sábado, 26 de dezembro de 2009

CURRÍCULO OCULTO
Como agir em relação aos conteúdos que são ensinados e aprendidos de forma não explícita na escola


CATARINA IAVELBERG “As ações serão eficazes quando contribuírem para melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem.” Foto: Marina Piedade
A orientação educacional tem o compromisso de auxiliar a escola em sua função socializadora, criando ou reformulando ações pedagógico-educacionais e favorecendo a articulação de valores que resultem em atitudes éticas no âmbito do convívio social. Ainda que a instituição não conte com um cargo específico para essa função, suas atribuições precisam ser realizadas no dia-a-dia. Como esse campo se ocupa em desenvolver estratégias para a aprendizagem dos conteúdos atitudinais, um dos papéis mais importantes do orientador é gerenciar o currículo oculto. A maior parte dos problemas tradicionalmente enviados para a sala dele (exclusão de sala de aula, furto, briga, bullying, mau uso dos espaços coletivos, cola em provas, plágio de trabalho atitude de desrespeito ao professor) está vinculada a esses “conteúdos” que são ensinados e aprendidos de forma não explícita nas relações interpessoais que se constroem na escola. Trata-se de um equívoco acreditar que esse educador deva se ocupar exclusivamente dos alunos (em especial os tidos como indisciplinados e os que têm baixo rendimento) e de suas famílias. Infelizmente, ainda existem escolas que trabalham nessa perspectiva antiquada e “psicologizante”, que posiciona o orientador educacional como alguém destinado a abafar (e não resolver) os conf litos na base da mediação com estudantes, pais e professores. Esse modo de atuar, eticamente ineficaz, faz com que esse profissional muitas vezes se sinta como um bombeiro, que todos os dias apaga incêndios e deixa brasas pelo caminho. Fechado numa sala geralmente distante dos espaços onde o currículo oculto se manifesta, ele acaba brincando de investigador de polícia, juiz ou psicólogo clínico. Alguns ficam constrangidos por terem de atuar assim. Mas há os que exercitam com satisfação esses pequenos poderes.
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Uma abordagem contemporânea do trabalho compreende outras competências para o orientador educacional. Ele deve ter certo distanciamento da demanda aparente (queixa) para promover uma escuta analítica que o leve a identificar os agentes, os valores e os conflitos nela envolvidos. Também está sob sua responsabilidade desencadear ações que ampliem o diálogo e a compreensão entre os protagonistas da comunidade, sem jamais negar a natureza dos conflitos. O exercício dessas competências só é possível quando o orientador educacional deixa a rotina de sua sala e se insere em outros espaços para procurar e explicitar os elementos do currículo oculto. As ações serão eficazes quando contribuírem para melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem, o que requer a interlocução com a equipe docente e o entendimento do sujeito como um ser histórico, crítico e social. Embora o orientador educacional não seja um especialista nas didáticas – essa é a especialidade do coordenador pedagógico –, ele deve ser capaz de identificar se a ação docente está de acordo com os princípios que norteiam o projeto pedagógico da escola.
É imprescindível sua participação nos momentos de formação dos professores, desenvolvendo estratégias para problematizar o convívio e as relações entre as pessoas. Trata-se de promover coletivamente o abandono do discurso pessimista e paralisador do fracasso da escola e do aluno e debruçar-se sobre os obstáculos que precisam ser superados. Existem diversos aspectos que compõem uma boa parceria entre o educacional e o pedagógico. A seguir, alguns exemplos: • Compartilhar as observações do cotidiano escolar que ajudem a descobrir os aspectos do currículo oculto. • Problematizar temas relacionados à qualidade do convívio, tais como valores, uso do espaço coletivo, furtos, violência, questões de gênero, preconceito etc. • Refletir sobre a formação ética do sujeito social por meio da análise dos temas transversais nas diversas disciplinas e da seleção dos temas sociais complexos e o momento mais apropriado para introduzi-los em situações de aprendizagem. • Investigar a escola sob novos paradigmas, entrando em contato com a produção de teóricos da ciência, da sociologia e da psicologia da Educação. • Compreender as características da diversidade da família moderna e seus impactos na Educação. • Informar-se sobre as principais características dos alunos com necessidades educativas especiais e como garantir a socialização e a aprendizagem. • Construir acordos educativos coletivos que comuniquem o resultado da reflexão da instituição sobre as práticas e sirvam de parâmetros para futuras ações. A integração do educacional com o pedagógico só funciona nas escolas que acreditam e apostam na troca de experiências e saberes, com o apoio institucional necessário e a adesão de gestores e docentes que não temem buscar oportunidades para propiciar o desenvolvimento de suas competências profissionais. CATARINA IAVELBERG (gestao@atleitor.com.br) é assessora psicoeducacional especializada em Psicologia da Educação.
Quer saber mais?
BIBLIOGRAFIADa Relação com o Saber: Elementos para Uma Teoria, Bernard Charlot, 96 págs., Ed. Artmed, tel. 08000-703-3444, 38 reais Escola e Cidadania, Philippe Perrenoud, 184 págs., Ed. Artmed, 44 reais Orientação Educacional: Conflito de Paradigmas e Alternativas para a Escola, Mirian P. S. Zippin Grinspun, 216 págs., Ed. Cortez, tel. (011) 3611-9616, 29 reais

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