais conhecimentos são constituídos;
• saber relacionar o conhecimento em questão com os de outras áreas;
• saber contextualizar esse conhecimento;
• ter um pressuposto ou uma “aposta” sobre como o aluno constrói esse conhecimento e como deveria conhecer, se for esse o caso;
• dominar estratégias de ensino eficazes para organizar situações de aprendizagem que efetivamente promovam no aluno as competências que se quer desenvolver.


INTERDISCIPLINARIDADE
A interdisciplinaridade é atualmente uma palavra-chave para a organização escolar. O que se busca com isso é, de modo geral, o estabelecimento de uma intercomunicação efetiva entre as disciplinas, por meio do enriquecimento das relações entre elas. Almejase, no limite, a composição de um objeto comum, por meio dos objetos particulares de cada uma das disciplinas componentes. As unidades disciplinares são, portanto, mantidas, tanto no que se refere aos métodos quanto aos objetos, sendo a horizontalidade a característica básica das relações estabelecidas. Nilson José Machado O mundo não é disciplinar. Para podermos dar conta de sua complexidade, dividimos o conhecimento sobre o mundo em disciplinas. Porém, para que o conhecimento sobre o mundo transforme-se em conhecimento do mundo, isto é, em competência para compreender, prever, extrapolar, agir, mudar, manter, é preciso reintegrar as disciplinas em um conhecimento não-fragmentado. É preciso conhecer os fenômenos de modo integrado, inter-relacionado e dinâmico. Na escola, o tratamento da realidade no âmbito fragmentado de cada disciplina pode dar conta de constituir um conjunto de noções ou explicações que, por nem sempre terem nexo entre si, são depois esquecidas. Entretanto, não dá conta de desenvolver nos alunos a
compreensão do mundo físico e social, tal como determina a LDB.
A interdisciplinaridade na prática A interdisciplinaridade, como prática do currículo escolar, expressa-se em vários níveis de cooperação entre as disciplinas.
• O primeiro nível, mais simples, consiste em descrever e/ou explicar um mesmo fenômeno na perspectiva de diferentes disciplinas, concomitantemente, seqüencialmente ou com um intervalo de tempo relativamente curto (durante o mesmo ano letivo ou série, por exemplo). Quando isso ocorre, o que há em comum entre as disciplinas é o objeto ou tema. Por exemplo, a poluição pode ser examinada em química, geografia, língua portuguesa, biologia, história e estudos brasileiros. Porém, não há um esforço sistemático para mostrar as relações que existem entre “os conhecimentos” que resultam das abordagens ou dos conceitos examinados em cada disciplina, em que o objeto ou tema estudado é conhecido apenas sob aquele ponto de vista disciplinar individual. A ponte entre elas, ou a sua integração, caberá ao aluno estabelecer, o que raramente acontece. Nesse nível, ele pode até adquirir conhecimentos necessários à constituição de competências, mas não aprende a mobilizá-los e aplicá-los em situações pertinentes.
• Um segundo nível, mais complexo, não prescinde da explicação do fenômeno no âmbito de cada disciplina separadamente, mas vai além. Ao estudar as relações entre as diferentes formas de conhecer o fenômeno da poluição, por exemplo, o aluno reconstrói esse fenômeno com a contribuição de cada disciplina, mas resultando em um conhecimento diferente, mais complexo do que aquele que cada uma delas em separado pode ter do fenômeno da poluição. Nesse caso, o aluno foi instado a mobilizar os diferentes “conhecimentos” para reconstruir e dar sentido ao
fenômeno, objeto ou tema em estudo. Logo, a constituição de competências está mais próxima de ser alcançada. Portanto, o trabalho interdisciplinar requer atividades de aprendizagem que favoreçam a vivência de situações reais ou simulem
problemas e contextos da vida real que, para serem enfrentados, necessitarão de determinados conhecimentos e competências. Por exemplo, entender como a poluição tornou-se um problema político na sua cidade e por que as diferentes soluções, aparentemente apenas técnicas, estão comprometidas com diferentes formas de organizar o espaço urbano. Isso remete ao conceito de contextualização.


CONTEXTUALIZAÇÃO
Etimologicamente, contextualizar significa enraizar uma referência em um texto, de onde fora extraída, e longe do qual perde parte substancial de seu significado. Contextualizar, portanto, é uma estratégia fundamental para a construção de significações. Se pensarmos a informação ou o conhecimento como uma referência ou parte de um texto maior, poderemos entender o sentido da contextualização: (re)enraizar o conhecimento ao “texto” original do qual foi extraído ou a qualquer outro contexto que lhe empreste significado.
Não há nada no mundo físico, social ou psíquico que, em princípio, não possa ser relacionado aos conteúdos curriculares da educação básica, porque o próprio currículo é um recorte representativo da herança cultural, científica e espiritual de uma nação, de um grupo, de uma comunidade. É quase inesgotável a quantidade de contextos que podem ser utilizados para ajudar os alunos a atribuir significado ao conhecimento. De outro lado, quase todos os fatos, problemas ou fenômenos físicos, psíquicos, individuais, sociais, culturais e religiosos com os quais os alunos entram direta ou indiretamente em contato podem ser relacionados ao conhecimento
próprio de uma ou mais áreas ou disciplinas do currículo. Em outras palavras, todos os contextos próxima ou remotamente familiares ao aluno têm uma dimensão de conhecimento ou informação. Sendo assim, quanto mais próximos estiverem o conhecimento escolar e os contextos presentes na vida pessoal do aluno e no mundo onde ele transita, mais o conhecimento terá significado.

Destrinchando o contexto Podemos classificar os contextos em três grandes categorias:
• a vida pessoal e cotidiana dos alunos em sua riqueza e complexidade, que inclui de problemas econômicos a questões de convivência pessoal, de sexualidade a relações com o meio ambiente, do mundo do trabalho ao mundo da família, da gestão da vida financeira à gestão do corpo e da saúde;
• a sociedade ou o mundo em que o aluno vive, também rico e complexo, incluindo
toda sorte de temas, questões e problemas em uma perspectiva globalizada e unificada pelas tecnologias da comunicação e transmissão de informação: política, economia, desenvolvimento científico, entre muitos outros;
• o próprio ato de descoberta ou produção do conhecimento que pode ser reproduzido ou simulado. Em cada caso, a contextualização mobiliza diferentes motivações para alcançar o mesmo objetivo:
• contextualizar o conhecimento nas questões presentes na vida pessoal do aluno, vivenciar intelectual e afetivamente a relevância do conhecimento para compreender e resolver seus próprios problemas, tomar decisões que afetam a qualidade de sua vida, construir uma visão de mundo e um projeto com identidade própria;
• buscar o significado do conhecimento a partir de contextos do mundo ou da sociedade em geral é levar o aluno a compreender a relevância e aplicar o conhecimento para entender os fatos, as tendências, os fenômenos e os processos que o cercam;
• contextualizar o conhecimento no próprio processo de sua produção é criar condições para que o aluno experimente a curiosidade e o encantamento da descoberta e a satisfação de construir o conhecimento com autonomia. O currículo escolar, além de refletir a vida real vivida pelos alunos fora da escola, precisa prepará-los para a vida futura: para o exercício da cidadania e para o trabalho. Por essa razão, as escolhas dos contextos devem procurar responder a duas vertentes: o que é significativo para o aluno na sua vida e no mundo imediato e o que é relevante em termos dos objetivos educacionais da escola. Contextualizar o ensino significa incorporar vivências concretas e diversificadas e também incorporar o aprendizado em novas vivências. Contextualizar não é exemplificar o tempo todo. De nada adianta o professor dar uma aula completamente desvinculada da realidade, carregada de fórmulas e conceitos abstratos e, para simplificar ou torná-la menos monótona, exemplificar. É pouco eficaz, para atribuir significado ao conhecimento de funções, partir de sua definição abstrata, desenvolver o conceito e depois ilustrar como esse conceito se aplicaria a uma tendência econômica. O aluno precisa ser seduzido pela importância de compreender as tendências econômicas e, a partir dessa motivação, valorizar a aprendizagem de funções. Ao construir significados, o professor estará sempre envolvendo o aluno afetivamente, além da motivação intelectual, mais óbvia e conhecida. Em outras palavras, os significados não são neutros. Incorporam valores porque explicam o cotidiano, constroem compreensão de problemas do meio social e mundial ou facilitam vivenciar o processo da descoberta.


UMA PALAVRA FINAL
Esperamos que este capítulo tenha contribuído para esclarecer os conceitos aqui tratados. A partir de sua análise, o leitor perceberá que o recurso empregado para tratar dos conceitos de transposição didática, interdisciplinaridade e contextualização foi o de colocar em ação a própria transposição didática. Para tanto, o conhecimento referente a esses conceitos foi recortado, selecionado com o que consideramos relevante e pertinente para que se possa constituir sentido e conhecimento. Caberá a cada professor estabelecer as relações entre os três conceitos apresentados e assim constituir as suas próprias competências sobre o assunto. Afinal, transposição didática, interdisciplinaridade e contextualização são partes intrínsecas de um mesmo e complexo fenômeno: o ensino.


ANEXO
Saber fazer a transposição didática
• Selecionar, produzir e utilizar materiais e recursos didáticos, diversificando e potencializando seu uso em diferentes situações.
• Utilizar estratégias diversificadas de avaliação da aprendizagem e, a partir de seus resultados, formular propostas de intervenção didática.
• Promover uma prática educativa que considere as características dos alunos e da comunidade, os temas e as necessidades do mundo social.

UM EXEMPLO DE TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA
Um professor de língua portuguesa desenvolveu a seguinte situação de aprendizagem com seus alunos da 1a série do ensino médio:
• Dividiu a classe em subgrupos para escrever uma carta ao diretor da escola pedindo a liberação do prédio nos fins de semana para atividades esportivas e culturais. Em cada grupo, um observador registraria todas as discussões que ocorressem durante a elaboração da carta.
• Ao final da escrita, o grupo deveria discutir o que ocorrera durante a produção e chegar a um consenso sobre os aspectos essenciais do ato de escrever.


COMPETÊNCIAS A SEREM MOBILIZADAS PELO PROFESSOR PARA A ELABORAÇÃO DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA
• Relacionar os conteúdos das disciplinas e áreas com fatos, fenômenos e movimentos da atualidade.
• Articular no trabalho de sua disciplina as contribuições de outras disciplinas e de outras áreas do conhecimento.
• Fazer uso das novas linguagens e tecnologias.
• Planejar e realizar situações didáticas utilizando os conhecimentos das disciplinas e áreas, dos temas sociais, dos contextos sociais relevantes para a aprendizagem
e das didáticas específicas.
• Aplicar o princípio da contextualização dos conteúdos como estratégia de aprendizagem.
• Selecionar contextos, problemáticas e abordagens que sejam pertinentes à aprendizagem de cada saber disciplinar e adequados à etapa de desenvolvimento do aluno.
• Utilizar diferentes e flexíveis modos de organização do tempo, do espaço e de agrupamento dos alunos.
• Manejar diferentes estratégias de aprendizagem, considerando a diversidade dos alunos e os conteúdos.
O objetivo da atividade era que os alunos, ao identificarem a natureza do ato de escrever, construíssem acerca da escrita um conhecimento relevante para o desenvolvimento da competência de analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos da linguagem, da área de Linguagem e Códigos. Foi o que ocorreu: ao discutir os problemas que se colocaram e ao analisar os registros de suas interações, os alunos tomaram consciência de que a escrita envolvia processos de planejamento, textualização e revisão, de que esses processos são recursivos, de que, ao se escrever, é necessário enfrentar e resolver múltiplos problemas. A possibilidade de socializarem a discussão e o acordo entre as conclusões dos diferentes grupos permitiram a abstração dos aspectos essenciais do ato de escrever e possibilitaram a compreensão da escrita como uma atividade inserida em um contexto comunicativo. Nesse momento, o que estava posto em jogo era a significação das experiências dos alunos com relação ao ato de escrever.
A transposição didática fica evidenciada quando se analisam as características da situação proposta. O professor planejou trabalhar com o objeto de conhecimento língua portuguesa e, para ensinar, fez escolhas, estabelecendo uma forma de transposição didática. Por exemplo:
• recortou e selecionou um aspecto do conteúdo: a natureza da escrita;
• considerou o que os alunos sabiam sobre o ato de escrever e propiciou uma situação em que eles pudessem conceitualizar o objeto de conhecimento;
• criou uma situação de aprendiz agem contextualizada preservando o sentido social dessa atividade, no caso, a necessidade de escrever com uma intenção e para um destinatário real;
• propiciou uma situação-problema: os alunos tinham de desempenhar uma tarefa que se constituía no enfrentamento de um problema real;
• facilitou a tomada de consciência: a consciência do que eles fazem como leitores escritores leva-os a explicitar um conhecimento que já possuíam implicitamente e que entra em ação quando posto em prática. Em síntese, o conhecimento do professor sobre o objeto de conhecimento língua portuguesa, por um lado, e o conhecimento sobre como ensinar esse objeto, por outro, foi necessário para que tomasse decisões que transformaram didaticamente o objeto de ensino sem descaracterizar o objeto de conhecimento.


Projeto Pedagógico: Rever o quê, mudar por quê?
Luiz Carlos de Menezes
Toda escola tem um Projeto Pedagógico, uma proposição clara ou implícita de objetivos como instituição formadora, de organização interna e de articulação com seu entorno social, e um determinado conjunto de procedimentos e de meios educacionais. Isso é tão natural que vale a pena compreender por que se tem falado tanto de Projeto Pedagógico, como se tratasse de algo novo, e por que é hoje especialmente importante discutir e aperfeiçoar esse instrumento central para a condução de uma escola.
De forma explícita ou não, os professores, individualmente ou em grupo, desenvolvem planos de curso para suas disciplinas ou turmas, definindo que assuntos pretendem tratar, em que seqüência e com que ritmo, podendo também especificar para si mesmos, para seus alunos ou para a direção escolar de quais métodos e materiais didáticos farão uso e como será feita a avaliação.
No entanto, o planejamento do trabalho de cada professor ou do ensino de cada disciplina é um detalhamento ou uma etapa posterior a um raramente explicitado Projeto Pedagógico. Mesmo entre escolas consideradas de bom padrão, muitas vezes sequer esse planejamento é feito pelo professor, que já encontra preestabelecida a metodologia de trabalho e já definidos os livros, as apostilas, as demonstrações, os laboratórios e a avaliação.
Rotinas didáticas tão definidas, contudo, não correspondem necessariamente a um Projeto Pedagógico bem estabelecido e explicitado. Por vezes, esboça-se esse projeto para pais de alunos, tratados coerentemente como consumidores, no Ensino Fundamental e Médio privados, mas freqüentemente mesmo o corpo docente só indiretamente percebe qual é o Projeto Pedagógico da escola em que ensina, pelas regras de procedimento que refletem as intenções e as propostas educacionais.
Entre escolas mais carentes, é comum encontrar-se o planejamento didático-pedagógico reduzido à adoção tácita ou explícita de um “currículo padrão” e à definição de procedimentos básicos, enquanto a organização interna da escola e seu relacionamento com a comunidade extra-escolar são definidos de forma reativa diante de problemas de ordem social ou de comportamento não reconhecidos como sendo de natureza educacional. A falta de discussão de um projeto global deixa cada professor isolado para a definição de objetivos educacionais gerais e na dependência de iniciativas e esforços individuais para enfrentar as condições adversas de trabalho.
Há uma variedade de situações intermediárias de escolas entre essas duas situações descritas, assim como há notáveis exceções em que há clareza de princípios e nitidez de propostas. No entanto, públicas ou privadas, ricas ou pobres, as escolas raramente expõem ou discutem os Projetos Pedagógicos que tacitamente adotam, o que, por si só, não constituiria problema, se o projeto efetivamente adotado contemplasse as necessidades da vida contemporânea e se o fizesse por meio de processos de ensino e aprendizagem compatíveis. Como isso não acontece, é preciso explicitar e rever os Projetos Pedagógicos, tanto devido às mudanças por que tem passado o mundo para o qual se educa, quanto pelas novas compreensões de aprendizagem, também relacionadas às demais mudanças.
A vida social e política de nossos tempos passa por tantas e tão rápidas alterações que a educação precisa promover, como condição de cidadania, a capacidade de interpretar e de fazer face a situações novas, desenvolvendo autonomia nos alunos para um convívio solidário e responsável, o que implica, entre outras coisas, a capacidade de informar-se, comunicar-se, julgar e tornar decisões.
De outro lado, as mudanças econômicas e tecnológicas desse fim de século eliminam postos de trabalho industrial, agrícolas ou administrativos, característicos da era industrial, pela automação, pela mecanização e pela informatização. Muda a natureza do trabalho, a concentração dos postos de trabalho se desloca, sobretudo para o setor de serviços, e esse setor, por sua vez, se transforma continuamente.
Portanto, também de uma perspectiva profissional, a educação deve promover a capacidade de aprendizado permanente e desenvolver instrumentos para atividades intelectuais, coletivas e inovadoras, como a capacidade de expressão, de comunicação e de aquisição de informações, a criatividade e o equilíbrio emocional para a confrontação de idéias, todos igualmente importantes para o exercício de uma cidadania plena.
A maior parte dos Projetos Pedagógicos hoje adotados não promove essas qualidades, pois eles se restringem a aspectos cognitivos, de saber disciplinar, deixando de considerar como objetivo escolar a promoção de saberes práticos ou de valores humanos. Tanto quanto as linhas de produção da sociedade industrial, sua meta é formar séries de alunos iguais, que dêem um certo conjunto de respostas ao mesmo conjunto de perguntas. Sensibilidade estética, valores éticos, habilidades práticas têm pouco significado numa educação cujo controle de qualidade, ao final do ensino básico, é feito via os atuais exames vestibulares.
Uma outra razão para serem revistos Projetos Pedagógicos concebidos noutra época, desatualizados, é a presença hoje majoritária, na escola, de contingentes sociais que só chegaram a ela nas últimas décadas, percebendo a crescente importância da educação e respondendo a exigências do mercado de trabalho.
Esses novos contingentes demandam Linguagens e tratamento pedagógico adequados, o que nos leva, coerentemente, a uma outra razão que também justifica a revisão proposta. Trata-se de teorias da aprendizagem que reforçam a compreensão de que aprender resulta de ações de quem aprende, num processo de interação social. Nesse sentido, há uma feliz convergência entre o papel da escola como instrumento de democratização e uma idéia de educação por meio da participação do educando, para a qual a ação não é prerrogativa de quem ensina.
Para desenvolver competências para a vida social e para o trabalho, para promover visão de mundo, valores humanos e cultura entre todos os alunos de todos os contingentes sociais, é preciso romper a tradição de se manter os alunos em passividade e de se identificar conhecimento e cultura com uma soma de conteúdos de disciplinas estanques. Essas, aliás, são características centrais do velho Projeto Pedagógico, que tinha um modelo ultrapassado de hierarquias sociais e profissionais e pressupunha que atitudes de cidadania e sentido de participação fossem qualidades “trazidas de casa” pelos alunos.
Em resumo, nossa escola precisa mudar porque mudou o mundo e também porque mudou seu público. É preciso fazer com que a democratização de acesso à escola corresponda a uma efetiva democratização no acesso ao conhecimento e na obtenção da cidadania. A reformulação da educação básica, nessa direção e por essas razões, começa pela revisão do Projeto Pedagógico e envolve uma profunda mudança nos métodos e conteúdos do aprendizado, tanto quanto na própria gestão e organização escolar.
Essas iniciativas não são fáceis de se propor, e ainda mais difíceis serão de se colocar em prática nas condições reais das quais será preciso partir, talvez especialmente na escola pública, que é a que nos interessa aqui mais imediatamente.
As quatro primeiras séries do Ensino Fundamental ainda têm muito para se aperfeiçoar, mas talvez por lidar com crianças já se parta de alguns pontos essencialmente corretos, como a clareza em seu objetivo de desenvolver habilidades básicas como a alfabetização em linguagens e em matemática, ou como o respeito que tem pelas dimensões afetivas do aprendizado.
As transformações mais significativas, na escola pública, ocorrerão nas últimas séries do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, em que o velho Projeto Pedagógico de caráter propedêutico tem sido uma fraude, até porque muitos alunos sequer alcançam os níveis seguintes, e em que o ensino disciplinar nas bases antigas funciona mais como um obstáculo do que como um meio para o desenvolvimento de competências e de valores humanos.
Em todos os níveis, aliás, as mudanças não ocorrerão sem resistência, pois alunos, professores, pais de alunos e diretores formaram sua idéia de escola baseados nos mesmos velhos pressupostos que é preciso substituir. No entanto, é preciso frisar que as mudanças hão de ser feitas para essa comunidade escolar, com ela e por ela, e não contra, nem a despeito dela.
Um obstáculo permanente, de natureza ideológica mesmo, é á inércia, a resistência passiva, diante da perspectiva de se conceber um projeto que, de acordo com nossa velha tradição institucional centralista, deveria ser algo emanado pelo Estado ou decidido pelo centro, que só chegaria às unidades escolares já como norma de instrução.
Um Projeto para cada escola
Dentro de alguns anos, talvez tenhamos descoberto que só desenvolvemos dois ou três novos Projetos Pedagógicos básicos essencialmente diferentes, com umas poucas variações em torno de cada um deles. Estaremos sistematizando nossa experiência de revisão desses projetos e teremos aprendido quais as formas mais eficazes para cada escola de nível fundamental ou médio se relacionar com a comunidade de que ela é parte, em cada tipo de entorno social. Compararemos com tranqüilidade os instrumentos e os resultados de avaliações estaduais e cionais com aqueles estabelecidos em cada escola e em cada turma. Conheceremos quais aspectos dos parâmetros e diretrizes curriculares têm sentido universal, quais são aplicáveis à nossa realidade e quais merecem ser revistos. Saberemos fazer uso de cada um desses instrumentos para aperfeiçoar nosso trabalho.
Mesmo que possa estar próximo, esse futuro ainda está por se construir. É preciso hoje começar essa construção em cada escola e, na realidade, não dispomos para isso de três modelos, nem dois, nem um; teremos de aprender a caminhar criando caminhos. Um bom começo seria um conhecimento melhor da realidade escolar, por meio de um diagnóstico de cada escola, por exemplo, mas imediatamente nos deparamos com uma dificuldade, com uma primeira manifestação de nossa resistência à mudança, na forma de um ceticismo, relativamente ao próprio diagnóstico: que haverá na nossa escola a se diagnosticar que nós já não estejamos cansados de saber? Que os alunos estão desmotivados? Que faltam professores ou que sua formação é deficiente? Que o corpo técnico e administrativo é menor do que seria necessário? Que o bairro é violento e o policiamento insuficiente? Que os pais de alunos, sem tempo, participam pouco? Que as salas de aulas têm mais alunos do que seria recomendável? Que a biblioteca é pequena e desorganizada? Que faltam salas de projeção, computadores, laboratórios e quem saiba ou possa cuidar deles? Que as quadras de esportes são poucas e mal equipadas? Que não há áreas de lazer nem áreas verdes? Que, se não fosse o desemprego reinante, não conseguiríamos ninguém pra dar aulas, com o salário que pagamos e nas condições em que se trabalha?
A partir de nossa resistência ou incapacidade para a mudança, concluiríamos, enfim, que para descobrir o que já sabemos, não faria sentido fazer diagnósticos, pois não nos faltaria conhecimento da realidade, mas sim condições para mudá-la. Outra resistência se manifesta na convicção de que a mudança é impossível, porque seria ilusório mudar a escola, que é só parte de uma realidade maior, que envolve o desprezo geral pela cultura, trocada pelo culto ao consumo, o embrutecimento espiritual seguido da disseminação de misticismos, a falta de perspectiva social levando ao individualismo e à apatia coletiva, a trivialização da violência levando à insegurança generalizada, famílias empobrecidas e desestruturadas resultando em jovens sem assistência material e moral.
Diante dessa dura realidade, parecerá mesmo ilusório querer se falar em mudar a escola. Pois é precisamente disso que se trata, de se conceber e de se concretizar uma escola capaz de enfrentar com coragem transformadora o mundo que hoje a oprime, capaz de receber crianças, jovens e professores nas condições em que de fato chegam e de desenvolver com eles um trabalho eficaz e solidário, de construção coletiva de uma realidade nova.
Essa escola promoverá respeito e apreço pelas diferenças, sem se acovardar diante do preconceito; desenvolverá sensibilidade estética e valores éticos, sem se intimidar com a brutalidade; construirá inteligências, expandirá consciências e difundirá culturas, sem se conformar com a exploração da ignorância. Essa coragem, inicialmente fundada na esperança, vai se tornar ação e vai produzir relações novas no trabalho de cada unidade escolar como coletivo vivo. Isso que parece uma revolução, e de fato é, pode acontecer em cada escola a despeito das dificuldades e resistências.
Comecemos olhando de frente as dificuldades e não nos poupemos de lidar com situações extremas, como uma escola pública voltada aos últimos dois ciclos do Ensino Fundamental e ao Ensino Médio, num grande centro urbano, onde é tão difícil garantir a presença de professores formados em cada sala de aula, administrar turmas superlotadas ou esvaziadas pela evasão, combater a promiscuidade e o crime na escola e nos seus arredores, preservar os equipamentos escolares e o próprio prédio da pilhagem e da depredação e mediar conflitos entre grupos de alunos que parece óbvio que, antes de equacionar esses problemas, qualquer tentativa de revisão do Projeto Pedagógico seria inútil, pois o “ruído” encobriria qualquer harmonia a ser proposta. Pois mesmo que pareça óbvio, isso não é sequer verdade, além de ser uma convicção que paralisa a escola. As questões apontadas expressam, sim, uma realidade opressiva, mas também denunciam uma escola despreparada para as situações, os alunos e os professores reais que devem ser levados em conta na ação da escola, não para lamentar sua realidade, mas para enfrentá-la. Se ela não é capaz disso, seu Projeto Pedagógico, concebido noutra época para outra clientela, está se revelando ineficaz.
Muitos dos problemas que parecem inviabilizar as escolas mais problemáticas, como o desrespeito, a violência, a promiscuidade e as drogas, são questões de natureza ética em sua manifestação, e têm componentes sociais e afetivos em sua origem. Pois esses são dois dos principais componentes de uma educação básica mais abrangente que, ao lado do desenvolvimento de habilidades práticas, costumam estar ausentes dos objetivos educacionais, em projetos centrados no desenvolvimento cognitivo.
Um diagnóstico da escola, de sua comunidade imediata e de seu entorno pode levantar interesses culturais, de entretenimento e de conhecimento, mostrar perspectivas profissionais, revelar problemas afetivos, de natureza social ou familiar, identificar contingências econômicas e financeiras e até mapear dificuldades práticas de transporte, de moradia, de segurança e de saúde. Aprender a fazer isso já seria um passo essencial para a escola se situar em sua realidade, reconhecendo seus integrantes como seres complexos, não como números inteiros.
O mais importante, contudo, seria repensar as próprias atividades escolares, em função das condições efetivas identificadas e dos objetivos institucionais estabelecidos, fazendo amplo uso da sua autonomia de gestão. Cada unidade escolar precisa enfrentar essa tarefa, que é intransferível, pois não se podem generalizar os projetos mesmo para escolas de mesmo nível e de uma mesma rede. Uma escola pública de Ensino Médio, em uma cidade de pequeno porte no interior do Estado voltada à pecuária e ao turismo campestre, com professores também docentes da faculdade da região, 700 alunos de famílias estáveis, cujo problema central é a falta de perspectiva profissional, terá um projeto diferente de outra escola de nível médio num bairro pobre da capital que, entre seus 1,5 mil alunos, conta com 30 adolescentes grávidas, 100 usuários de drogas (alguns dos quais com antecedentes criminais), cujas famílias estejam sendo atingidas por desemprego crescente.
Também são diferentes, entre distintas escolas, as possibilidades de interação comunitária. Escolas localizadas no núcleo habitacional de seus alunos, como uma favela ou um condomínio de classe média, têm maior capacidade de interação que outras, localizadas em corredores urbanos de passagem, cujos alunos de turmas noturnas, trabalhando no comércio formal ou informal, freqüentam a escola no trajeto para suas casas, em bairros distantes.
Assim como a elaboração do Projeto Pedagógico de uma escola não é generalizável, ela também não é estável ou definitiva, e sim uma construção dinâmica, pois uma problemática que pode ter sido central numa fase pode ser atenuada e deslocada para plano secundário em período subseqüente. Há traços talvez permanentes ou duradouros, característicos da cultura regional e da clientela escolar regular, assim como há aspectos transitórios, marcados por questões locais ou até por fatores conjunturais.
Entre os elementos de continuidade, há componentes curriculares, disciplinares ou não, que são estabelecidos como elementos definidores de cada ciclo escolar. Sua presença deve ser entendida não como uma limitação à autonomia escolar, mas como uma referência nacional comum, uma garantia de que todo aluno, ao lado da sua vivência e aprendizado específicos, poderá desenvolver, em qualquer escola, um conjunto central de habilidades, competências, conhecimentos e valores humanos.
Dessa forma, mesmo com toda a ênfase dada à especificidade do Projeto Pedagógico de cada unidade escolar e ao seu sentido dinâmico e variável, é possível tentar conceber características comuns, que poderiam estar presentes em muitos projetos, combinando o desenvolvimento de conhecimentos disciplinares com o de competências gerais e de habilidades práticas, e que promovam a formação para uma cidadania participante e democrática, dotada dos sentidos éticos de justiça e de solidariedade, assim como os dos sentidos estéticos de criatividade e sensibilidade. O exercício, apresentado a seguir, de se identificar algumas dessas características comuns não deve ser visto como lista de ingredientes essenciais numa receita de escola renovada, mas sim como pontos para a reflexão de quem se dispuser a rever criticamente a escola e suas práticas.
Elementos para um novo Projeto Pedagógico
Por mais universais que sejam o sentido da educação e a idéia da escola, esses conceitos dependem de cada sociedade, cultura e período histórico e da visão de mundo de quem os conceitua. Os exemplos tratados e as problemáticas apresentadas anteriormente, ainda que possam ter paralelos em situações de outros países e épocas, são inconfundivelmente da escola brasileira no fim do século XX. Por outro lado, a dificuldade ou incapacidade de se promover uma educação efetiva para todos está sendo tratada criticamente a partir de uma perspectiva filosófica humanista e não de uma visão pretensamente neutra.
Dessa forma, o Projeto Pedagógico idealizado cujas características gerais apontaremos agora não se pretende "universal", seja em seus conceitos, como o de cidadania, seja em seus pressupostos pedagógicos. Além disso, as propostas esboçadas terão como eixo a negação de um velho projeto, cuja descrição sintética poderá parecer uma caricatura da escola “tradicional”, paradigma a ser superado não por ser antigo, mas por já não servir à cidadania.
Não se deve, aliás, generalizar tais características negativas para todas as nossas escolas, algumas das quais já buscam, de diferentes formas, promover sua atualização e aperfeiçoamento. Para focalizar melhor os objetivos educacionais e seus instrumentos e meios, tenhamos em conta, nesse exercício de projeção, uma escola pública de Ensino Médio, e não será difícil transpor as proposições pelo menos para a segunda metade do Ensino Fundamental.
Um primeiro aspecto que pode ser objeto de comparação entre o velho e o novo projeto é a formação disciplinar centrada em componentes cognitivos, para o primeiro, enquanto que, para o outro, as disciplinas servem ao desenvolvimento de competências e habilidades, de visão de mundo e valores humanos. Para o velho, o professor detém o conhecimento e trata de transferi-lo para os alunos que, se forem aptos, aprendem. Para o novo, o conhecimento se constrói num processo dinâmico envolvendo toda a turma e, além do conhecimento, desenvolve componentes sócio-afetivos, como a auto-estima, o espírito de equipe e a solidariedade, não só como meios de aprendizagem, mas como objetivos de formação escolar.
Um jovem que tenha sido convencido de sua incapacidade de aprender uma disciplina, como a matemática, a despeito de grande sacrifício, além de atingido em seu amor próprio estará comprometido em seu aprendizado futuro, prejudicado, assim, por toda a vida. Por isso, uma preocupação central da escola: no novo projeto deve-se promover a convicção de que todos podem aprender e de que isso pode ser sempre prazeroso.
No tratamento de qualquer disciplina científica ou humanística, na compreensão de um conceito ou na investigação de um tema, faz-se o uso da linguagem corrente e de diferentes outros códigos e linguagens, como gráficos, diagramas ou expressões algébricas. O velho projeto toma essas linguagens como elementos propedêuticos adquiridos em outros momentos e disciplinas. Assim, um aluno que não domina um código se prejudica em todos os aprendizados dele dependentes. O novo projeto atribui como objetivo de cada disciplina o desenvolvimento e o reforço de todas as linguagens de que ela faça uso, evitando o "bloqueio em série" da capacidade de aprendizagem. A produção do conhecimento, no velho projeto, é sempre apresentada como prerrogativa de especialistas, cabendo aos alunos “adquirir” esse conhecimento ou, literalmente, “tomar conhecimento” dele. No novo projeto, a produção de conhecimento e a criação intelectual são tratadas como traços gerais da espécie humana, presentes em todos os aspectos da vida social, com sentido prático e também com sentido lúdico. As atividades das turmas de alunos, nas ciências naturais e humanas, na matemática, nas letras e nas artes, estrondam a imaginação e a intuição, e a cultura científica e artística é desenvolvida como instrumento para a compreensão, para a invenção e para a fruição do mundo, não como adorno intelectual.
Uma das distinções mais perceptíveis entre o velho e o novo projeto está nas modalidades e formas de atividades. A aula expositiva, que no velho projeto é unicamente o lugar da “pedagogia do discurso” do professor, no novo projeto é também um espaço para o diálogo, para a proposição, a sistematização e a discussão de fazeres e de vivências dos alunos. Ouvir falar de ética, por exemplo, é muito menos eficaz do que exercitá-la, vivê-la em problemas reais ou dramatizados; a aula pode trazer a discussão de uma situação do noticiário, da própria vida escolar, ou mesmo de ficções literárias ou dramáticas. Tratando de abuso sexual, de manipulação gêmea, de guerra bacteriológica ou de corrupção pública, envolvendo conhecimento científico, sentimentos pessoais ou posicionamentos políticos; forma-se o cidadão ao fazer suas escolhas e julgamentos, não ao responder certo ou errado diante da escolha de outros.
Quanto ao convívio entre a escola e seu entorno humano e social, o novo projeto propõe a ação da escola, na condição de realizadora de diagnósticos sociais da comunidade que a circunda, levantando questões de saúde, de segurança, de transportes, podendo ainda manter uma rádio comunitária ou um jornal local, fazendo campanhas e oferecendo serviços. As atividades artísticas dos alunos, de teatro, vídeo, desenho, pintura, dança, música, devem ser tratadas como uma produção cultural a ser apresentada para a comunidade escolar e extra- escolar, em sessões e mostras coletivas anunciadas e prestigiadas. Em todas essas ações, a construção da cidadania ativa está na participação do aluno e na nova função do professor, orientador e supervisor das ações, não seu condutor.
Finalmente, o novo projeto muda também a gestão escolar. Para o velho, conduzir uma escola é uma tarefa solitária de sua diretoria e de seu pequeno corpo de auxiliares. Prover a escola de professores, equilibrar turmas, manter a disciplina, proteger o patrimônio e garantir a segurança já são tarefas tão absorventes que nem sempre sobra tempo para a direção da escola tratar das dimensões pedagógicas, em princípio as mais importantes.
Para o novo projeto, as responsabilidades são partilhadas com toda a comunidade, em cada aspecto da gestão. Um agente de segurança, por exemplo, pode coordenar a proteção da escola e de seus integrantes, assim como um agente de limpeza pode responder pela higiene geral da escola, mas a segurança e a limpeza são do interesse e da responsabilidade de todos os alunos e de todos os professores e isso deve acontecer explicitamente, com a atribuição de tarefas e de outros de plantão, por áreas ou setores, assim como o julgamento de uma atitude preconceituosa de um professor ou a conduta violenta de um grupo de alunos não são “questões para a diretoria”, mas para colegiados envolvendo alunos, como o conselho de escola.
Não há por que detalhar mais elementos desse exemplo idealizado de um novo Projeto Pedagógico. Até porque, quanto mais detalhes se ofereçam, mais características se explicitem, talvez mais dificilmente aplicável parecerá o projeto, para cada escola real, em sua particular situação. É natural que, para um olhar velho, o novo pareça ilusório e, como já foi dito, não se trata de uma receita, mas sim de elementos para repensar a escola. De toda forma, mais do que debater o sentido de realidade de uma certa proposição, é preciso conceber e colocar em prática uma efetiva revisão da escola, em suas circunstâncias, com suas possibilidades.


Projetos como alternativa de ensino e aprendizagem
Dos projetos individuais aos projetos de grupo e aos projetos das organizações; dos projetos profissionais aos projetos de formação; dos projetos de toda uma vida aos projetos mais prosaicos para umas férias ou um fim de semana – tudo se conjuga para que o projeto se tenha transformado num ritual que acreditamos ser capaz, por si só, de dar um sentido ao nosso destino.
João Barroso


PROJETOS E OUTRAS ATIVIDADES SIGNIFICATIVAS
Os projetos estão na moda atualmente. As demandas do mundo globalizado, da sociedade do conhecimento e da tecnologia combinam com a idéia de projeto, de projetar, de lançar para frente, de atingir um objetivo. Hoje em dia, na educação, essa concepção aparece em termos da proposta pedagógica, que é entendida como um projeto a ser desenvolvido continuamente e que se refere aos objetivos da escola e ao modo como serão concretizados. Outra idéia relacionada aos projetos na escola aparece também como uma alternativa de ensino e aprendizagem, como uma atividade privilegiada para se trabalhar de acordo com os princípios de interdisciplinaridade e contextualização. A idéia de se trabalhar por meio de projetos na escola é uma idéia antiga, que vem de Dewey e outros educadores, embora tenha surgido em outros momentos e em outros contextos. Quando falamos em projetos, estudo do meio, centro de interesse, trabalho por temas, pesquisa de campo, pedagogia de projetos, não significa que estamos falando da mesma coisa, embora essas atividades tenham como característica comum o esforço de envolver o aluno em sua aprendizagem, de trazer o mundo para dentro da escola ou de sair para o mundo a fim de aprender. O que é importante considerar ao elaborar um planejamento, considerando o que sabemos hoje sobre como se aprende e as demandas da sociedade sobre o aluno, é que as atividades devem ter significado e sentido para o aluno. A aprendizagem deve ser significativa, ele tem de saber o que está fazendo e por quê. Assim, zelar pela aprendizagem do aluno significa planejar condições para uma aprendizagem significativa, seja por meio de projetos, seja por meio de outras atividades.


A ALTERNATIVA DOS PROJETOS
O modelo de projetos relaciona-se com as concepções modernas de ensino e aprendizagem, com os princípios da reforma de contextualização e interdisciplinaridade e com as competências relativas ao aprender a aprender e a trabalhar solidariamente. Os projetos são uma atividade desenvolvida em equipe que tem como objetivo a compreensão de uma situação ou fato. O ponto de partida é uma situação problemática, trazida pelos alunos ou proposta pelo professor, cujo * Este capítulo foi escrito em co-autoria com Vera Grellet. GUIOMAR NAMO DE MELLO enfrentamento vai requerer a organização de atividades de aprendizagem que os alunos ajudam a planejar. O desenvolvimento do projeto e as aprendizagens construídas dependerão dos conhecimentos que os alunos possuem, das estratégias
que utilizarão para aprender e de sua disposição para a aprendizagem.
Outro fator importante é que o conhecimento é construído e existe em um intercâmbio entre as pessoas, isto é, o conhecimento está distribuído entre todos os membros do grupo. Do mesmo modo que os materiais, como os livros, os computadores e a internet, outras pessoas e os próprios alunos que fazem parte daquela comunidade de investigação também são recursos cognitivos para o projeto. Nesse sentido, o papel do professor é o de mediador e facilitador desse processo de aprendizagem e não de alguém que, por ter mais conhecimento, ensinará a matéria.
O processo de desenvolvimento de um projeto é singular e, por todas as características acima mencionadas, não deve ser encarado como um método a ser desenvolvido de uma única forma, do cumprimento de uma série de passos em seqüência e de regras inflexíveis. É o caso, então, de descrevermos não como deveria ser, mas como poderia ser um projeto de trabalho.


CARACTERÍSTICAS DO DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS
• Parte-se de uma situação ou de um tema-problema negociado com os alunos.
Inicia-se aqui o protagonismo do aluno ao poder escolher ou negociar aquilo que realmente tem interesse em conhecer. O seu envolvimento com as atividades será maior à medida que sabe o que está buscando e o que precisa fazer para conseguir. Por outro lado, a questão, por ser real e concreta, faz parte de um contexto e necessitará do auxílio de vários saberes e disciplinas para ser abordada.
• Inicia-se um processo de pesquisa ou um percurso de busca. A pesquisa é a busca do conhecimento, é a atividade de todo aquele que quer conhecer: o detetive, o médico, o cientista. A postura é a de que não existe uma versão única da realidade e de que as verdades não são eternas.
• O percurso é o trabalho de uma comunidade de investigação na qual se valoriza a cooperação e o professor é um orientador, e não um especialista. O trabalho pode ser individual, de subgrupos, mas o objetivo é comum. O percurso não é fixo, porém o projeto tem um fio condutor que auxilia o professor na sua atuação com os alunos. O papel do professor é o de orientar as ações e de criar condições para o desenvolvimento do projeto e das aprendizagens a ele associadas. Nesse sentido, ele também é um aprendiz e tem uma função no grupo.
• Discutem-se e selecionam-se estratégias de busca e diferentes fontes e tipos de informação: a pesquisa na diversidade de fontes (livros, periódicos, filmes, vídeos, internet, pessoas comuns, profissionais, especialistas, etc.) e de tipos de informação relacionados às diferentes linguagens. Não existe um só meio de buscar nem um só tipo de informação. A seleção e a organização da informação é uma competência a ser desenvolvida não só para a escola, mas também para a vida.
• Desenvolvem-se as atividades de busca planejadas, dividindo-se as tarefas entre o grupo. Esse também é um momento de aprendizagem quando se tem de rever planos e estratégias, problemas inesperados aparecem, outra questões surgem e novas decisões devem ser tomadas. É a realidade apresentando-se em toda a sua complexidade.
• Examinam-se e discutem-se as informações coletadas. Estabelecem-se critérios de ordenação e interpretação das informações, sistematizando-se os conhecimentos adquiridos.
• Representa-se o processo de elaboração do conhecimento. Retoma-se e avalia-se o que se aprendeu, o que não se conseguiu alcançar e como foi o percurso, tomando-se consciência dos processos de aprendizagem.
• Levantam-se outras questões ou relaciona-se com outros temas que podem constituir-se como novos projetos. Essa caracterização serve como orientação para o desenvolvimento de projetos e não deve ser seguida como etapas fixas. É importante garantir:
• o protagonismo do aluno durante todo o processo;
• a escolha de assuntos contextualizados;
• o tratamento interdisciplinar com o auxílio de diversos saberes, áreas ou disciplinas;
• o processo de trabalho em equipe no qual todos têm lugar e papel e no qual se aprende a conviver solidariamente;
• o papel do professor como mediador da cultura e facilitador da aprendizagem;
• a ênfase na avaliação como instrumento de reconstrução e tomada de consciência
do aprendido.


Compreensão do novo paradigma
Paradigma curricular fragmentado Paradigma curricular integrado
Continua
Princípios filosóficos
Conteúdo
Conhecimento
Currículo
Organização curricular
Sala de aula
Atividades
Professor
• Direito de ensinar.
• Um fim em si mesmo.
• Fragmentado por disciplinas.
• Ensino de regras, fatos, definições, acúmulo de informações desvinculadas da vida dos alunos.
• Caráter mais enciclopédico.
• Privilegia a memória e a padronização.
• Fracionado, estático e linear.
• Por disciplina.
• Espaço de transmissão e recepção do conhecimento.
• Rotineiras, que favorecem a padronização da resolução.
• Pesquisa = cópia.
• Mero transmissor do conhecimento.
• Determina o conteúdo a ser trabalhado sem levar em conta as necessidades que surgem em sala de aula.
• Direito de aprender.
• A estética da sensibilidade, a política da igualdade e a ética da identidade estarão presentes em todos os trabalhos.
• Um meio para desenvolver competências.
• Globalizado pelo trabalho interdisciplinar e pela contextualização.
• Privilegia a construção de conceitos e o entendimento.
• Teoria e prática aplicadas ao cotidiano do aluno.
• Ênfase na produção e na sistematização do sentido.
• Integrado, vivo e em rede, proporcionando a oportunidade de conhecer, fazer, relacionar,
aplicar e transformar.
• Por áreas do conhecimento.
• Por eixo organizador.
• Por tema gerador.
• Por conjunto de competências.
• Espaço privilegiado de reflexão, de situações de aprendizagem vivas e enriquecedoras.
• Centradas em projetos de trabalho e na resolução de problemas para desenvolver competências.
• Pesquisa = busca de informações em várias fontes para a resolução de uma determinada situação-problema com espontaneidade* e criatividade.
• Facilitador da aprendizagem do aluno.
• Facilitador da construção de sentidos.
• Gerenciador da informação.
• Reflexivo.
• Avalia e ressignifica sua prática pedagógica.
• Incentiva a estética da sensibilidade, zela pela política da igualdade e pela ética da identidade.
Obs.: Espontaneidade é uma resposta adequada a uma situação nova ou uma resposta nova adequada a uma situação antiga.


Compreendendo a escola
Conhecer o contexto da prática pedagógica da escola significa conhecer o público-alvo: para quem ensinamos, ou seja, nossa comunidade. Por isso, é fundamental obter informações seguras sobre ela, levando em conta a diversidade local. Esse é o primeiro passo do exercício da autonomia e da construção da identidade da escola. Na reflexão, precisamos ter em mente a estética da sensibilidade, a política da igualdade e a ética da identidade. O Exercício 1, descrito a seguir, serve para subsidiar a discussão e a elaboração do diagnóstico de ações possíveis para melhorar o trabalho escolar e promover a aprendizagem dos alunos.

Exercício 1
COMUNIDADE
a) É uma comunidade itinerante ou fixa?
b) Qual seu perfil socioeconômico e cultural?
c) O que sabemos sobre seus valores morais, religiosos, materiais e intelectuais?
d) Dados sobre nível de escolaridade, profissão, naturalidade (proveniência) dos pais. Condições de moradia, lazer, cultura, etc.
e) Seus pontos fortes (aspectos positivos e relevantes) e fracos (aspectos negativos – limites a serem ultrapassados).
f) Quais são as suas necessidades?
Linhas de ação: como usar o potencial, os pontos fortes e fracos dessa comunidade para promover a aprendizagem dos alunos?

ALUNO
a) Quais as conseqüências do perfil da comunidade nos alunos?
b) Como eles chegam à escola, que conhecimentos já possuem, que condições familiares e culturais podem facilitar ou dificultar seu relacionamento na escola e o seu desempenho escolar?
Linhas de ação: como usar as oportunidades oferecidas pelas características dos alunos e como trabalhar os problemas que eles trazem, conjugando todos os esforços para promover a aprendizagem?

A ESCOLA E A COMUNIDADE
a) Como se relacionam e em que aspectos pode ser promovida a interação entre escola e comunidade?

Compreensão do novo paradigma (continuação)
Paradigma curricular fragmentado Paradigma curricular integrado
• Passivo, receptáculo do conhecimento descontextualizado.
• Não sabe por que nem para que estuda determinados conteúdos.
• Classificatória e excludente.
• Gera dados que possibilitam apenas avaliar a capacidade do aluno de reter informações.
• Um fim em si mesmo.
• Atividades previsíveis e padronizadas.
• Ativo e participativo na construção do seu conhecimento.
• Formativa e diagnóstica do ensino e da aprendizagem.
• Aponta dificuldades e possibilita a intervenção pedagógica.
• Gera dados que possibilitam avaliar o desenvolvimento das competências.
• Um entre vários recursos didáticos (jornais, revistas, vídeos, computador, CD-ROM). • Quais valores têm presidido os fins educativos desta escola?

PERFIL DO CIDADÃO
• O perfil do cidadão para o qual a escola vem trabalhando ao longo dos últimos nos está em coerência com os princípios e as recomendações das normas nacionais?
• Qual perfil de cidadania e de trabalho corresponderia às expectativas e necessidades dos alunos desta escola?

APRENDIZAGEM
• Quais os objetivos de aprendizagem que vêm sendo perseguidos?
• De que maneira são desenvolvidos esses objetivos de aprendizagem?

CONTEÚDOS
• Os conteúdos trabalhados estão claramente relacionados aos objetivos de aprendizagem?
• Os conteúdos conduzem ao desenvolvimento e à aquisição de competências básicas para inserir nosso aluno no mundo do trabalho, continuar estudos futuros e continuar aprendendo ao longo da vida, tal como prevê a LDB?


METODOLOGIA
• As metodologias utilizadas têm sido as mais adequadas para atingir esses objetivos?
• As metodologias utilizadas conduzem ao desenvolvimento e à aquisição de competências básicas para inserir nosso aluno no mundo do trabalho, continuar estudos futuros e continuar aprendendo ao longo da vida, tal como prevê a LDB?


RECURSOS DIDÁTICOS
• Quais e em que situações são utilizados os recursos didáticos?
b) Como isso se concretizará efetivamente:
• na ação da escola como um todo, direção, coordenação, orientação e secretaria?
• na ação do professor em sala de aula (relacionamento professor/aluno, professor/pais, professor/pais e alunos)?
• na contextualização dos conteúdos selecionados e nas competências a serem desenvolvidas?

Linhas de ação: como fazer a integração entre escola e comunidade para reforçar a aprendizagem dos alunos?
Compreendendo a prática Refletir sobre o que ensinamos, como ensinamos e por que ensinamos significa analisar e situar a nossa prática pedagógica. Uma reflexão sincera ajudará a encontrar o ponto certo dos ajustes necessários e a determinar o quanto precisamos mudar.
O Exercício 2 foi organizado para auxiliar a reflexão e as proposições sobre a prática
atual da escola.

Exercício 2
CONSIDERE
• o novo paradigma curricular instituído pela LDB e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental e médio naquilo que ele propõe quanto a competências e forma de tratamento do conteúdo curricular;
• o diagnóstico da escola (comunidade, alunos e relações entre escola e comunidade).


ANALISE, DISCUTA, CRITIQUE A MISSÃO DA ESCOLA
• A missão da escola está em coerência com a LDB? Por quem ela foi definida?
• Todos conhecem essa missão e concordam com ela?
• O padrão de qualidade do ensino e das aprendizagens dos alunos corresponde
• Os recursos didáticos utilizados são os mais adequados para alcançar esses objetivos?
• Qual é o papel do livro didático e dos outros recursos pedagógicos no desenvolvimento do conteúdo?


ORGANIZAÇÃO CURRICULAR
• A organização curricular expressa esses objetivos?
• Essa organização conduz ao desenvolvimento e à aquisição de competências básicas para inserir nosso aluno no mundo do trabalho, continuar estudos futuros e continuar parendendo ao longo da vida, tal como prevê a LDB?


AVALIAÇÃO
• Qual o conceito de avaliação: processual ou final? O que é avaliado, como
se avalia e como são usados os resultados?
• Como está o nível de aprendizagem dos alunos? Quais os indicadores de desempenho da avaliação interna e o que revelam?
• Qual o desempenho dos alunos na avaliação externa do SAEB?
• Qual o desempenho de nossos alunos nas questões que se referem a competências e habilidades (ler, interpretar, argumentar, resolver problemas, ler gráficos, interpretar dados, relacionar informações, e outras competências relacionadas nas matrizes curriculares do SAEB)?


CONCLUA
• O que fazemos que está dando certo e não queremos mudar?
• O que fazemos que está dando certo, mas precisamos melhorar e adequar?
• O que fazemos que não está dando certo e não queremos repetir?

Compreendendo a organização e as formas de convivência
A forma como nos organizamos e nos relacionamos contempla a estética da sensibilidade, a política da igualdade e a ética da identidade?
Para refletir sobre esses valores, sugerimos o Exercício 3.

Exercício 3
Uma análise realista da gestão do tempo, do espaço e dos recursos, considerando a sensibilidade, a igualdade e a identidade.


GESTÃO DO TEMPO
• O horário de funcionamento da escola atende aos interesses da aprendizagem ou a outros interesses que escondem seus verdadeiros portadores (horários de professores, de diretores ou outros)? Quando atendem aos interesses de aprendizagem, favorecem a todos indistintamente ou apenas a grupos de alunos, como os do diurno, os de aprendizagem rápida, os que têm materiais e livros em casa?
• A organização das classes por períodos está adequada para promover a aprendizagem, ou a aprendizagem deve submeter-se a outros interesses de horário que não os dos alunos?
• Idem para os horários/série; o horário/ série do período noturno considerando o aluno trabalhador.
• Qual a influência do horário escolar sobre o trabalho comum dos professores e outros aspectos que favorecem a integração disciplinar?


GESTÃO DO ESPAÇO
• A gestão da escola favorece o uso comum e democrático do espaço físico, dos recursos, dos equipamentos, dos materiais, da biblioteca e de outros insumos da aprendizagem?
• As instalações físicas e o mobiliário da escola são acolhedores, limpos e adequados para criar um ambiente propício à aprendizagem?


GESTÃO DOS RECURSOS
• A gestão dos recursos financeiros é eficiente, transparente e democrática?
• Há desperdício ou mau uso dos recursos de qualquer tipo, considerando que, na escola, todo recurso que não contribua direta ou indiretamente para promover a aprendizagem dos alunos pode em princípio ser considerado um desperdício?
• A organização das atividades favorece o trabalho em grupo de professores, de alunos e de professores com seus alunos, tais como o desenvolvimento de projetos interdisciplinares, a ida aos laboratórios, à biblioteca, a utilização da sala de vídeo, a utilização dos computadores, do pátio da escola, da quadra de esportes, etc.?


FORMAS DE CONVIVÊNCIA. UMA ANÁLISE DAS FORMAS DE CONVIVÊNCIA CONSIDERANDO A SENSIBILIDADE, A IGUALDADE E A IDENTIDADE
• A informação atualizada circula democraticamente e ajuda a manter uma convivência produtiva e solidária?
• Estamos trabalhando as diferenças de gênero, cor, religião, condições especiais de aprendizagem, etnia, códigos culturais, para promover o respeito e o acolhimento da diversidade e para aproveitar a diversidade como motivação de aprendizagem?
• Acolhemos e respeitamos os anseios e as expectativas de nossos alunos, pais, professores e funcionários? Criticamos esses anseios e essas expectativas à luz dos princípios da LDB e das normas curriculares nacionais?
• Respeitamos as diferentes manifestações culturais?
• Incentivamos a expressão de idéias, de manifestações artísticas, a troca de experiências e de opiniões, a participação da comunidade nas decisões da escola, a dos alunos na sua própria avaliação?
• Promovemos em nossos alunos o protagonismo infantil e juvenil, incentivamos os grêmios e outras formas de associação e mobilização?


ORIENTAÇÕES PARA O TERCEIRO MOMENTO: O PLANEJAMENTO EM AÇÃO
Esta é a etapa mais importante da proposta pedagógica. Nela se realizarão, por meio de ações, todas as possibilidades de solução dos problemas levantados no diagnóstico. Delimita-se a escola real e a arquitetura da escola desejada. Preparam-se as bases para que o sonho torne-se realidade. O sonho coletivo de uma escola singular que seja o reflexo de nossas intenções e ações. Nessa fase, concretiza-se a autonomia da escola e inicia-se o processo de construção da identidade da escola passo a passo. Torna-se importante, pois, relacionar ações específicas possíveis de serem executadas para cada problema diagnosticado, explicitando como, quando e por quem cada uma das ações será realizada.
As tarefas sugeridas a seguir procuram dar conta de tudo o que deve ser feito para formular a proposta pedagógica. Elas devem ser discutidas coletivamente e adaptadas à realidade de cada escola e ao momento que essa escola vive no processo de discutir sua prática e propor soluções para seus problemas.
Os fins educativos
• identidade e missão da escola;
• perfil de cidadania que se valoriza;
• padrão de qualidade de ensino e aprendizagem que a escola quer alcançar.
Competências que traduzem o perfil de cidadania
• por idade, faixa etária, série, ciclo, módulo ou qualquer outro critério de organização seqüencial do conteúdo no tempo;
• por disciplina, área de conhecimento, projeto ou atividade interdisciplinar ou qualquer outra forma de organização das relações entre conteúdos curriculares, alunos e professores.

Tópicos sobre os quais é imprescindível decidir
a) A relevância dos conhecimentos selecionados para a vida real dos alunos na sua comunidade, na sociedade brasileira e no mundo contemporâneo em uma dimensão planetária.
b) Os contextos mais significativos em que as competências valorizadas pela escola comparecem na vida real, sua relevância e seu significado, considerando as necessidades atuais e futuras dos alunos de aprender a aprender, a conviver, a fazer e a ser no mundo contemporâneo.
c) A relação das competências e dos conhecimentos selecionados pela escola, as Diretrizes Curriculares Nacionais e os Parâmetros ou Referenciais Curriculares recomendados pelo MEC.
d) As regras, os procedimentos, os critérios relativos ao uso e à manutenção do espaço, do tempo e dos recursos financeiros e didáticos, que vão permitir a realização na prática:
• da interdisciplinaridade e da contextualização;
• da organização seqüencial do conteúdo no tempo escolhida pela escola (séries, ciclos, módulos ou outros critérios listados pela Deliberação no 14/99 do CEE do Paraná);
• da organização do conteúdo escolhido pela escola (disciplinas, áreas de conhecimento, temas geradores, projetos de trabalho, entre outros citados na referida Deliberação);
• do padrão de qualidade de ensino e aprendizagem definido pela escola.

A organização do ensino e da sala de aula para desenvolver competências Tópicos sobre os quais é imprescindível decidir
a) As metodologias a serem utilizadas, considerando as competências envolvidas, as opções de conteúdo e os recursos pedagógicos disponíveis (projetos de estudo e aplicação, trabalho individual ou em grupo, estudos do meio, seqüência de atividades, pesquisas ou levantamentos, elaboração de textos, entre muitas outras).
b) Critérios de organização social da sala de aula e tipos de agrupamento.
c) Organização dos tempos e espaços na gestão da sala de aula.
d) Escolha e tipo de uso do livro didático.
e) Melhorias ou mudanças necessárias nas instalações físicas e no mobiliário da escola para garantir um ambiente agradável e acolhedor, propício à aprendizagem.

O conceito de avaliação consensuado pela escola
• Avaliação por competência: o desempenho do aluno.
• Avaliação do trabalho escolar: conteúdos selecionados, metodologias e recursos didáticos.
• Avaliação da equipe escolar: desempenho e produtividade de diretores, professores, especialistas funcionários.
• Avaliação do trabalho de apoio à escola: efetividade e eqüidade das políticas
públicas.
Tópicos sobre os quais é imprescindível decidir
a) A identificação do que e como avaliar.
b) Os indicadores de aprendizagem consensuados.
c) O uso dos resultados da avaliação para reformular e aperfeiçoar o ensino.
d) As formas e os procedimentos de comunicação dos resultados da avaliação aos alunos, aos pais, à comunidade às instâncias centrais de gestão educacional.
e) Os critérios de promoção consensuados.
f) Os procedimentos para considerar e respeitar a diversidade sem perder de vista a identidade e a missão da escola.
g) O encaminhamento a ser dado às dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos alunos e as ações concretas previstas para ajudá-los a superar essas dificuldades.
h) Os procedimentos de recuperação, aceleração, acompanhamento individual, monitoria, encaminhamento dos alunos com dificuldades de aprendizagem.
i) A elaboração de um plano de avaliação interna do trabalho da escola.
j) A elaboração de um plano de acompanhamento da proposta pedagógica e informação à comunidade sobre o que foi proposto e o que está sendo implementado.

A construção da cultura profissional
Delimitar o papel profissional dos atores da escola, saber seus limites,suas possibilidades e o que se espera de cada um deles é fundamental para o bom desenvolvimento do trabalho em equipe, para a boa comunicação e para o próprio desempenho profissional. Assim, explicitam-se as responsabilidades e diminuem as resistências às mudanças.
Tópicos sobre os quais é imprescindível decidir
a) O papel e a responsabilidade de cada ator da comunidade escolar: diretor, professor, outros especialistas em educação, alunos, funcionários e familiares.
b) A compatibilização do papel e das responsabilidades de cada ator da comunidade escolar com as expectativas dos demais.
c) As regras de prestação de contas, circulação da informação, comunicação entre pessoas, que garantirão a transparência do trabalho escolar e das decisões tomadas/implementadas.
d) As instâncias de solução de conflitos e temas controversos.
e) O papel e a responsabilidade do Conselho de Escola, da Associação de Pais e Mestres, das Unidades Gestoras, das entidades estudantis e das demais entidades existentes no âmbito da escola.


Os planos e as estratégias de educação continuada
Tópicos sobre os quais é imprescindível tomar decisões
a) Diagnóstico e avaliação do que os professores, como profissionais, conhecem do conteúdo que devem ensinar.
b) Diagnóstico e avaliação sobre o que os professores, como cidadãos, conhecem dos conteúdos que seus colegas devem ensinar.
c) Identificação do que a equipe docente e demais membros da equipe escolar precisam aprender a conhecer e a fazer para promover aprendizagens de qualidade pelos alunos.
d) Elaboração de um plano de educação continuada a partir das conclusões obtidas nos itens anteriores, com as estratégias desejadas e possíveis: dentro da escola, fora da escola, por disciplinas ou projetos, por série envolvendo todas as disciplinas entre outras.
e) Identificação e priorização das necessidades de assistência técnica e dos recursos financeiros e humanos que permitirão satisfazê-las.
f) Definição de procedimento de levantamento de recursos e estabelecimento de parcerias.
g) Definição de materiais que podem dar apoio à educação continuada: livros, vídeos, revistas, artigos, sites na internet, etc.
h) Definição de horários, freqüência e responsabilidades de coordenação das ações de educação continuada.


Gestão da infra-estrutura física
Tópicos sobre os quais é imprescindível decidir
a) Melhorias e mudanças que serão necessárias para assegurar um ambiente propício à aprendizagem.
b) Responsabilidades e formas de prestação de contas dos diferentes atores da comunidade escolar quanto a conservação, limpeza, manutenção e zelo das instalações físicas e do mobiliário.


Gestão dos recursos financeiros
Tópicos sobre os quais é imprescindível decidir
a) Como compatibilizar prioridades de objetivos e projetos desejados com os recursos disponíveis.
b) Propostas para levantar recursos financeiros.
c) Mecanismos de controle e prestação de contas que garantam a gestão idônea dos recursos, incluindo entre esses mecanismos aqueles que envolvem a participação dos pais e da comunidade.
d) Identificação de quanto custa um aluno da escola, levando em conta instalações físicas, manutenção e merenda, material de limpeza e consumo, folha de salários, benefícios e aposentadorias, recursos didáticos e equipamentos, verbas recebidas diretamente pela escola das instâncias federais, estaduais e municipais.
e) Informação à comunidade e às famílias sobre os custos e a relação entre custos e benefícios que a escola propicia.

Dar ao cotidiano na sala de aula o mesmo tratamento disciplinar que temos dado ou devemos dar ao ensino e à aprendizagem de línguas, matemática, ciências e artes pode ser um caminho para a boa realização da escola para todos. Para isso, é necessário desenvolvermos competências e habilidades relacionadas às categorias e aos modos de ser do real em sua expressão diária. Para isso, é necessário desenvolvermos competências e habilidades relacionadas às categorias e aos modos de ser do real em sua expressão diária. Por essa razão, pretendemos neste artigo refletir sobre a importância do desenvolvimento de um conjunto de habilidades
sobre três pares fundamentais para uma vida cotidiana escolar bem-sucedida: espaço e tempo, objetos e tarefas, bem como nós mesmos e as outras pessoas.
No espaço e no tempo, estão os objetos com os quais realizamos as tarefas escolares e o meio onde convivemos e vivemos, quaisquer que sejam as formas e os sentidos dessas realizações. Para lidar bem com o espaço, temos que desenvolver habilidades, ou seja, coordenar nossas ações de modo significativo e funcionalmente
bem-sucedido. Tais ações podem ser as seguintes: guardar, encontrar, devolver, dispor, localizar, esquecer. Onde guardar os objetos (coisas, pensamentos, palavras, desenhos, sentimentos)? Como se organizar no espaço dos cadernos, das carteiras, das mochilas, de nosso corpo e pensamento, de nossa sala de aula ou escola? Onde encontrá-los e devolvê-los depois de usados? Como e por que dispor o espaço de distintas maneiras, direções ou sentidos? Como tratá-lo como “caixas” pequenas ou grandes que contêm os objetos e, ao mesmo tempo, como campo aberto, livre, reversível, infinito e disponível para todas as possibilidades? Como “esquecer” o que
está fora do espaço durante um certo acontecimento e ocupar-se, de modo concentrado e paciente, com aquilo que interessa no momento? Como tratar o espaço como o que está entre as coisas e, portanto, como um vazio que as separa e as localiza dentro, fora, perto, distante, em cima, embaixo? Para lidar bem com o tempo, temos que desenvolver habilidades, hoje mais do que nunca fundamentais:
agendar, estimar, antecipar, selecionar ou dar prioridade, lembrar. As ações graças às quais realizamos tarefas duram um tempo e sucedem-se em uma certa ordem,
isto é, compõem narrativas. Porém, para sermos bem sucedidos nesses acontecimentos, temos que reservar, dispor, organizar um tempo para eles. Tempo que necessita ser calculado, querido. Se o espaço é reversível, se nele podemos ir e vir de muitos modos, o tempo é irreversível, expressa um fluxo contínuo, sem volta ou devolução. Como decidir e antecipar coisas que valem a pena? Como não desperdiçar o tempo? Como se organizar e se relacionar com o tempo das máquinas, da cidade, das tarefas com prazo marcado? Se o tempo não volta, como selecionar ou dar prioridade ao que merece ser feito? Como não esquecer, isto é, lembrar, atualizar as coisas que foram feitas ou que devem ser feitas? Como se organizar, respeitando a presença eterna e contínua do tempo, mas dividindo-o como se pudesse ser tratado em termos de hoje, amanhã ou ontem? Como usar o tempo das máquinas (do relógio, por exemplo) ou da natureza para regular nossas ações? Como realizar a vida como projetos, produtos ou bens que, por querermos
depois, definem e organizam nosso aqui e agora?
As habilidades relacionadas ao espaço e ao tempo, antes mencionadas, complementam-se indissociavelmente com as habilidades que se referem às tarefas ou às ações que realizamos com objetos. Livro, caderno, lápis, quadro-negro, giz, computador, vídeo, calculadora, jogos, pincel, tinta, bola, mochila, banheiro, cadeira, mesa, sala, pátio são objetos escolares. Com eles praticamos a leitura, a escrita, o desenho, as contas, a pintura, a música, o esporte, lavamos as mãos, bebemos, urinamos, brigamos, rimos, vivemos nossa vida, aprendemos na escola, convivemos com nossos colegas e nos relacionamos com nossos professores. Os objetos são as tecnologias desenvolvidas pela ciência e oferecidas pelas empresas ao mercado educacional. Cuidar, preservar, classificar, recuperar, escolher, utilizar, limpar, abrir, fechar, guardar são habilidades fundamentais, pois presidem as relações entre objetos, tarefas e pessoas. Depois de usados, tornados obsoletos ou insuficientes, o que fazemos com esses objetos? Temos sido pouco reflexivos e irresponsáveis com os recursos e os objetos escolares. Não vemos sentido nas tarefas escolares que realizamos por seu intermédio. A atitude do professor para com os objetos escolares
é fundamental, pois ele é uma referência para os alunos. Como ser cuidadoso, habilidoso e gentil com os objetos escolares? Não basta poder usar os objetos ou recursos pedagógicos, é necessário querer e saber usá-los bem. Como reivindicar objetos de melhor qualidade e em quantidade suficiente para a realização das tarefas? Os objetos escolares são alguns dos meios ou recursos que utilizamos para realizar as tarefas. O que são as tarefas escolares? Como restituir seu sentido? Como desenvolver habilidades para a boa realização de uma tarefa? Pensamos que algumas dessas habilidades são as seguintes: valorizar, ser responsável, planejar, definir, desenvolver estratégias ou esquemas de procedimento para sua boa realização, envolver-se, comprometer-se, tornasse autônomo, compreender sua razão. Hoje, o grande desafio no cotidiano da sala de aula é saber propor tarefas significativas, desafiadoras, realizáveis. Tarefas nas quais a superação dos obstáculos implica aprendizagem diferenciada e avaliação formativa. Tarefas que requerem observação, regulação, e que desenvolvem sentimento de domínio e participação. Tarefas compartilhadas, coletivas e, ao mesmo tempo, singulares e diversificadas. Tarefas que comunicam sentido e expressam interesses comuns, que solicitam tomadas de decisão e argumentação em favor de sua proposição e realização. Tarefas que colocam situações-problema, cuja execução exala sabor e saber. Tarefas que valem a pena. Para concluir, falta-nos algum comentário sobre o último par que dá sentido ao cotidiano escolar. Ele se refere ao relacionamento que, no dia-a-dia, mantemos com nós mesmos e com as outras pessoas. Como são as relações no miúdo de cada gesto entre crianças, professores e alunos ou colegas? O que elas promovem ou dificultam em nossas relações com os aspectos já mencionados? Como respeitar e possibilitar que alunos e professores possam ter voz, dizer e assumir suas hipóteses, seus pensamentos e seus sentimentos? Como recuperar nossa auto-estima, a importância sociocultural de nossa profissão e conquistar melhores condições de trabalho? Todas as crianças agora podem e devem estudar na escola. Mas isso só terá sentido se elas desejarem aprender, se não forem indiferentes ou negativas com as pessoas de sua classe. Indisciplina, dispersão e preguiça perturbam a realização de tarefas escolares. Inconveniência,
desrespeito e maledicência perturbam as relações com as pessoas. Como nos tornarmos mais convenientes e cuidadosos? Como cultivarmos virtudes que nos tornam dignos de nós mesmos e das outras pessoas? Respeitar, compartilhar, cooperar, reconhecer, conviver e cuidar são habilidades fundamentais. São elas que qualificam e dão sentido ao nosso cotidiano relacional. Hoje, na escola é onde passamos muitos anos de nossa vida, onde passamos uma parte importante de nosso dia. As pessoas de nossa escola, além das pessoas de nossa família, de nosso bairro ou trabalho, são talvez as mais significativas de nossa vida. É o pequeno e aparentemente insignificante de cada gesto, palavra ou sentimento que tece as bases para uma relação mais amorosa ou odiosa. Como o professor organiza e favorece diferentes relações em sala de aula? Como distribui as crianças em uma atividade de Se o tempo não volta, como selecionar ou dar prioridade ao que merece ser feito? Como faz suas intervenções? Como olha, vê, sente e fala com cada criança? Como coordena valores e regras que disciplinam a vida em comum? Como lida com problemas de relacionamento?
Voltemos às considerações iniciais de nosso texto. São muitas as queixas que professores e alunos fazem de sua vida na escola. Muitos estão insatisfeitos, apesar de reconhecerem sua importância para nossa formação. Nossa hipótese é de que um dos caminhos para a superação disso é desenvolvermos competências e habilidades relacionadas ao cotidiano escolar. Acreditamos que, se tratarmos o dia-a-dia dessa instituição com a mesma seriedade e com o mesmo rigor com que investimos no aprendizado das matérias escolares; se soubermos coordenar o ensino dos conteúdos das disciplinas com o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas à vida cotidiana, então, quem sabe, nosso trabalho ganhará mais sentido.
Imaginemos, para terminar, uma situação tão comum hoje na escola e duas atitudes frente a ela. Um professor prepara uma aula, mas só consegue trabalhar metade da matéria, pois a outra parte do tempo foi gasta tentando obter a atenção dos alunos, resolvendo problemas relacionais, organizando coisas, explicando assuntos não vinculados ao tema, esperando as crianças voltarem do banheiro ou encontrarem os materiais ou os recursos para realizar as tarefas propostas. Podemos reagir a essa situação, no mínimo, de dois modos. De um lado, com um sentimento de fracasso, de crítica às crianças e às suas famílias, de desinteresse e desgosto pela profissão escolhida, de desânimo pela violência social, de indisciplina e inconveniência das pessoas, de desestímulo pela insuficiência e pela obsolescência dos recursos pedagógicos disponíveis, de crítica negativa às novas políticas educacionais.
Em uma palavra, nessa perspectiva, o professor sente que só pôde dar meia aula e que gastou ou desperdiçou metade de seu tempo fazendo coisas desagradáveis, sem sentido, que lhe impedem de trabalhar e que frustram suas expectativas. De outro lado, o professor pode supor que nessa aula trabalhou dois temas fundamentais para a promoção do desenvolvimento de seus alunos. Um desses temas refere-se à orientação de estudos, ao planejamento das atividades, à discussão sobre atitudes, valores e normas de convivência em sala de aula, à melhor utilização do espaço e do tempo, ao cuidado e à habilidade no uso dos recursos e das tecnologias. O outro tema refere-se ao ensino e à aprendizagem dos aspectos estudados. Nesse segundo caso, a aula inteira foi gasta trabalhando-se dois conteúdos fundamentais e indissociáveis. Como ajudar os alunos a lidarem melhor com as categorias e os modos de realização de seu cotidiano? Como sair da queixa, do desânimo, e atribuir aos temas, objeto de reflexão deste texto, o mesmo estatuto
das matérias disciplinares? O que estudar e discutir sobre esses temas? Como observar melhor nossas próprias dificuldades, preconceitos e insuficiências em relação a eles? Como aprender e compartilhar com nossos colegas estratégias – melhores ou diferentes – de enfrentamento desses problemas? Como convencer nossos alunos de que há formas melhores e mais saudáveis de vida? Como rever padrões, assumir nossos erros e nossas limitações? Como realizar e compartilhar projetos que valem a pena? Como construir sentido para nossa vida e aceitá-la em sua complexidade e precariedade?
Lino de Macedo é professor titular de Psicologia do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da USP.
E-mail: limacedo@uol.com.br
Como construir sentido para nossa vida e aceitá-la em sua complexidade e precariedade?
A vida social, só para ficarmos em um dos ensinamentos de Marcel Mauss, depende
de um eterno fluxo transitivo entre o dar, o receber e o retribuir. Do ponto de vista biológico, a gestação feminina depende, por causalidade, de uma parte (o espermatozóide) que só se encontra no sexo masculino. A mútua dependência ou a interdependência que nos caracteriza (apesar de nós) não se verifica como necessária nos seres “imortais”. O cristal, por exemplo, é um minério que pode sustentar – “para sempre” — sua condição sólida, como um tipo de vidro que só se parte ou se transforma por atuação de agentes externos a ele (dentre os quais o ser
humano e todos os seus interesses).
O que isso tem a ver com escolha? Se uma parte de nós está fora e se queremos nos manter como um todo, é necessário (em uma condição mínima ou máxima) que escolhas sejam feitas (quaisquer que sejam seus modos ou motivos de expressão). O que escolher? Como escolher? Por que escolher isso ou aquilo? A qualidade ou razão de uma escolha — consciente ou inconsciente — define, por antecipação, o que será, para melhor ou pior, de nossa vida ou da vida do grupo a que pertencemos. Não por acaso, aprender ou poder fazer escolhas com liberdade é um
dos direitos mais requeridos pelos seres humanos. Sofrimento, doença, morte, injustiça ou restrição de qualquer ordem, nesse sentido, são manifestações de um sentimento de que nossas possibilidades de escolha tornaram-se negadas ou cerceadas. Contudo, ter de ou poder escolher é assumir riscos, é tornar-se responsável por nossas escolhas e suas conseqüências. E se os outros escolhem por nós, inscrevem-se em nós seus interesses, hábitos ou valores dá no mesmo, pois isso agora é parte de nós e requer de nós novas formas de compreensão ou realização daquilo que nos tornamos por suas escolhas. Por que escolhas diárias? Uma razão particular para isso é que escolhas são sempre feitas (mesmo que não tenhamos consciência delas). A cada respiração, por exemplo, nosso modo de fazê-la determina um tipo de conseqüência. A cada vez que olhamos Ilustração: Tatiana Sperhacke/foto original: © iStockphoto.com/Mikhail Lavrenov
Desenvolver a inteligência significa saber, poder e querer exercitá-la infinitas vezes no contexto das experiências de nosso cotidiano e dos contextos genéticos e socioculturais que as possibilitam m 1997, a Pátio publicou um número sobre inteligência. Tive a oportunidade de escrever o artigo Inteligência: todos podem aprender.
Relendo-o agora, já que a Pátio, em seu décimo ano, acertadamente decidiu voltar ao tema, gostei da ênfase dada à inteligência como abertura para todos os possíveis. Sobre isso, nada me ocorre para acrescentar ou corrigir. De fato, se entendermos ou praticarmos a inteligência em suas infinitas formas de ser ou de se tornar, então, quem sabe, nossa vida, por mais que limitada ou difícil, haverá de encontrar ou criar um outro jeito de realizar ou compreender os desafios e a ventura de sua existência. Naquela época, no entanto, só me ocorreu comentar sobre um dos lados da questão. Busco completar minhas idéias agora analisando o tema como
necessário (e não só possível), ou seja, aquilo que não pode não ser em um sistema, aquilo que deve ser, seja por razões de coerência, antecipação, conseqüência ou causalidade. Em síntese, somos todos inteligentes (porque devemos sê-lo em algum nível), todos temos de ser inteligentes. Mas o que é inteligência? Como compreendê-la em seu modo necessário?
Por que será sempre um tema fundamental, sobretudo para nós, pais e educadores, comprometidos com o favorecimento das melhores condições para o desenvolvimento da inteligência de nossos filhos ou alunos? Voltar ao tema neste ano é, por isso, mais do que uma feliz coincidência com o aniversário da Pátio; é algo necessário para todos nós que vivemos no Brasil. Por que temos de fazer escolhas diárias? Uma razão geral para isso é a nossa própria condição de ser vivo. Somos (incluindo-se aí os vegetais e todos os outros animais) — para continuar vivos — seres de complementaridade ou interação: uma parte de nós, porque nos complementa como todo, está sempre fora de nós (nos outros, na natureza, nas coisas). O oxigênio de que precisamos depende, em nosso caso, da respiração de um ar que o contenha. Ele é um legado das estrelas que, ao explodirem, espargem pelo universo suas cinzas, das quais um de seus ele para uma pessoa ou coisa, a maneira como o fazemos implica um modo de agir ou reagir do outro ou de nós mesmos. Inteligência, então, é uma função que caracteriza nossa condição geral ou particular de, como seres vivos, fazermos escolhas que a determinem ou possibilitem
sua conservação e, mais que isso, sua transformação. A inteligência dos seres humanos, ainda que mantendo a mesma função, se expressa por estruturas que são próprias a eles e que variam, como extensão, realização e compreensão, segundo diferentes formas. Para Piaget, por exemplo, essas formas são ordenáveis em estádios qualitativamente diferentes (sensório-motor, simbólico pré-operatório, operatório concreto e formal ou hipotético-dedutivo).
Outros autores quantificam, por meio de testes, as formas e as variedades de inteligência e a imaginam como algo predeterminado e insensível à experiência. Outros ainda pensam a inteligência como um outro nome para nossa necessidade e possibilidade de aprender, sujeitas às contingências que determinam nossas experiências, cujo contexto favorece ou perturba seu desenvolvimento em uma direção ou em outra.
Agir em função das escolhas que fazemos ou reagir às escolhas que são feitas por nós supõe coordenar pontos de vista. Este é o segundo aspecto que quero enfatizar. Ou seja, ser ou tornar-se inteligente implica fazer escolhas e, por extensão, coordenar perspectivas. Escolher, como já lembrei, é assumir riscos, é ganhar algo e, por isso, perder ou se afastar daquilo que se lhe opõe. É impossível ser diferente. Quem escolhe perde, ao menos por ora, aquilo que está fora, no espaço e no tempo, dos limites de sua escolha. Não podemos ler ou assimilar tudo o que está escrito em um texto, porque ele permite diferentes interpretações, porque jamais podemos dominar todas as significações que seu autor quis lhe dar (até porque ele mesmo não tem consciência ou interesse em todas elas), porque ler é destacar partes de um texto e reorganizá-las em função de nosso objetivo ou possibilidades de leitura. Mais que isso, quem escolhe tem, como conseqüência, o problema de se reorganizar — como parte ou como todo — em função daquilo que agora é seu, em função do que foi escolhido.
Coordenar pontos de vista significa o trabalho de nossa inteligência em regular, transformar, modificar-se face ao que escolhemos ou ao que as circunstâncias de nossa vida e os outros escolhem por e para nós. Escolher, nesse sentido, é tornar-se responsável. É considerar as conseqüências daquilo que fazemos ou pensamos. É admitir que somos mobilizados, que mobilizamos e que colocamos em movimento upo? osso ambiente escolar,
muitas coisas em função de nossas escolhas, mesmo que não saibamos ou que não tenhamos consciência disso.